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sábado, 1 de dezembro de 2012

RETRATO DA VIDA CARIOCA NO TRAÇO DE J. CARLOS - 16 DE JULHO DE 1984

JORNAL A TARDE, SALVADOR, 16 DE JULHO DE 1984.

RETRATO DA VIDA CARIOCA NO TRAÇO DE J. CARLOS


Cerca de 300 desenhos originais de J. Carlos, os mais representativos no contexto da história da arte do Brasil, de 1922 a 1945, além de capas de revistas e material impresso da época, estão em exposição na mostra que o Instituto Nacional de Artes Plásticas da Funarte está promovendo, em torno dos 100 anos de J. Carlos, até o próximo dia 24 de agosto. Foi lançado o livro sobre J. Carlos, com texto de Irma Arestizabal, 84 páginas e desenhos a cor e preto e branco.
A leitura da exposição J. Carlos que ocupa três galerias da Funarte com um segmento no Solar Grandjean de Montigny da PUC-RJ pode ser feita, de acordo com a curadoria da mostra, Prof.ª Irma Arestizabal, diretora do Solar, através”dos temas tratados e personagens criados, de forma cronológica, ou realizando uma análise estilística que nos permite sentir perfeitamente o desenvolvimento da Art-Deco no Rio de Janeiro.
Para Irma, que esteve mergulhada durante meses no farto material sobre J. Carlos, entre originais, e material impresso, cedido pelos quatro filhos do artista, “através do traço ágil e limpo de J. Carlos compreendemos a vida, o gosto, a política, as idéias e desejos e virtudes de quarenta anos da vida carioca e ao mesmo tempo, de nosso momento atual”.

AS CHARGES

Uma cena de Praia, detalhes da vida carioca
Em 1942, numa entrevista, J. Carlos dizia que “a arte em nosso país é inteiramente desprotegida.“No Brasil, quando um caricaturista localiza uma personalidade de destaque na política, nas letras, o mais que pode receber são ameaças”. Mesmo assim, J. Carlos começou sua carreira com a charge política e ele próprio fazia as legendas. Retratou todos os presidentes entre eles Rodrigues Alves, Affonso Penna, Nilo Peçanha, o marechal Hermes da Fonseca (sobretudo durante seu namoro com Nair de Teffé, a caricaturista Rian), Epitácio Pessoa etc., culminando com Getúlio e depois Dutra.
J. Carlos não só retratava os homens, como os fatos, as politicagens, a ambição do poder.
Os acontecimentos das guerras foram documentados também por J. Carlos, que caricaturava os personagens e criticava a estupidez da guerra. Assim, as alegres capas de revistas assinadas pelo caricaturista, cheias de cor e ritmo que traziam a imagem de uma vida despreocupada deram lugar a tristes e descontentes desenhos.
Ainda na montagem da exposição da Funarte, estão os trabalhos em torno da vida na cidade, do humor do carioca e das festas marcantes, como o Carnaval. J. Carlos sempre retratava os indivíduos no seu contexto: de 1912 a 1918, as casas de chá e o footing foram o seu tema preferido. Também desenhou o povo na rua, o português da feira, o funcionário público, a sogra. O carnaval foi, por outro lado, um tema constante na obra do imortal artista,ora como uma explosão de personagens na rua, ora estilizando colombinas, baianas, espanholas, pierrôs. A praia é outro de, seus temas preferidos, ele documentava não só as modas de banho, como o culto ao corpo, uma característica do carioca, já naquela época.

J. Carlos adorava as melindrosas e crianças e detestava coronéis, matronas e almofadinhas.Para as crianças criou numerosas histórias e ilustrou livros e a mulher aparece durante toda a sua produção como a rainha, sempre elegante, inteligente e dominando os homens. No apanhado da obra de J. Carlos fica claro a influência do desenhista na moda. Ele não só comentava, como ditava na moda, chegando a ser comparado aos melhores estilistas franceses. Em 1920 ele criou a melindrosa, de olho redondo, cabelinho cortado a garçoniere, o característico pega rapaz e a boquinha pintada em forma de coração. Pode-se mesmo reconstruir a moda da então capital da República, vendo os desenhos de J.Carlos.

