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sábado, 29 de novembro de 2025

ZÉ DE ROCHA EXPÕE A VIOLÊNCIA QUE NOS ATORMENTA

Zé de Rocha desenhando com areia - 
Sand Motion , no seu ateliê.
Desde a sua infância que Zé de Rocha vive envolvido com desenho copiando os  personagens  das histórias em quadrinhos e depois passou a receber orientação de seu conterrâneo o pintor expressionista Nelson Magalhães, que ele chama de Nelsinho. Surgiram suas pinturas densas cheias de grossas camadas de tintas num colorido forte e com muita expressividade. A busca foi tomando outros rumos e hoje transita em meio a traços e manchas criando imagens que impactam o apreciador de suas obras. Está  implícita em sua arte a capacidade de nos apresentar a violência que vem escalando em todo o mundo, e o artista diz claramente num texto que escreveu para uma exposição na Caixa Cultural, em Salvador, que não se trata apenas de ilustrar a violência, mas de encontrar uma tensão que se revela através das imagens que cria. Ele acredita que essas imagens de carros destruídos no trânsito, de pessoas vítimas da brutalidade humana, das mãos queimadas na guerra de espadas são reveladoras do que ocorre com a humanidade. É bom lembrar que desde os tempos imemoriais o ser humano vem mostrando este seu lado violento, e nos tempos da barbárie ainda eram bem piores que os de hoje. Também, ao lado do criador de traços e manchas impactantes tem um músico que toca acordeon com tanta sensibilidade quanto o artista visual ao fazer os seus desenhos. O Zé de Rocha é natural de Cruz das Almas, doutor em Artes Plásticas, pela Escola de Belas Artes, da Universidade Federal da Bahia, e atualmente professor de Desenho, da Escola de Belas Artes. Portanto, vive dividido entre o magistério e seu ateliê no Jardim Brasil, e quando o tempo lhe permite toca seu acordeom. Já participou de várias exposições individuais e coletivas, salões e bienais ,sendo  premiado em alguns desses eventos.

Neste autorretrato vemos seu grito contra
 a violência
. Desenho em carvão sobre papel.
Vemos que o artista visual Zé de Rocha está focado na criação de imagens que revelam e discutem a violência urbana que nos cerca, quer estejamos numa metrópole ou mesmo numa cidade do interior.  O risco sempre vai estar presente. O substantivo risco na nossa língua portuguesa tem significado “de perigo ou a possibilidade de perigo, mas também pode ser entendido como prejuízo ou insucesso em um projeto. De forma mais técnica, pode ser a probabilidade de um evento incerto acontecer. Em alguns contextos, como no de arte, refere-se também a desenho, traço ou esboço.” Na obra de Zé de Rocha temos o risco, o traço elaborado e as manchas feitos por um artista contemporâneo. Ele é consciente da sua inserção neste mundo onde vivemos caminhando numa linha tênue enfrentando os riscos e desafios de uma sociedade competitiva, individualista, e também com seus bolsões de violência que se manifestam no trânsito desenfreado e nas reações insanas de grupos de pessoas que vivem mergulhadas na criminalidade.

                                        IMPORTÂNCIA DO DESENHO

Neste desenho de um ônibus sinistrado,
feito com carvão, vemos o nível de
dificuldade e sua habilidade na execução.
Entendo que o desenho é a base sólida de um bom artista. Para que você cresça profissionalmente como artista visual é preciso que tenha como base um desenho apurado, e a partir daí poderá chegar a uma infinidade de possibilidades de distorcer as imagens, reduzir, aumentar, incorporar outros elementos, dentre outras formas de se expressar. E o Zé de Rocha é um excepcional desenhista. O texto escrito pela artista Rosa Gabriella de Castro Gonçalves, no livro Carvão, organizado por Ricardo Bezerra, ela escreveu: “É no desenho (disegno) que a arte se legitima enquanto unificado, prática nobre e conhecimento intelectual, demonstrando domínio conceitual sobre a forma e a composição. No Renascimento, quando as artes visuais almejaram ser consideradas artes liberais, deixando a condição de mera técnica, foi o desenho, enquanto atividade mental, que tornou isso possível. Esta passagem foi registrada por Vasari, que estipulou que as artes – arquitetura, escultura e pintura – não deveriam ser denominadas simplesmente artes, mas artes do desenho”. Rosa Gabriella é graduada em Comunicação Visual e doutora em Filosofia pela Universidade Estadual de São Paulo -USP. Já o Vasari que ela cita trata-se de “Giorgio Vasari (1511-1574) foi um pintor, arquiteto e biógrafo italiano, produziu suas obras na fase mais tardia do Renascimento. Tornou-se famoso ao escrever biografias dos artistas da Renascença italiana, que se tornaram essenciais para a história desse período.” Wikipedia.

Trabalhando com espada para desenhar sobre
uma lona . Antes ele faz uma base para a lona
suportar o fogo  e as fagulhas.
O artista José Raimundo Magalhães Rocha,o Zé de Rocha nasceu em sete de janeiro de 1979 na cidade de Cruz das Almas, interior da Bahia, filho de Raimundo Alcides da Rocha e d. Nelma Maria Magalhães Rocha. Estudou o primário da Escola Mônica e Cebolinha, e o ginásio e colegial no  Colégio Cruz das Almas, que não mais existe.  Disse que quando decidiu vir para Salvador fazer o vestibular sua mãe foi clara ao recomendar que fizesse numa universidade pública tendo em vista as dificuldades que enfrentavam depois do trágico falecimento do seu pai. Foi assim que ao terminar o segundo grau prestou vestibular para a Escola de Belas Artes, da Universidade Federal da Bahia, em 1996, e após ser graduado cursou o Mestrado e em seguida o Doutorado. Porém, as coisas não aconteceram normalmente porque depois de três anos estudando a graduação passou a questionar se deveria seguir sua carreira, achava que a vida de artista é muito complicada e preocupado com a sobrevivência resolveu abandonar o curso. Disse que nesta época já participava dos salões regionais entre os quais o de Jequié, Juazeiro, Alagoinhas, Feira de Santana, e chegou a ganhar prêmios. Sua decepção era com o curso e frustração com as perspectivas que imaginou quando saiu de Cruz das Almas. Fez outro vestibular e foi estudar Design, na UNEB, imaginou que aí seria mais fácil a sua sobrevivência. Depois descobriu que não, abandonou o curso e passou a trabalhar com música tocando o seu acordeon em bandas, saiu em turnê, viajou com os cantores Xangai e Ferreti. Em 2004 sentiu falta da EBA e do convívio com os colegas retornando com o objetivo de terminar o curso. “Voltei mais amadurecido e a partir do meu retorno o trabalho foi crescendo e descobri que meu fazer artístico era muito gráfico. As linhas, traços e manchas em preto e branco me satisfazem”, disse Zé de Rocha.

