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Página original . |
Jornal A Tarde - Sábado - 3 de outubro de 1970
Texto Reynivaldo Brito
Os quadros de João Alves de Oliveira dos Santos,
o João Alves, revelam o humano. Sua pintura é cheia de imaginação e de um sabor
ingênuo pela sua simplicidade. O artista possui um grande poder de criação, ao
ponto de pintar mais de cinco mil quadros. A igreja do Senhor do Bonfim foi
retratada por ele em todas as cores e dos mais variado ângulos. Embora nunca
frequentasse uma escola de arte para aprimorar seus conhecimentos de desenho ou
de pintura, deixou uma obra de grande valor.
João pintava porque sentia uma necessidade íntima de se comunicar com o seu público. O seu temperamento irreverente, ao ponto de ser retraído do convívio social e de negar-se a comparecer às exposições de seus trabalhos, era neutralizado pela sua amabilidade com o pincel e suas figuras. O mestre João morreu. Mas, deixou as cores de nossa Cidade, do mar, do céu, dos campos baianos, dos casarios e de nosso povo, gravadas em suas telas. São retratos do seu íntimo, que oferece em forma de arte a seu público. Jamais apagará esta sua comunicação. João pintava porque sentia uma necessidade íntima de se comunicar com o seu público. O seu temperamento irreverente, ao ponto de ser retraído do convívio social e de negar-se a comparecer às exposições de seus trabalhos, era neutralizado pela sua amabilidade com o pincel e suas figuras. Vemos acima o pintor conversando com o tapeceiro Renot e outro convidado, quando da recepção de uma exposição na Galeria Querino na década de 60. João não gostava de falar muito, todavia o fotógrafo conseguiu surpreende-lo contando um segredinho...
Ao lado a nossa arquitetura colonial está documentada para sempre nas telas de João Alves .Quando pintava casario, era um autêntico primitivo. Por várias vezes, alguns colecionadores lhe solicitaram que pintasse a igreja de São Francisco, e o Mestre João atendia. Porém, todas diferentes, daí ficar constatado o seu alto poder de criação. Numa combinação perfeita de cores , conseguia neutralizar a falta de perspectiva de seus quadros.
SOFREU
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João Alves,1960. |
João
Alves nasceu na cidade de Camisão, atualmente Ipirá, em nosso Estado em 1906.Veio
para Salvador com dois anos de idade passando a morar no antigo Beco Nagô, na
Freguesia de Nazaré. Sua primeira ocupação foi de empregado doméstico, durante três
anos. Quando contava vinte e dois anos de idade, resolveu trabalhar numa firma
construtora de estradas. Em seguida foi ser auxiliar de torneiro. Depois ,
passou a ser carregador de caminhão e mais tarde, estivador. Sempre o seu
trabalho era de grande esforço físico. Fascinado pela carroça, que sobe as
ladeiras da velha Bahia com aquele balançar faceiro, foi ser carroceiro, o que
durou muito tempo.
Tinta
profunda habilidade para transportar pianos, móveis e fazia mudanças em sua carroça.
Adquiriu uma cadeira de engraxate por 360 mil réis num bazar de antiguidades e
instalou-se na Praça da Sé, junto ao Palácio do Arcebispado. Entre um freguês e
outro que sentava em sua cadeira , começava a desenhar em pedaços de papelão
com lápis de cor que os estudantes de Direito lhe presenteavam. Até que foi
descoberto pelo fotógrafo e estudioso do nosso Candomblé, o francês Pierre
Verger, que comprou levou para a África ,o primeiro quadro vendido por João Alves.
O fotógrafo ficou impressionado com a sua pintura e o animou a pintar a óleo
sobre a tela. Mas João tinha pouca instrução e não deu muita importância às
recomendações de Verger. De vez em quando comprava uma lata de tinta esmalte -
de pintar portas e paredes - e pintava algumas telas, vendendo-as com muita
dificuldade. Assim, continuou o engraxate-pintor por muito tempo. Diversos
quadros seus foram vendidos por 200 mil rés. Hoje, valem alguns mil cruzeiros
cada. Alguns turistas chegaram a lhe pagar naquela época, dois cruzeiros por
tela.
