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sábado, 6 de setembro de 2025

MESTRE DICINHO O ALQUIMISTA DA ESCULTU-PINTURA

Dicinho mostra a textura de sua  pintura.
Ele utiliza vários tipos de texturas ,
suportes e estilos para pintar e esculpir. 
O artista baiano Dicinho não é muito conhecido do grande público embora tenha sido um dos personagens mais atuantes do movimento da contracultura no Brasil que durante as décadas de 60 e 70 dominou grande parte da cena cultural no país. Esta influência de rebeldia veio do exterior,  aqui incorporou cores, gostos , valores diferenciados e  enfrentou forte repressão da ditadura militar que lutava contra o movimento utópico que queria implantar uma ditadura do proletariado. As manifestações musicais, literárias, teatrais, cinematográficas e das artes visuais tinham como foco principal o rompimento dos padrões estéticos tradicionais e abraçar ideias libertárias. Muitos foram chamados de tropicalistas e entre eles estão os baianos Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Maria Bethânia, Tom Zé, Waly Salomão, o design gráfico e poeta Rogério Duarte, além do carioca Hélio Oiticica com seus Parangolés, o ator e diretor de teatro paulista José Celso Martinez, e muitos outros. No meio deste redemoinho cultural tudo era permitido experimentar como o uso de todo tipo de drogas   com a realização de noitadas quase intermináveis especialmente no eixo Rio de Janeiro- São Paulo.

Sua bela escultu-pintura do
Tamanduá Bandeira.
Seu nome de batismo é Adilson Costa Carvalho, nasceu em nove de janeiro de 1945 . Este personagem moldado na contracultura é hoje conhecido como o Mestre Dicinho, baiano de Jequié, a Cidade do Sol, que segue desde àquela época a macrobiótica, e com seu corpo esguio já realizou durante mais de cinquenta anos uma extensa e diversificada produção visual incluindo ilustrações, pinturas, esculturas, cenografias, figurinos e performances. É também um criador de centenas de ferramentas e massas que vem aprimorando utilizando principalmente esponjas, colas, papeis, pasta de dente e vaselina premium, tintas e gesso e outros materiais. É um verdadeiro alquimista da arte, e esta sua habilidade herdou do seu pai que era o que comumente chamamos o “faz tudo”. Fiquei impressionado com os micros rolinhos, forminhas, estiletes, espátulas que ele cria para moldar, esculpir e pintar suas esculturas e pinturas. Tudo é feito numa minúscula escala. Uma das muitas massas que criou tem a capacidade de permanecer por muito tempo sem
A massa redonda é a Copageti que
ele criou após anos de pesquisa.
endurecer e assim pode modelar e depois esculpir com mais tranquilidade. Segundo Dicinho o segredo é o ponto certo para o gesso não endurecer. Suas escultu-pinturas têm formas e um visual único, e revelam a sua ligação estética com o tropicalismo e o psicodelismo. Atualmente mora numa rua tranquila de classe média média no bairro de Brotas, em Salvador, e com sua aparência de um senhorzinho magro ,que usa um boné tipo europeu  e vive com a mulher e filho passa quase despercebido. Vive hoje  inteiramente dedicado à sua arte. Grande parte de sua produção é enviada para São Paulo onde a galeria que lhe representa comercializa suas obras.

                                            SUA HISTÓRIA

Estudou o primário em Ipiaú, na Escola Municipal dr. Salvador da Matta, e voltou para Jequié  onde fez o  Admissão no Colégio Estadual Professora Celestina Bittencourt. Cursou até o segundo ano colegial, e em seguida  trabalhou numa agência do Banco da Bahia, onde ficou por cerca de um ano e meio, porque seus pais estavam enfrentando dificuldades financeiras. Estávamos em 1967 ano em que   Caetano Veloso lançou Alegria, Alegria. “Quando ouvi esta música resolvi assanhar meu cabelo e virei rebelde, e disse que meu destino agora é a arte. Passei “a

Dicinho numa performance na Casa 
de Vidro, do casal Pietro e Lina Bo Bardi.
 conspirar” contra o banco que me demitiu e com o dinheiro da indenização do FGTS fui morar em São Paulo”.  