                                                        TRAJETÓRIA E INCENTIVOS

Pintura da época que estudou
 com  Nelson Magalhães.
Se o artista Nelson Magalhães o incentivou muito no início de sua busca em Cruz das Almas, na Escola de Belas Artes durante as aulas de pintura foi a professora Sônia Rangel, que fez este papel. Ela falou sobre o processo criativo e do encontro da maneira pessoal de trabalhar.  A partir daí passou a enveredar pelas questões gráficas. Fez muitas serigrafias, inclusive ganhou um prêmio na Bienal do Recôncavo, e este prêmio possibilitou viajar em 2009 para Milão, onde fui orientado durante quatro meses pelo professor, crítico de arte e curador Antonio d’Avossa, na “Accademia di Belle Arti di Brera, em Milão, Itália, que é uma renomada instituição pública de ensino superior em artes. Fundada em 1776 pela Imperatriz Maria Teresa da Áustria. Hoje a Accademia compartilha o seu prédio principal com a Pinacoteca di Brera, o principal museu de arte de Milão. A Accademia oferece formação em diversas áreas criativas, como pintura, escultura, fotografia, vídeo e artes gráficas. 

Brincante ou espadeiro 
com sua vestimenta na
Guerra de Espadas.
O Zé de Rocha falou durante nossa conversa que “nunca tinha viajado para fora, e pode visitar museus e tentou mostrar sua arte na Itália, mas não obteve sucesso. Encontrou alguns músicos brasileiros e se apresentou em shows em cidades italianas tocando seu acordeon. Ao retornar passou a se interessar em desenhar carros destruídos, pneus esgarçados, mãos sangrando. Pegava as imagens nos jornais, e depois visitava o pátio do Detran para ver e fotografar os carros sinistrados. Confessa que até hoje para na estrada para fotografar acidentes com vistas a desenhar. A fotografia aprendeu na EBA com o professor Edgar Oliva e que tem um bom arquivo fotográfico de carros sinistrados. Estuda os contrastes, os detalhes retratando dentro da sua visão artística utilizando o carvão e outras técnicas. “Passei a me aplicar mais ao Desenho”, e destacou a importância das aulas com o professor Onias Camardelli, e de suas pesquisas pessoais que faz sobre Desenho e a arte contemporânea. “Saí do carvão, durante o mestrado e fui pro fogo”, adiantou.

                                                  MAGISTÉRIO

O magistério não estava nos seus planos, mas aconteceu e vem exercendo com empenho e alegria  apresentando e debatendo com seus alunos as questões da arte e todos os aspectos que a envolvem. Sempre busca encontrar formas de motivação de seus alunos, fugindo do formato tradicional do ensino teórico. Atualmente introduziu m suas aulas o trabalho de criação utilizando a areia. É o processo criativo conhecido por Sand Animation, em português é animação de areia que “é uma forma de animação em que imagens são criadas manipulando areia sob uma fonte de luz que fica dentro de uma caixa de madeira especial e filmadas quadro a quadro. O processo é uma técnica de stop motion, onde o

Carro sinistrado da Série Risco, 2015.
animador faz pequenas mudanças na areia e fotografa após cada alteração para criar uma sequência de movimento.
“O artista precursor desta técnica de arte foi o húngaro Ferenc Cakó. Ele se graduou no College for Creative Arts em 1973 e fez animação  nessa época. Seu primeiro sucesso foi em 1982 e em 1989 foi nomeado artista da República Popular da Hungria. Durante a entrevista Zé de Rocha criou algumas imagens usando esta técnica em seu ateliê e tive a oportunidade também de mexer na areia, e posso assegurar que é uma forma estimulante de criação. As imagens mudam em segundos a depender dos movimentos que você faz com os dedos ou mesmo usando algum instrumento. A areia utilizada é bem fina, quase uma poeira, e segundo Zé de Rocha só encontrada aqui no Brasil em poucos locais.

                                                             EXPERIÊNCIA COM O FOGO

Como ele nasceu na cidade de Cruz das Almas, que tem uma tradição centenária durante os festejos juninos da prática da Guerra das Espadas o Zé de Rocha desde cedo participava das batalhas com seus amigos. Eles chamam de brincantes e mostrou algumas marcas, pequenas é verdade, resultado de queimaduras com as espadas. Na exposição

Desenho em carvão do chão de uma rua de
Cruz das Almas durante Guerra das Espadas.
que fez em 2015 chamada de Há Risco o artista apresentou vários desenhos feitos com carvão sobre papel e tela com os carros sinistrados, e também obras feitas com as espadas, deixando as marcas das queimaduras sobre a lona proporcionando um efeito visual diferenciado. Nos anos de mestrado voltou várias vezes para Cruz das Almas, foi conhecer e conversar com os mestres fogueteiros, com algumas pessoas mais envolvidas com a Guerra de Espadas, que hoje é proibida. Os mestres fogueteiros deixaram de produzir as chamadas espadas garantidas que eram feitas em técnicas especiais, e atualmente são feitas por gente que não tem muita expertise, e o perigo é maior porque os que teimam em soltar espadas não se protegem como antes que vestiam roupas especiais, óculos, capacetes e luvas. Hoje soltam de qualquer forma correndo da polícia.

 Uma curiosidade é que o Zé de Rocha ao conversar se mostra uma pessoa afável completamente diferente das obras impactantes que cria. Quando lhe fiz esta observação rindo ele me respondeu mais ou menos assim ,mas  “por dentro sou um vulcão em erupção

Zé de Rocha em seu ateliê durante nossa
conversa.
e me expresso como numa catarse através de minha  arte. Ele quis dizer que libera suas  emoções reprimidas e intensas, proporcionando alívio e uma sensação de purificação. Sua arte está vinculada às estruturas, as questões gráficas das linhas e não tem aquela preocupação com a intensidade das cores, e isto já estava na sua pintura e foi me aprofundando nisto.
O Zé de Rocha se considera um artista contemporâneo, trabalha pensando no Desenho, no claro e escuro, trata de questões que lhe atravessam e lhe espantam. Gosta das obras de Francisco José de Goya y Lucientes que  foi um pintor e gravador espanhol. É considerado o mais importante artista espanhol do final do século XVIII e começo do século XIX. Disse ainda  ter sido de alguma forma influenciado pelo movimento neoexpressionista que iniciou no final dos anos 70, se fortaleceu na década de 80 como uma reação à arte conceitual e ao minimalismo. Este movimento “se caracteriza pelo retorno à pintura, com foco em temas emocionais e subjetivos, com uso de cores fortes, pinceladas visíveis e gestos agressivos da criação de obra de grandes dimensões”. Citou alguns artistas que talvez o tenham influenciado como os alemães Georg Baselitz e Anselm Kiefer e os americanos Julian Schnebel e Jean-Michael Basquiat. Na sua trajetória artística Zé de Rocha  trocou as várias matizes de cores fortes e enveredou a usar o carvão se expressando com muita energia em preto e branco com gestos e imagens agressivas que nos levam a conjecturar sobre momentos de tensões e violentos que vivemos em nosso país.

