Este é o Terciliano que conheci sempre pronto para dialogar. |
Para minha surpresa hoje, dia 7, soube da morte do pintor baiano Domingos Terciliano Alves Jr.
Ele vinha adoentado, e
nos últimos dois meses conversamos sobre as antigas galerias . Terciliano me forneceu através o zap material para escrever alguns artigos sobre antigas galerias, especialmente a Galeria Bazarte, onde ele expôs e a frequentou com certa intensidade. Ele possuía alguns dos famosos álbuns de gravuras editados pela galeria. Ainda teve a gentileza de fotografar parte dos álbuns e algumas gravuras que publiquei nesta coluna, inclusive com informações sobre o próprio artista.
Notei que estava fazendo um esforço para falar sobre o assunto. Deste dia em diante sempre enviava , de quando em vez , uma mensagem para saber como estava. Na última que me respondeu disse que aguardando os resultados de uns exames e mostrava-se preocupado, mas esperançoso. "Olá! Boa tarde amigão. Tive uma melhorada ,mas não é aquela que espero, vou entrar em um tratamento delicado, daqui a uma semana". Depois silenciou. Percebi que algo de ruim estava acontecendo com o Terciliano. Procurei de outras formas me informar, mas não consegui, e hoje, para minha surpresa , li a nota nas redes sociais do seu falecimento.
Perde sua família, perde a Bahia Cultural e perdemos nós que mantíamos alguma ligação afetiva com ele , e os que admiram a sua arte, cuja produção é interrompida para sempre. Terciliano era um artista talentoso que preservava suas origens no candomblé e se manifestava com suas cores vibrantes e um desenho qualificado dos personagens que criava em suas obras . Consciente e discursivo o Terciliano chegava a se inflamar para defender suas ideias e seus princípios.
Fez uma carreira sólida aqui e chegou a fazer algumas exposições lá fora .Foi premiado na França, coisa que ele se orgulhava muito. Lembro que quando colhia informações para o artigo que fiz sobre a Galeria Bazarte me enviou fotos da solenidade onde sua arte foi premiada.
Terciliano concentrado em seu trabalho . |
Ele já estava adoentado, mas pouco falava sobre sua doença. Sempre perguntava sobre sua saúde e respondia com poucas palavras. Veja ai um trecho do que escrevi :
"O artista Terciliano Jr. ao completar 50 anos de atividades artísticas em 1972 fez uma exposição, no Sesc, de Pompeia, em São Paulo , juntamente com o escultor Chico Diabo, já falecido. Nesta exposição ele prestou uma homenagem ao seu Castro e escreveu este texto no catálogo:
"Há 30 anos atrás a Bahia estava com o céu azul mais do que o normal . O sol brilhava de forma tão grandioso que os paralelepípedos da Ladeira do Pelourinho refletiam as fachadas dos casarões de antanho como um espelho. O mar era uma explosão de cores em fusão marítima, a água ao mesmo tempo era clara e transparente dando para ver Yemanjá lá no fundo com os peixes acariciando seus cabelos . A lagoa do Abaeté cercada de verde com as flores amarelas protegida por Oxóssi. O céu azul protegido por Oxalá, a areia alva, a água negra da cor da minha pele, serviam como composição da beleza de Oxum. Todos os negros ,brancos e mulatos baianos cantavam para todas as divindades radicadas na Bahia pela chegada de um branco,preto e mulato paulista que seria batizado, adotado e confirmado por todos os deuses afro-baianos. J. Castro era o seu nome.Ou seu Castro como todos nós o chamávamos .Tornou-se filho da Bahia, amigo e companheiro dos artistas e intelectuais baianos. Fundou a Galeria Bazarte . E de lá nasceram Reinaldo Eckenberger, Terciliano Jr., Emanoel Araújo,Chico Diabo, Edison da Luz, Kennedy Bahia, Kabá Gaudenzi, Luana ( manequim),Carlos Henrique e Eurico Luiz. Os que passaram João José Rescala, Raimundo Oliveira, Sônia Castro, Gley Melo, Jamison Pedra e muitos outros. Amigo de Genaro de Carvalho, Juarez Paraíso e Jorge Amado, tendo por este último uma grande admiração.
Obra do artista onde vemos elementos afros. |
Ele descobriu um recanto poético baiano, e pretendia transformar numa vila residencial dos artistas em Arembepe Em uma tarde ensolarada e cercada de beleza por todos os lados no local citado, ouviu através o ronco do mar, auxiliado pela brisa que existe algo de maravilhoso por ali. Era uma Atlântida que existe ( ou existia, porque ele se foi com seu Castro) e ele ia mostrar para a Bahia e o mundo, a sua existência. O próprio Gilberto Gil ouviu o relato do seu Castro. J. Castro foi um fruto paulista para a alimentação cultural baiana. Ramificou sua sabedoria os pincéis, formões e palavras para que as pessoas dessem continuidade , e depois criassem seus caminhos em traços, formas e composições para o mundo. A Bahia ficou de luto. O terreiro de Amoreira lá em Itaparica foi reivindicado por todos os Orixás para a cerimônia de Egun. O acervo da Bazarte só recordações de um prelúdio de glória".
Em 2008 o artista Terciliano Jr. foi homenageado pela Academia de Artes e Ciências e Letras de Paris, pelos relevantes serviços prestados à Cultura brasileira, principalmente a baiana. Ele era ligado ao terreiro do Bate Folha onde seu tio Bernardino foi o fundador e o babalorixá mais importante. Terciliano nos deixou ao 81 anos de idade ,vítima de câncer.
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