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quarta-feira, 14 de outubro de 2020

TERCILIANO, DEIXA O REGISTRO DE UMA ARTE LIGADA À CULTURA AFRO

Este é o Terciliano que conheci com seu
riso largo e pronto para dialogar.
P
ara minha surpresa hoje, dia 7, soube da morte do pintor baiano Domingos Terciliano Alves Jr. Ele vinha adoentado, e nos últimos dois meses conversamos sobre as antigas galerias . Terciliano me forneceu através o zap material para escrever alguns artigos sobre antigas galerias, especialmente a Galeria Bazarte, onde ele expõs e a frequentou com certa intensidade. Ele possuía alguns dos famosos álbuns de gravuras editados pela galeria. Ainda teve a gentileza de fotografar parte dos álbuns e algumas gravuras que publiquei nesta coluna, inclusive com  informações sobre o próprio artista.
Notei que estava fazendo um esforço para falar sobre o assunto. Deste dia em diante sempre enviava , de quando em vez , uma mensagem para saber como  estava. Na última que me respondeu  disse que  aguardando os resultados de uns exames e mostrava-se preocupado,mas esperançoso. "Olá! Boa tarde amigão. Tive uma melhorada ,mas não é aquela que espero,vou entrar em um tratamento delicado,daqui a uma semana".  Depois silenciou. Percebi que algo de ruim estava acontecendo com o Terciliano.Procurei de outras formas me informar, mas não consegui, e hoje, para minha surpresa , li a nota nas redes sociais do seu falecimento.
Perde sua família, perde a Bahia Cultural e perdemos nós que mantíamos alguma ligação afetiva com ele , e os que admiram a sua arte,cuja produção  é interrompida para sempre. 
Terciliano era um artista talentoso que preservava suas origens no candomblé e se manifestava com suas cores vibrantes e um desenho qualificado dos personagens que criava em suas obras . Consciente e discursivo o Terciliano chegava a se inflamar para defender suas ideias e seus princípios.
Fez uma carreira sólida aqui e chegou a fazer algumas exposições lá fora .Foi  premiado na França, coisa que ele se orgulhava muito. Lembro que quando colhia informações para o artigo que fiz sobre a Galeria Bazarte  me enviou fotos da solenidade onde sua arte foi premiada.
Terciliano concentrado em seu trabalho de criação.


 Ele já estava adoentado, mas pouco falava sobre sua doença. Sempre perguntava sobre sua saúde e  respondia com poucas palavras. Veja ai um trecho do que escrevi : 
"O artista Terciliano Jr. ao completar 50 anos de atividades artísticas  em 1972 fez uma exposição, no Sesc, de Pompeia, em São Paulo , juntamente com o escultor Chico Diabo, já falecido. Nesta exposição ele prestou uma homenagem ao seu Castro  e escreveu este texto  no catálogo:
"Há 30 anos atrás a Bahia estava com o céu azul mais do que o normal . O sol brilhava de forma tão grandioso que os paralelepípedos da Ladeira do Pelourinho refletiam as fachadas dos casarões de antanho como um espelho. O mar era uma explosão de cores em fusão marítima, a água ao mesmo tempo era clara e transparente dando para ver Yemanjá lá no fundo com os peixes acariciando seus cabelos . A lagoa do Abaeté cercada de verde com as flores amarelas protegida por Oxóssi. O céu azul protegido por Oxalá, a areia alva, a água negra da cor da minha pele, serviam como composição da beleza de Oxum. Todos os negros ,brancos e mulatos baianos cantavam para todas as divindades radicadas na Bahia pela chegada de um branco,preto e mulato paulista que seria batizado, adotado e confirmado por todos os deuses afro-baianos. J. Castro era o seu nome.Ou seu Castro como todos nós o chamávamos .Tornou-se filho da Bahia, amigo e companheiro dos artistas e intelectuais baianos. Fundou a Galeria Bazarte . E de lá nasceram Reinaldo Eckenberger, Terciliano Jr., Emanoel Araújo,Chico Diabo,  Edison da Luz, Kennedy Bahia, Kabá Gaudenzi, Luana ( manequim),Carlos Henrique e Eurico Luiz. Os que passaram João José Rescala, Raimundo Oliveira, Sônia Castro, Gley Melo, Jamison Pedra e muitos outros. Amigo de Genaro de Carvalho, Juarez Paraíso e Jorge Amado, tendo por este último uma grande admiração.
Obra do artista onde vemos elementos afros.
Ele descobriu um recanto poético baiano, e o pretendia transformar numa vila residencial dos artistas em Arembepe Em uma tarde ensolarada e cercada de beleza por todos os lados no local citado, ouviu através o ronco do mar,auxiliado pela brisa que existe algo de maravilhoso por ali.Era uma Atlântida que existe ( ou existia, porque ele se foi com seu Castro) e ele ia mostrar para a Bahia e o mundo, a sua existência.O próprio Gilberto Gil ouviu o relato do seu Castro. J. Castro foi um fruto paulista  para a alimentação cultural baiana.Ramificou sua sabedoria os pincéis, formões e palavras para que as pessoas dessem continuidade , e depois criassem seus caminhos em traços,formas e composições para o mundo. A Bahia ficou de luto. O terreiro de Amoreira lá em Itaparica foi reivindicado por todos os Orixás para a cerimônia de Egun. O acervo da Bazarte só recordações de um prelúdio de glória".

Em 2008 o artista Terciliano Jr. foi homenageado pela Academia de Artes e Ciências e Letras de Paris, pelos relevantes serviços prestados à Cultura brasileira, principalmente a baiana.
Ele era ligado ao terreiro do Bate Folha onde seu tio Bernardino foi o fundador e o babalorixá mais importante. Terciliano nos deixou ao 81 anos de idade ,vítima de câncer. 

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