                                   EXPOSIÇÕES

INDIVIDUAIS: Em 2019 – RiscoRisco, Galeia RV Cultura e Arte Salvador – Bahia, curadoria de Sonia Rangel. 2016 - Memórias do Risco, Galeria Ana das Carrancas – Sesc Petrolina – Pernambuco. 2015 - Há Risco Caixa Cultural Salvador – Bahia. 2012 - Risco Galeria do Conselho Salvador – Bahia, curadoria de Sonia Rangel; 2010 - Correndo Risco, Galeria RV Cultura e Arte Salvador – Bahia; Cronache dall’Estremo Sala Sposizione Panizza Ghiffa – Itália, curadoria de Antonio d’Avossa.

 COLETIVAS E SALÕES: 2022 - 64ª edição dos Salões de Artes Visuais da Bahia,
Capa do catálogo da mostra na Caixa Cultura,
2015.Desenho de um velho pneu ,em carvão.
Museu de Arte da Bahia (MAB) Salvador – Bahia, Menção Especial; Aos Pés do Caboclo, luta - Centro de Cultura Vereador Manuel Querino, Salvador – Bahia, Curadoria: Joyce Delfim e Nathan Gomes. 2021 – Drawing Room Madrid online fair;   https://drawingroom.es/madrid-online-fair-2021;  Desmundo Museologia Lab – Universidade de Brasília, (UnB) online - https://www.desmundo.museologialab.org/. 2019 - Carvão MUNCAB Salvador – Bahia;  Drawing Room Lisboa, Sociedade Nacional de Belas Artes – Portugal;  Ficción de lo cotidiano Centro Cultural Brasil-México Cidade do México.  2018 - EBA 140 anos – Fluxos Visuais de 1877, Sala Contemporânea Mario Cravo Jr – Palacete das Artes, Salvador – Bahia, curadoria de Eriel Araújo, Luiz Freire, Ricardo Bezerra e Viga Gordilho. 2017 – Drawing Now, Le Salon du Dessin Contemporain, edition 11. Carreau du Temple, Paris- França. 2016 - Zona de Perigo Museu Oscar Niemeyer Curitiba – PR, curadoria de Divino Sobral. Prêmio CNI- SESI, Marcantonio Vilaça. 2014 - III Bienal da Bahia, Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador – BA .2013 - 64º Salão de Abril, Sobrado José Lourenço, Fortaleza – CE; Esquisópolis, Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador – BA. 2012 – Paraconsistentes, 25 artistas Contemporâneos da Bahia, Goethe Institut Salvador – BA, curadoria de Alejandra Muñoz.  Salão de Artes Visuais da Bahia, Centro de Cultura ACM, Jequié – BA, Prêmio do Júri.  2011 – Quereres, Galeria do Conselho Salvador – BA. 2010 - XIII Salão Municipal de Artes Plásticas, SAMAP, João Pessoa - Paraíba. 2009 - Bankside 9TG/SE1, London,  Galeria ACBEU Salvador – BA.  2008 - 15º Salão da Bahia, Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador – BA; IX Bienal do Recôncavo, Centro Cultural Dannemann, São Félix – BA, Grande Prêmio – Viagem à Europa; Salão Regional de Artes Plásticas da Bahia, Centro de Cultura Adonias Filho, Itabuna – BA, Prêmio Incentivo; Salão Regional de Artes Plásticas da Bahia, Centro de Cultura Camilo de Jesus Lima, Vitória da Conquista – BA.  2007 - Salão Regional de Artes Plásticas da Bahia, Centro de Cultura João Gilberto, Juazeiro – BA, Menção Honrosa. 2006 - VIII

Zé de Rocha mostrando parte de uma obra
 em serigrafia  que  foi premiada .
Bienal do Recôncavo, Centro Cultural Dannemann, São Félix - BA; Salão Regional de Artes Plásticas da Bahia, Centro de Cultura de Alagoinhas, Alagoinhas – BA. 2003 - VI Bienal do Recôncavo, Centro Cultural Dannemann, São Félix – BA. 1999 - XXVI Salão Regional de Artes Plásticas da Bahia, Centro de Cultura Camilo de Jesus Lima, Vitória da Conquista – BA; Coletiva: Miguel Cordeiro, Nelson Magalhães Filho, Suzart e Zé Raimundo Rocha, Galeria ACBEU, Salvador – BA. 1998 -  IV Bienal do Recôncavo, Centro Cultural Dannemann,  São Félix – BA , Menção Especial;  Singularidades - Coletiva com os Artistas Mais Expressivos dos Salões Regionais de Artes Plásticas – terceira fase 97/98,  Museu de Arte Moderna da Bahia – MAM,  Salvador – BA;  Recôncavo Contemporâneo: Gláucia Guerra, Nelson Magalhães Filho, Suzart e Zé Raimundo Rocha , Museu de Arte Contemporânea – MAC,  Feira de Santana – BA ; Exposição de Pinturas: Nelson Magalhães Filho e Zé Raimundo Rocha,  Galeria ACBEU,  Salvador – BA. 1997 - XXI Salão Regional de Artes Plásticas da Bahia,  Centro de Cultura de Alagoinhas , Alagoinhas – BA;  XX Salão Regional de Artes Plásticas da Bahia,  Centro de Cultura Olívia Barradas , Valença – BA - Destaque Especial;  XIX Salão Regional de Artes Plásticas da Bahia,  Centro de Cultura de Porto Seguro,  Porto Seguro – BA;  XVIII Salão Regional de Artes Plásticas da Bahia,  Centro de Cultura Amélio Amorim,  Feira de Santana – BA , 2º lugar, Prêmio Agnaldo Azevedo “Siri”; XVII Salão Regional de Artes Plásticas da Bahia,  Centro de Cultura Adonias Filho,  Itabuna – BA , Menção Honrosa;  XV Salão Regional de Artes Plásticas da Bahia,  Centro de Cultura João Gilberto , Juazeiro – BA.