A TÉCNICA
J. Carlos começou a trabalhar na imprensa, no início do século quando as técnicas de impressão se modernizavam com o aparecimento da zincogravura, que daria lugar depois à fotogravura, e aos primeiros linotipos e máquinas de impressão a cores. Seus originais eram realizados a lápis com acabamento a bico-de-pena e nanquim e, às vezes, usava o guache para engrossar o traço. Depois de 1930, começa a usar aquarela, J.Carlos modifica muito o seu desenho, no decorrer de sua produção.
No início seu traço é ainda vacilante com formas pesadas e contornos imprecisos, mas sempre com uma grande preocupação com a rigidez. Após 1920 a linha flui contínua, criando um desenho sucinto. Ele mesmo escrevia as legendas e todas as indicações para a gráfica, com muito cuidado, traduzindo a exigência que tinha com seu trabalho.

ANTECIPANDO O MODERNISMO

O carnaval , sempre foi focado pelo J. Carlos
Apear do sistema de poder nas artes plásticas ter marginalizado a caricatura dos debates sobre nossa modernidade, essa “arte menor” teve uma constante presença no modernismo brasileiro, além de tê-lo antecipado. Na virada do século, o aparecimento de uma técnica de reprodução lança um desafio à caricatura e termina por liberá-la de seus ranços acadêmicos ou compromissos com o realismo, como composição, fundo, detalhamento, verossimilhança e excesso de alegoria.
Os métodos fotoquímicos, aliados a um ritmo editorial intenso, exigem uma nova estética que permitem a reprodução de aguadas e do desenho a traço.
Lançando-se entre 1898 e 1902, Raul, K-lixto e J. Carlos aportam, desde então, sua contribuição à sátira gráfica, já deixando antever a redefinição da linguagem que desenvolveriam nas décadas seguintes. Já na década de 1910, talvez tenha sido a caricatura a linguagem de prática mais moderna e com maior respaldo social. Uma dezena de caricaturas havia renovado o desenho gráfico nas grandes revistas. J. Carlos (“o pai de todos nós”, segundo Belmonte) notabiliza-se em todos os setores: sátira, política, caricatura de costumes, charge social, portrait charge, ilustração, histórias infantis e propaganda.
Paulatinamente passa a ter um reconhecimento universal como um dos maiores caricaturistas deste século. Nos seus cadernos de trabalho, Oswald cola caricaturas de J. Carlos enquanto Bardi observou que “não se compreende o descuido de não convidar os desenhistas-chargistas, uma vez que a ofensiva modernista se concentrava sobretudo nas boutades e deboches de Oswald”.

O CHARGISTA
J. Carlos em seu estúdio, 1920
J. Carlos nasceu no Rio de Janeiro, no dia 18 de junho de 1884. Estudou no colégio São Bento até o ginasial que abandonou “antes de chegar à geometria”. É de agosto de 1902 o primeiro desenho no n.º 26 de Tagarela com a anotação “Desenho de um principiante” e já em abril de 1906 ele assina a capa do jornal.
Trabalha em O Malho, Tico-Tico, Leitura Para Todos. De 1907 a 1908, desenha a capa do primeiro número de Careta, tornando-se seu desenhista exclusivo. Fez inúmeras ilustrações para romances, livros de história infantil, contos, capas de livros, obras didáticas. Em 1930 estreou a sua peça É do Outro Mundo, no Teatro Recreio e fez um samba musicado por Ary Barroso, Na Grota Funda. Depois a música teve letra de Lamartine Babo, chamando-se No Rancho Fundo.
m 1941, quando Walt Disney visitou o Brasil, tentou, sem êxito, levar J. Carlos para Hollywood para trabalhar em seus estúdios.De acordo com o depoimento de Nássara, Disney gostou muito de alguns estudos de um papagaio feito por J. Carlos para uma revista de humor. “Passa-se o tempo e aí vem o filme Alô Alô Brasil, onde aparece o Zé Carioca como um papagaio. Então, pensando bem agora, cheguei à conclusão de que o papagaio de J. Carlos deve ter tido influência na criação do Zé Carioca”.
J. Carlos morreu em outubro de 1950, depois de produzir quase cem mil desenhos. “A quantidade de desenhos que eu tenho feito -  ele disse -  daria para forrar a Avenida Rio Branco”.

A PESQUISA

Além de Irma Arestizabal, na curadoria e Lígia Canongia na coordenação da mostra, participaram também dos trabalhos de pesquisa para J. Carlos, Piedade Epstein, que fez o levantamento da iconografia dos anos de 1902-1920; Maria Gertrudes Oswald, o estudo sobre o projeto gráfico e a tipografia; Maria Cecília Miranda trabalhou na catalogação dos desenhos e fez uma parte da pesquisa Histórica e Andréa D’Orsi, o levantamento dos jornais. Espero que algum museu baiano consiga trazer esta mostra de J. Carlos para Salvador.



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