SUA
PINTURA PRIMITIVA
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Esta obra retrata uma festa no Centro Histórico |
Os
quadros de João Alves são retratos da Bahia. Suas profissões ensinaram-lhe ao
dia a dia a arte de comunicar. O casario com os andaimes, que muitas vezes
foram pisados por ele também, ficaram gravados em suas telas. A cor revela uma
alegria interior, a qual ele não conseguia expressar por meio de palavras. Como
Pancetti, conseguia com poucas pinceladas grandes movimentos em suas figuras.
Nas telas onde estão pintadas as festas populares de Salvador, podemos observar
isto perfeitamente. São baianas com suas roupas tradicionais e velhos pretos
que se movimentam harmoniosamente em meio a uma grande multidão. Embora
utilizasse tintas ruins, conseguia dar uma beleza singular a seus trabalhos.
Quando pintava o casario era um primitivo autêntico pinta sem perspectiva e
nenhum pintor conseguiu retratar tão bem as festas populares de Salvador.
Tinha grandes amigos como o escritor Jorge Amado,
o tapeceiro Renot e outros. A propósito de sua arte, escreveu Jorge Amado:
“Jamais a cor de nossa Cidade, mistura de seu mar, do seu céu, de seu verde bosque,
de seu casario e de seu povo, jamais ela desaparecerá de todo por maior e mais
violento seja o vandalismo dos prefeitos e dos proprietários dispostos a acabar
com Salvador da Bahia. Jamais se perderá a lembrança dessa formosura acumulada
pelo tempo e pelo homem, e de sua transparência e de seu mistério. Porque ,
enquanto perdurarem as telas do Mestre João Alves, a profunda verdade da Bahia
- sua beleza deslumbrante, sua magia de povo e de orixás - estará preservada
para o futuro e para sempre reencontrada naquilo que o grande negro do Terreiro
de Jesus pintou por adivinhação e por vida vivida, pintou sem saber sem ter
aprendido, um saber herdado de gerações e gerações, a contar do primeiro
escravo vindo da África e aqui desembarcado".
PINTOR
DA CIDADE
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Casario colonial e figuras humanas. Estas obras coloridas não estão na página original.Introduzi para apreciarmos as cores na obra de João Alves. |
João
Alves era um pintor da Cidade. As casas, ruas, gente do povo e as festas
populares de Salvador com as prostitutas dançando os sambas -de-roda estarão
fazendo parte das grandes coleções do museus e particulares, porque estão nas
telas do Mestre. Era "um homem do povo, nascido e plantado na pobreza e na
grandeza das Portas do Carmo, um verdadeiro artista, um poderoso criador. Um
homem do povoe um mestre do povo, mestre da Cidade e seu arquiteto, o pintor
João Alves, um grande na Bahia.
Seu
trabalho está espalhado por todo o país e em diversos países da Europa. Era de
difícil trato, porque era primitivo até na sua maneira de ser e de vestir.
Morou muito tempo numa espécie de gruta ou cafua, localizada nas proximidades
da igreja de São Francisco. João Alves morreu, no dia 23 de junho de 1970,mas
sua obra está viva e cada vez mais fascinante e valorizada.
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O casario e uma procissão religiosa. |
O
Mestre João fez poucas exposições de seus trabalhos. As que foram realizadas
não foram organizadas por ele e sim, por alguns amigos fiéis. Ganhou o Prêmio
do Salão Baiano de Belas Artes, na Bahia, e Medalha de Prata e o Prêmio Esso de
Pintura. Deixou uma família, que só tem uma casinha humilde, na rua Guriguri,
no populoso bairro de Cosme de Farias. Quando vivia amparou duas ou três
mulheres que viveram com ele, mas não deixou filhos.
Agora
seus amigos desejam realizar uma exposição retrospectiva, com o objetivo de
amparar a sua esposa. O Instituto Nacional de Previdência Social -INPS - está a
exigir para complementar sua inscrição "post mortem" naquele
instituto algumas informações, para que sua família passe a receber proventos
mensais. A data da exposição ainda não está definida, mas o local já foi
escolhido- no foyer do Teatro Castro Alves. Todos os colecionadores e amigos do
pintor que possuírem quadros devem emprestá-los para dar maior embelezamento e
participação `|a exposição em memória de João Alves.
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