FORMAÇÃO -   Em 2020 - Doutorado em Artes Visuais, Processos Criativos (UFBA). 2013 - Mestrado em Artes Visuais, Processos Criativos (UFBA). 2008 - Bacharelado em Artes Plásticas (UFBA). ATUAÇÃO DOCENTE - Professor da Escola de Belas Artes, da UFBA Universidade Federal da Bahia.

sábado, 22 de novembro de 2025

VICENTE SAMPAIO E SUA FOTOGRAFIA CRIATIVA


O fotógrafo Vicente Sampaio ao lado da
foto de uma terra preparada para o plantio.
D
epois de quase cinquenta anos por um acaso nos reencontramos, desta vez virtualmente através das redes sociais. Trata-se do experiente fotógrafo Vicente Sampaio que viveu aqui no bairro da Boca do Rio numa casa que fazia fronteira com a do também fotógrafo hoje famoso internacionalmente Mário Cravo Neto. Naquela época eles eram jovens, com 26 e 27 anos respectivamente, e andavam juntos por esta Cidade levando no pescoço suas máquinas Nikons,  Hasselblad e Leicas  caras com àquelas lentes enormes que chamavam a atenção. Relembrou Vicente Sampaio que ia até os Alagados sozinho fotografar com duas máquinas dependuradas no pescoço e ninguém mexia com ele. Eram outros tempos! Claro que existiam ladrões, mas o número era bem menor, e quando pegos recebiam o castigo merecido. O nosso primeiro contato foi em junho de 1976 quando a dupla foi até o jornal A Tarde falar comigo sobre uma exposição que iam fazer no Museu de Arte Moderna da Bahia, a convite do então diretor, o também fotógrafo, cineasta e arquiteto Silvio Robatto.

A criança admirando uma boneca .
O meu texto foi publicado nesta coluna no jornal A Tarde em 5 de julho de 1976 com o título “Mário Cravo Neto e Vicente Sampaio com 140 fotografias no Unhão”. A exposição foi um sucesso porque as fotos eram de alta qualidade e trazia a novidade porque Mário Cravo Neto expôs algumas que foram feitas nos Estados Unidos. Eles trabalhavam juntos, iam para a praia e outros lugares diversos e dividiam o laboratório até que o Vicente Sampaio também montou o seu.  Dois excelentes profissionais unidos pela arte da fotografia. Com o tempo cada um tomou o seu destino, e o Vicente foi morar em São Paulo. O Mário Cravo Neto partiu para a eternidade em 2009 aos sessenta e dois anos de idade. Hoje Vicente Sampaio vive em Santo Antônio dos Pinhais, perto de Campos de Jordão, em São Paulo, num sítio onde vem fotografando a paisagem, a fauna e comercializa suas obras através as redes sociais. Também dá cursos de fotografias online e vai tocando sua vida com a simplicidade que sempre foi uma das marcas de sua personalidade. Casou teve três filhos que hoje trilham caminhos profissionais de sucesso.

Mas, o nosso reencontro que aconteceu virtualmente e foi possível graças a essas coincidências da vida moderna. A filha de uma sobrinha de Calazans Neto, a Eloisa Lopes, que é pianista formada pela Escola de Música, da Universidade Federal da Bahia, e atualmente professora na Pontifícia Universidade Católica de Campinas,

 O descanso do Gato.  Foto maravilhosa!
em São Paulo. Ela   viu umas fotos de Vicente Sampaio nas redes sociais, e se interessou e passaram a conversar quando eles falaram da Bahia e suas experiências. Foi aí que surgiu o texto que tinha escrito em 1976 e então Vicente Sampaio me enviou uma mensagem através o Messenger. Respondi e estou aqui falando de sua arte fotográfica. Não conheço pessoalmente a pianista Eloisa Lopes, mas lembro com saudade do seu querido tio Calazans Neto, uma figura presente na arte baiana e uma das mais incríveis que conheci no mundo das artes.

                                                   TRAJETÓRIA

O fotógrafo Vicente Sampaio Neto nasceu em Pirassununga, estado de São Paulo em oito de janeiro de 1968, filho de Oswaldo Sampaio e Edith Guerra Sampaio. Antes  seus pais moravam em São João Del Rei ,em Minas Gerais , onde seu pai trabalhava com a cultura do café. Em seguida foram morar em Ribeirão Preto, também em São Paulo e Vicente Sampaio foi estudar no Grupo Escolar dr. Guimarães Júnior onde concluiu o primário. O ginásio e o colegial estudou no Colégio Estadual Otoniel Mota, o mesmo onde também estudara o presidente Washington Luís (1869-1957) que foi um advogado, historiador e político brasileiro, o 13º e último presidente da República Velha de 1926 a 1930, quando foi deposto num golpe. Antes ele foi baleado por sua amante, a marquesa italiana Elvira Vishi Maurich, em 23 de maio de 1928, no Copacabana Palace. O caso foi abafado pela versão oficial, que dizia que o presidente havia sofrido uma crise de apendicite. 

Vista parcial da Serra onde mora o fotógrafo.
Aos catorze anos Vicente Sampaio fez seu primeiro laboratório fotográfico dentro de um armário na casa de seus pais em Ribeirão preto e a fotografia continuava chamando. Pensou em estudar arquitetura, depois História, e finalmente foi para a Escola Superior de Propaganda e Marketing, a famosa ESPM, em São Paulo, mas não passou do primeiro ano. Foi quando em 1973 veio morar em Salvador e coincidiu que sua casa tinha um muro que fazia fronteira com a casa onde morava o Mário Cravo Neto, na Rua Heitor Dias, no bairro da Boca do Rio, que se formou de uma invasão e na época era tido como um bairro alternativo da turma da contracultura, hippies etc. Eles se conheceram e mantiveram uma amizade firme até o falecimento de Mariozinho em 2009, acometido de um câncer de pele. Cravo Neto nasceu na capital baiana em 1947, tendo começado na arte aos 18 anos. Desenvolveu trabalhos em escultura e fotografia, seguindo os passos do pai, o escultor Mario Cravo Júnior, inclusive o acompanhou quando o pai foi fazer uma residência em Berlim para estudar escultura. Participou de cinco bienais de São Paulo, entre 1971 e 1983, tendo realizado também diversas mostras de fotografia na Europa e nos Estados Unidos. Neto teve o prazer ainda de ter colaborado com as revistas "Popular Photography" e "Câmera 35".

Duas aves nos galhos de uma araucária.
Aqui Vicente e Mariozinho dividiram o estúdio de fotografia até Vicente montar o seu. Iam para a praia de Armação e da Boca do Rio e sempre o assunto principal das conversas era as fotografias. Após Maiorzinho sofrer um acidente grave, que o levou ao leito do Hospital Português, onde o visitei e fiz uma entrevista que era disponível aqui nesta coluna ele mudou o seu modo de trabalhar criando um fundo infinito porque o acidente limitou um pouco seus movimentos. Em 1975, sofreu um acidente automobilístico e interrompeu sua atividade profissional por um ano. Posteriormente, dedicou-se à fotografia de estúdio, criou instalações e desenvolveu trabalhos fotográficos com temática ligada ao candomblé e à religiosidade católica. E foi este fundo infinito que lhe fez ser conhecido internacionalmente além da qualidade de suas fotografias. A propósito Vicente Sampaio contou que numa das visitas que fez no Hospital Português o Mariozinho estava no leito do hospital pediu que seu amigo arranjasse uma escada para fazer uma fotografia do alto pegando o corpo dele inteiro com as penas engessadas em forma de um A. Vicente desconversou e conta isto rindo, que mesmo naquele estado de saúde o amigo só pensava em fotografia. O Vicente Sampaio escreveu um texto para o Instituto Moreira Salles, que tem o maior acervo fotográfico deste país, inclusive lá está o acervo de Mariozinho. Vejam três parágrafos do texto:

Mário Cravo Neto pela lente do seu amigo 
Vicente Sampaio, em 1973.
“Conheci Mario Cravo Neto  (1947-2009) em 1973, num evento organizado em São Paulo pela empresa de turismo da Bahia. Mariozinho tinha criado um mega audiovisual sobre a Boa Terra, uma projeção com oito projetores em sincronia, um espetáculo de sensibilidade à flor da pele. O tema era “Um dia na Bahia”, e obviamente se iniciava no amanhecer e ia até o crepúsculo. Uma sucessão frenética de imagens mágicas inspiradas, loucas, insanas, velozes, borradas, fora de foco e intercaladas por imagens estáticas superfocadas, possivelmente até feitas com uso do tripé, com uma trilha sonora de arrepiar. Miles Davis, quase o tempo todo. Terminava num céu azul intenso de crepúsculo com lua crescente e estrelas, que ia pouco a pouco se tornando amarelo, laranja, róseo e por fim violeta, ao som daquele fantástico vocal feminino do final de Dark Side of the Moon.  O álbum mítico do Pink Floyd tinha sido lançado poucos meses antes e Mariozinho, antenado na Bahia, já se apropriara dele. Assim foi meu primeiro encontro com a fera!

Outra foto de Mariozinho de autoria de Vicente
Sampaio, durante um evento.
Menos de seis meses depois desse encontro me mudaria definitivamente para Salvador.  Dessas coincidências da vida que não se explica, fiquei numa casa que era praticamente vizinha à de Mario, na Boca do Rio, um bairro bem popular da cidade que atraía também muita gente alternativa do Brasil e do mundo. A casa do Mariozinho atravessava toda a quadra e tinha, nos fundos, seu ateliê e seu estúdio, com um enorme portão que dava para a minha rua, quase em frente à minha casa; menos de 30 metros havia do portão dele ao meu. Minha casa ficava sobre a duna que dava para o antigo Aeroclube da Bahia e, galgando-a, se descortinava o mar da Praia da Armação. A rua que separava minha casa da dele era de areia, sem pavimentação, e em pouco tempo se formou um caminho nessa areia, uma trilha bem visível ligando portão a portão, escavada pelo constante ir e vir nas madrugadas adentro. Muita música, papos, discussões intermináveis sobre fotografia e tudo mais. Comecei a usar o laboratório dele por algum tempo até montar o meu, ele os chamava de “nossas naves”, e de fato tinha tudo a ver, porque o tempo/espaço dentro delas era outro e a navegação quase constante.

Vicente Sampaio e Mário Cravo Neto no 
corredor de  hotel na cidade de Carnaíba, BA.
Tinha acabado de completar 26 anos e ele faria 27 dali a alguns meses. Com essa idade a gente estava ainda aprendendo, ele tinha feito pouquíssimas exposições de fotografia, mas várias de artes plásticas - escultura, que na época era a sua atividade predominante. Nos tornamos uma espécie de irmãos em armas (as câmeras), e naquela parceria de darkroom a darkroom iniciamos uma competição, um desafio saudável para ver quem conseguiria extrair o máximo de qualidade de um papel fotográfico nacional da Kodak, o mais banal, um brilhante de peso simples, tão fino que quando secava se enrolava todo e ficava parecendo um canudo. Usávamos para secá-lo uma esmaltadeira enorme que Mario havia trazido de Nova York em 1968, uma carcaça de metal com resistências elétricas dentro, e uma lona de algodão sob forte pressão que abraçava a cópia voltada com a emulsão para baixo, colada com água numa placa belíssima de aço com um tratamento químico que a deixava como um espelho perfeito e flexível. Antes de pressionar a cópia se tirava o excesso de água com um rolo de borracha. Era uma traquitana que espantaria um jovem de hoje nascido na era digital.” Estas duas fotos feitas por Vicente Sampaio de Mário Cravo Neto, o Mariozinho como era chamado, integram o texto que ele escreveu para o Instituto Moreira Salles..."

                                                    ATUALMENTE

Esta foto ele fez no Pelourinho nos anos 70.
Uma pintura!
O fotógrafo Vicente Sampaio vive num sítio de uns quatro hectares que alugou em Santo Antônio do Pinhal, interior de São Paulo. É um município de montanhas, na região da Serra da Mantiqueira, e tem temperaturas baixas. A propósito enquanto conversávamos por voltas das 11;30 da manhã, da ida 18 pp, perguntei quanto estava a temperatura ambiente e ele respondeu “por volta de 19 graus”. Ele foi parar neste local depois de fazer uma pesquisa e constatar que era o município menos violento no estado de São Paulo. Como tinha feito um curso de montanhismo achou que seria aprazível morar por lá. Alugou o sítio que tem muitas fruteiras, uma lagoa para pescar e o próximo vizinho está a uns oitocentos metros de distância. Disse que por lá adquire a maioria os alimentos que precisa como leite, mel, queijos , legumes e verduras. Os alimentos industrializados ele compra na cidade de Santo Antônio do Pinhal. Mora sozinho e disse que não vive isolado porque está sempre fotografando e colocando nas redes sociais , inclusive comercializa suas fotos atuais e antigas através a internet.

O cair da tarde na Serra da Mantiqueira.
O fotógrafo disse que vende para várias partes do mundo a Fine Art onde ele envia as fotos em alta resolução e quem adquire manda imprimir utilizando o tecido Canvas que é muito resistente e permite uma impressão de alta qualidade ou outro suporte que desejar. Muitas de suas fotos recentes são paisagens da região, muito apropriadas para decoração de ambientes porque dá uma sensação de paz quando a observamos com mais atenção.  A "Fine Art é uma técnica de reprodução artística de alta qualidade que utiliza papéis e tecidos especiais e tintas pigmentadas em impressoras profissionais de alta resolução para garantir fidelidade de cores, detalhes e longevidadeEsse processo resulta em cópias que podem durar mais de 100 anos e é ideal para fotografias, arte digital e obras de arte que serão expostas ou vendidas. “Aqui na Bahia tem vários impressores deste tipo de arte e um dos mais conhecidos é o  Lukas Cravo, que vem a ser um dos filhos de Mário Cravo Neto, o Mariozinho, com a pintora Ângela Cunha. Eles utilizam um tecido especial que chamam de Canvas, significa tela ou lona em inglês, que é uma superfície durável, geralmente feita de algodão ou linho, utilizada para pintura artística, impressões de alta resolução e decoração. 


sábado, 15 de novembro de 2025

ESCULTOR JOSÉ IGNÁCIO MOSTRA O DESPERTAR DO FERRO

José Ignácio com  esculturas de
 pequeno porte na sua exposição
.

Foi num ambiente de contemplação e emoção que visitei a exposição Desperta, Ferro! do escultor José Ignácio que está aberta ao público no Museu de Arte da Bahia, no Corredor da Vitória, até o dia 21 de dezembro próximo. É um despertar da criação de  engrenagens grandiosas e estranhas  se agrupando e transformando em obras de arte que encantam, entusiasmam e nos fazem pensar sobre a capacidade criativa infinita do ser humano. São vinte e duas esculturas, algumas de tamanhos acima de dois metros que teimam em mexer com os sentimentos mais profundos, mais nobres. Parece que o título Desperta, Ferro! está lhe convocando para uma batalha de arte onde você tem a possibilidade de apreciar a beleza e a grandeza em cada obra. Diz Alana Silveira no texto que apresenta a exposição que este “era o grito catalão entoado ante as batalhas medievais que ocorriam na região do Mediterrâneo. Os combatentes riscavam as lâminas de suas espadas contra as pedras em seu chamado pela força do metal frente ao perigo”.

Ao lado de José Ignácio pude sentir que ele se emociona quando começa a falar diante de cada uma de suas obras. Tinha estado com o escultor em junho de 2024 quando estava começando a montar a sua Iemanjá, agora exposta com toda sua exuberância, feita de engrenagens, pedra e madeira. Vi seus esboços e sua busca por formas e encaixes de suas

 Iemanjá que levou mais de um ano
para ser concluída e que ele diz ter
vivido uma experiência espiritual
.
esculturas. Um verdadeiro quebra cabeças porque cada porca, cada  pedaço de ferro com suas formas variadas têm que se encaixar e combinar com a visão do artista. Daí vêm os cortes, as soldas e o descarte até que tudo funcione dentro de uma composição lógica, harmônica e que tenha beleza. Agora a vejo pronta, e de tanto trabalhar na sua criação disse que estava em seu ateliê  que fica na encosta da Gamboa de Baixo quando sentiu que uma luz muito forte iluminou a sua Iemanjá como se uma entidade estivesse ali falando com ele. José Ignácio fala de uma forma quase poética e cheio de emoção deste momento mágico que teria vivenciado. Acreditem ou não, cabe aos espiritualistas explicarem este fenômeno que afirma ter experimentado. 

O artista é uma pessoa de grande sensibilidade, arquiteto construtor e já morou em alguns países da América do Sul porque seu pai trabalhava numa multinacional e sempre estava mudando de país. Seus pais eram cubanos e segundo José Ignácio “por um acidente geográfico eu nasci no Chile.” Lembrou que muitos de seus patrícios se dizem descendentes de alemães e que normalmente não são bem humorados. Ele que chegou por aqui em 2018 sentiu-se mais confortável para viver e criar. Antes pintava, e foi na Bahia que começou a fazer suas esculturas que hoje são reconhecidas em várias partes deste país e até lá fora. É um apaixonado pela música e pela poesia dos grandes poetas cubanos, chilenos, espanhóis e outros latinos, e de quando em vez envia para seus amigos gravação de um poema ou de um pequeno texto literário. Também gosta de ler sobre a História Universal a exemplo dos feitos dos hispânicos na era medieval.

                                                           SEU MUNDO

Obra Princesa de Daomé.
Quando lhe perguntei quantas esculturas estão expostas ele passou a contar, e encontrou vinte e duas no salão.  Encontramos outra na entrada onde estão expostas as demais. Em seguida mostrou uma bala de canhão, encrustada numa escultura e noutra uma peça que parece com dois chifres de um animal, que era de uma máquina de padaria. Também vi pedaços de tubulações oriundos da indústria petroquímica, engrenagens e chapas de todos os formatos e espessuras. “Esta é a segunda linguagem do ferro, devem existir mais umas catorze”, disse imediatamente o José Ignácio ao olhar uma escultura feita com vários pedaços de grossos tubos semicirculares, que lembram pernas de um animal rastejante. Também disse ser importante colocar nomes nas esculturas, como por exemplo, o nome que deu a uma delas chamando de A Cabeça de João Evangelista. “Isto dá luz à obra, é um segundo motor”, adianta José Ignácio. 

Suas esculturas além das peças de ferro e aço que compra nos ferros velhos da Cidade ele recolheu algumas pedras na beira da praia próxima ao seu ateliê, e troncos de árvores, e todos estes elementos  incorpora nas suas obras. A gente quando olha suas  esculturas pensa no trabalho hercúleo  que o artista  teve para montar cada uma . Todas as peças estão   à mostra permitindo que observemos como foram montadas e tudo com proporcionalidade. Disse o escultor que muitas vezes durante a montagem de suas obras vai deixando algumas peças de lado, e que depois as reencontra e algumas passam a ser esculturas independentes. Agora está fazendo  esculturas menores que são mais fáceis de serem comercializadas no mercado de arte.

Obra Culhão de Boi, lembra um
animal que rasteja.
Suas esculturas lembram totens, divindades, cangaceiros, soldados medievais e bichos que rastejam. Esta sua produção escultórica permite várias interpretações em busca do entendimento das obras como se fosse um jogo lúdico libertário muito estimulante e gratificante. É impossível ficar inerte diante de uma escultura de José Ignácio sem a pessoa imaginar que não tenha alguma aparência com algo que já viu ou imaginou. Portanto, esta sua combinação de intuição pessoal e sua expertise de arquiteto construtor permite a ele criar estas esculturas maravilhosas, e nos brindar com estes momentos de encantamento prazeroso enquanto as observamos. Você está convidado a visitar a exposição de José Ignácio no MAB, e tenho certeza que sairá de lá com a sensação que viveu momentos de contemplação da força do metal e a leveza da criação. Vai vivenciar momentos mágicos entre as entidades, personagens e bichos que ele criou.


sábado, 8 de novembro de 2025

DAVID GLAT DIVIDIDO ENTRE A FOTOGRAFIA E OS BRINQUEDOS POPULARES

David em seu ambiente entre livros,
fotos, obras de arte e brinquedos
.
Durante décadas o fotógrafo carioca David Glat trilhou pelo caminho da fotografia publicitária, e a partir de 1991 passou também a trabalhar como designer gráfico, tendo realizado mais de cinquenta capas de LPs, CDs e DVDs e a partir de 2003 a se dedicar aos seus trabalhos autorais mais ligados à arte. Começou aos vinte anos de idade a colecionar brinquedos populares do Brasil e hoje tem uma vasta e importante coleção que soma mais de três mil brinquedos  produzidos por artesãos e artistas populares de várias partes do Brasil, principalmente das regiões Norte e Nordeste. Esta prevalência das duas regiões deve-se segundo diz o colecionador porque os brinquedos populares estão diretamente ligados à pobreza , condição econômica de seus usuários e criadores. O brinquedo popular surge inicialmente como uma necessidade de alguém criar um brinquedo para que as suas crianças possam brincar porque os  industrializados eram inacessíveis a esta gente que mora neste Brasil profundo. O primeiro brinquedo que comprou foi numa feira livre na cidade de Taubaté, em São Paulo. Era um carrossel feito de cerâmica, e o barro nem era cozido direito e com a força centrífuga, porque ele girava, e o tempo o carrossel  esfarelou, e não pode ser consertado. Hoje beirando aos oitenta anos de idade ele está catalogando e digitalizando todos os brinquedos, e seu sonho ainda não se realizou que é a criação de um Museu do Brinquedo Popular Brasileiro. Disse estar disposto a cooperar de todas as formas possíveis para que seu sonho se torne realidade e que seus brinquedos possam ser vistos por um maior número de crianças e adultos.  Já fez algumas tentativas, inclusive se dispondo a fazer uma doação desde que todas as peças sejam reunidas num só lugar. Portanto, está aí uma boa oportunidade dos órgãos culturais do Estado ou a Prefeitura Municipal  a assumir este papel importante de criar o Museu do Brinquedo Popular  porque o valor das peças criadas por importantes artesãos e artistas populares de vários recantos deste país são de inestimável valor cultural e artístico. Seria mais uma importante atração turística para nossa Cidade.

 David Glat  mostra Pérolas Imperfeitas. Distorce 
a imagem propositadamente com movimentos e 
velocidade do clic, criando nova imagem artística.

Ele chegou à Bahia em 1976 e lembra que era o tempo da foto perfeita que fazia através de máquinas analógicas com a técnica e  sensibilidade do fotógrafo. Os equipamentos foram ficando cada vez mais sofisticados até chegarem as máquinas digitais possibilitando  fazer fotos em velocidades cada vez maiores. Também surgiram os programas de melhoria das fotos como o Photoshop, e em seguida os celulares com câmeras que vem melhorando de qualidade a cada novo modelo. Hoje muita gente fotografa, mas continua a existir diferenças primordiais entre o profissional e os milhares de amadores que se arvoram a fotógrafos. Voltando ao David Glat ele lembrou que aqui chegando viu que nossa Cidade era uma festa. Quando chegou aqui , lembrou que tinha um restaurante  no lado direito da Rua Carlos Gomes,   que funcionava num sobrado no segundo andar e servia  uma carne de sol maravilhosa. Era o restaurante do Bio, que servia essas comidas pesadas como mocotó, sarapatel, dobradinha, maniçoba, xinxim de bofe ,dentre outras  e tinha uma carne de sol maravilhosa. Sendo um jovem de menor idade pode frequentar as boites XK, que ficava no Corredor da Vitória, o Anjo Azul, na Rua do Cabeça, e a Boite Cloc, na 
David Glat brincando com um Mamulengo da 
coleção  de 3.500 brinquedos populares.
Avenida Contorno, e também participaram de muitas festas populares. Ele veio com um primo e um amigo e ficaram por aqui uns quinze dias. Retornaram ao Rio de Janeiro, e finalmente em 1976 ele resolveu vir definitivamente. . Trabalhou muito em campanhas políticas fotografando os candidatos quer seja nas eleições majoritárias como também em outras campanhas e fez muitas fotos de indústrias, estabelecimentos comerciais, de objetos e pessoas. Já fez exposições de fotografias aqui e em outros estados e também de seus brinquedos populares, inclusive uma no Museu Afro Brasil, em São Paulo, a convite do então diretor da entidade Emanoel Araújo, qual permaneceu durante oito meses, tendo uma visitação expressiva.

                                            TRAJETÓRIA

Foto do Largo do Pelourinho feita analogicamente com  máquina rotativa de 360 º graus alterando a velocidade e fazendo movimentos controlados para
 distorcer  a imagem, resultando em pérolas fotográficas únicas.




David Glat nasceu em vinte e nove de maio de 1946 na cidade do Rio de Janeiro, filho de judeus poloneses que chegaram ao Brasil fugindo do horror da Segunda Guerra Mundial. Seu pai Lejzor Glat era comerciante de tecidos na Rua da Alfândega e sua mãe Faiga Glat, dona de casa. Disse que começou fotografando seus familiares com uma velha máquina que pertencia ao seu pai, e depois vieram os amigos, os vizinhos e terminou entrando para o mercado publicitário porque naquela época remunerava melhor os fotógrafos. “Hoje quem

Mãe Menininha com espelho, esta
foto ficou muita conhecida.
melhor remunera são as fotos de casamentos. Na minha época não eram tão valorizados. Tem umas figuras que hoje tem reconhecimento nacional”, disse David Glat. E continuou , já a fotografia publicitária você consegue fazer vários efeitos no Photoshop. Ninguém mais precisa daquela foto, por exemplo de uma garrafa de cerveja suada. Consegue tudo através de um programa no computador. Por isto que deixei a fotografia de lado, porque não mais compensa.” . Falou do  estúdio que tinha no bairro das Laranjeiras, no Rio de Janeiro, antes de vir para a Bahia. Nunca trabalhou em jornais e revistas. E fez uma revelação interessante. “Cada fotógrafo sente a sua manha. Eu não tinha aquele speed de fotografar um fato,
como um acidente ou coisa que acontecesse repentinamente. Preferia ficar observando, já o fotógrafo de jornal instantaneamente ele aciona o seu equipamento. Depois eu me cobrava poderia ter feito uma foto única. Mas, nunca foi a minha praia. Minhas fotos não são instantâneas, são estudadas, a luz tem que estar dentro da técnica, é a busca da foto perfeita. Para ele "o foto-jornalista consegue estar em dois lugares ao mesmo tempo: na câmera, com sua mente (razão) e no fato com seu instinto e isso não é para qualquer um".

Fiquei no Rio de Janeiro dos vinte e um anos até os trinta trabalhando em fotografia." Sua infância foi no bairro do Estácio, morou também na Tijuca. Seus pais queriam que ele estudasse engenharia. Mas, ele resolveu fazer o curso Clássico ao invés do Científico que era para quem queria estudar engenharia ou medicina, e o clássico para quem escolhesse estudar depois as Ciências Humanas. “Já comecei contrariando meus pais. Estudava no Colégio            Israelita Brasileiro A Liessen Scholem Aleichem,

Exposição Deu a Louca nos Livros, na 22 ª
Bienal do Livro ,em São Paulo, 2012
.
 que era para judeus. Nunca fiz faculdade, mas sempre li muito, e meu interesse era pelas artes “, informou David Glat. Passei depois a fazer fotografias para indústrias metalúrgicas e moveleiras, e um dia me apareceu um cliente que era de uma distribuidora da Petrobras. Lá comecei a fazer trabalhos fotográficos para publicidade porque o pessoal da distribuidora gostou muito das minhas fotos e me recomendou a agência que atendia eles que queria que eu fizesse as fotos. Eram anúncios impressos e começou a atender outras agências, inclusive a fotografar candidatos durante o período eleitoral. Isto foi no início da década de setenta. Ai já fazia algumas viagens pelos interiores do Estados do Rio de Janeiro, Minas e São Paulo, e Espírito Santo e quando viajava sempre procurar conhecer os artesões dos lugares e começou a adquirir brinquedos populares. O curioso é que o David Glat nunca brincou quando crianças com nenhum brinquedo popular. Todos que brincou eram industrializados. "Minha paixão começou pela arte popular, simples, rústicas. Mas, nas viagens conheci os brinquedos populares nas feiras livres e nos mercados do interior e fiquei encantado com o lado criativo e lúdico. Quando vim pra Bahia aí  enlouqueci porque o brinquedo popular é filho direto da pobreza. O menino precisa brincar não tem dinheiro para comprar um brinquedo industrializado e vai o pai e faz o carrinho de lata, bonecas de pano."

Quatro dos 3.500 brinquedos da coleção.
Na Bahia encontrei muitos brinquedos, mas atualmente a Bahia está mais ligada à África. E um estado muito grande e não tem muita ligação cultural com o interior. A cultura que se valoriza hoje aqui é a cultura da África e não a nordestina, do interior. Quem manda na cultura da Bahia é Salvador e o Recôncavo. O interior só é lembrado no São João. Só que o interior não é só isto, tem uma riqueza cultural imensa que é preciso valorizar. Eu viajei muito pelo interior da Bahia e de outros estados nordestinos e pude ver que Pernambuco e Paraíba valorizam muito os artistas populares, e também em Alagoas que aqui na Bahia. Com o passar do tempo minha coleção foi crescendo e foi tomando consciência da sua importância cultural e por isto preciso mostrar cada vez mais a um número maior de pessoas. Aí passei a dedicar meu tempo e meu dinheiro com isto. Ao mesmo tempo  viajava para fotografar principalmente nas campanhas políticas. Devo ter hoje uns três mil e quinhentos brinquedos dos principais artesãos e artistas populares do país, principalmente do Norte e Nordeste, lembrou que em Abaetetuba está localizada no estado do Pará a população do município é de 159.080 habitantes, e tem um polo de brinquedos muito importante."

Exposição dos brinquedos populares de David
Glat no Museu Afro Brasil, em São Paulo.
Lembrou David Glat que fez várias capas de cds e dvds um maior número para a Timbalada juntamente com Ray Vianna e que algumas foram até premiadas aqui e também nacionalmente.  Fez também para Chiclete com Banana, Pimenta Nativa, Netinho dentre outros. Outros artistas passaram a lhe procurar. Até que no ano 2000 acabou o boom do Axé Music e deixou de fazer as capas. Hoje ninguém quer mais cds porque tem tudo nas plataformas. Estão valorizando os LPS, mas a maioria das pessoas está aderindo aos spotify da vida.

Em 2003 ele fez uma exposição de suas fotografias no Teatro Castro Alves , intitulada Soteurbanoramas onde focou no patrimônio histórico e arquitetônico da cidade do Salvador. Entre 2009 e 20010 expôs Pérolas Imperfeitas que percorreu  seis capitais brasileiras,  e a propósito escreveu David Glat “captado por um determinado olhar muito particular é o ponto de partida deste trabalho. Desconstruindo a imagem convencional e institucionalizada deste patrimônio, a proposta foi praticar um exercício barroco por meio de uma linguagem visual contemporânea. Imagens com movimento, opulência das formas, vitalidade, tensão, efeitos ilusionistas, monumentalidade, assimetria, emocional, sensualidade, predomínio da curva, da contracurva e do retorcido, estas são algumas das características mais marcantes do estilo barroco, e também as marcas visuais deste trabalho”. Entre 2009 e 20010 expôs Pérolas Imperfeitas que percorreu  seis capitais brasileiras.


Sanfoneiro cego esmolando na 
escadaria da igreja do Passo.
Em 2012 / 2013 expôs cerca de mil brinquedos no Museu de Arte da Bahia na mostra Brinquedos que Moram nos Sonhos – O Brinquedo Popular Brasileiro, quando Sylvia Athayde era diretora do MAB. Coube ao artista Joãozito fazer toda a cenografia e a curadoria foi do próprio David Glat. Na ocasião ele escreveu para o catálogo que “sou um fotógrafo apaixonado por arte popular, especialmente pelo segmento brinquedos. Desde os meus 20 anos no exercício da profissão, eu viajava bastante pelo interior, principalmente nas regiões Norte, Nordeste e Sudeste, e aproveitava para pesquisar conhecer os artistas populares das cidadezinhas.... Quando, no início de 2010, Emanoel Araújo esteve em minha casa e conheceu a coleção, ficou encantado e decretou: vou expor a tua coleção no Museu Afro Brasil. Argumentei que a coleção era muito particular, incompleta e exclusivamente constituída por objetos de meu interesse pessoal – só tinha brinquedos de menino. De fato, não tinha casinhas, nem mobília, nem bonecas e nem outros diversos itens que fazem parte do universo infantil feminino. Então ele concluiu: Complete a tua coleção!” Viajei muito e adquiri muitas peças e assim em 2011 foi inaugurada a mostra Brincar com Arte que ficou durante oito meses com grande número de visitantes.

                                                              EXPOSICÕES 

Capa da mostra itinerante onde vemos 
o icônico Forte de São Marcelo
.
INDIVIDUAIS - Em 2003 - Soterurbanoramas, no foyer do Teatro Castro Alves. no Circuito de Arte do V Mercado Cultural. 2007 Foto - instalação "Torta Xadrez Il', na Galeria do Conselho de Cultura do Estado da Bahia, dentro do agosto da Fotografia. 2009 "Pérolas Imperfeitas" no Museu de Arte Moderna da Bahia.

COLETIVAS - Em 1978 a 1984 - "Salão Fotobahia". no foyer do Teatro Castro Alves e no Museu de Arte da Bahia .1986 - "Fotógrafos em 20 Anos" no Núcleo de Arte do Desenbanco. 1994 - "1° Salão de Arte do MAM 1995 e 1996 - "Mostras da Fotografia Contemporânea Baiana" no MAM. 1999 - "450 Motivos Para Amar Salvador" no Instituto Geográfico Bahia. 2006 - "A História da Fotografia na Bahia" no MAM; "13° Salão de Arte do MAM". 2007 - "TCA 40 Anos" no fover do Teatro Castro Alves . 2009 - “Circuito das Artes" no Palacete das Artes Rodin Bahia; “Sensível Contemporâneo". na Escola de Belas Artes da UFBA, na Semana França-Brasil e   "2.234" no Casarão de Santo Antônio Além do Carmo.