O mundo estava em ebulição com Pelé sendo considerado o melhor jogador do mundo, em 1968 as passeatas de rebeldia na França, a revolução feminina, o homem chegava a Lua em 1969, Fidel Castro domina Cuba, a partir de 1950-60. Para Dicinho “tudo acontecia e o mundo parecia um liquidificador. Curti muito em São Paulo, e foi na época do beatniks e depois vieram os hippies.” Confessou ser uma pessoa muito franca que usou todo tipo de drogas, participou de muitas festas onde rolava muto sexo e que teve uma juventude muito feliz apesar de ser uma época muito difícil por causa da ditadura militar. “Mas a gente passava por cima de tudo e erámos muito felizes.” Durante uns dez anos ficou entre São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador. "Eu vinha e voltava para Salvador em ônibus da empresa São Geraldo, porque naquela época as viagens de avião ainda não tinham se popularizado. Vinha aqui via os shows de Caetano e Gil e voltava para o Rio de Janeiro ou São Paulo e lá sobrevivia com a minha arte."

Músicos feitos de Copageti na parede de 
sua casa em Brotas, Salvador
.
Quando ainda estava em Salvador mantinha uma amizade muito próxima com   o Edinízio Ribeiro Primo, que era de Ibirataia, interior da Bahia, e tinha o sonho de estudar na Faculdade de Artes Plásticas Armando Álvares Penteado (FAAP), em São Paulo,  que foi criada pelo Conde Armando Alvares Penteado e se dedica às artes e ao ensino superior em geral. Na época era considerada a melhor escola de arte do país. “Meu amigo Edinízio era um geniozinho. Depois o Edinízio Ribeiro adquiriu uns santos antigos em Maraú e levou para São Paulo onde vendeu. Com este dinheiro se matriculou na Faculdade de Artes Armando Alves Penteado e logo no primeiro ano foi premiado e ganhou uma bolsa de estudos. Ficou por lá até o terceiro ano, e decidiu que não era aquilo que queria. Ele achava que a arte tinha que circular nas ruas, nas roupas, nos para-choques de caminhão, nas capas de discos e assim junto com Dicinho passaram a fazer arte para ser vestida criaram roupas para uma grife de roupas chamada ARP com motivos tropicalistas e psicodélicos para que uma grande quantidade de pessoas pudesse usufruir de sua arte.

Capas dos LPs dos cantores baianos 
Moraes Moreira e Gal Costa.
Tinham muito contato com Rogério Duarte e José Celso Martinez, no Teatro Oficina, e Dicinho revelou que “esses dois eram os mais loucos, no bom sentido, de todos nós”. Por participar desses movimentos rebeldes e principalmente da política teve nos anos 70 de passar uma temporada escondido numa fazenda no município de Ibirataia, no sul da Bahia. Depois de algum tempo retomou sua vida e resolveu trabalhar para ele e assegurou que “minha alma é a escultura”. Atualmente faz suas escultu-pinturas. São obras que têm uma singularidade especial que ele molda e esculpe usando suas massas, formas e outras ferramentas,  depois pinta usando micro rolinhos de espuma e na maioria das peças utiliza a técnica do pontilhismo e vários tipos de textura. Consta na História da Arte que a  técnica  de pintura do pontilhismo foi criada na França por  Georges Seurat e Paul Signac, em meados do século XIX. "A denominação do movimento como Pontilhismo só foi designada na década de 1880 a fim de ridicularizar e rebaixar o trabalho desses artistas”. As obras de Dicinho são únicas especialmente os animais que ele cria são diferenciados na forma e nas texturas e têm um apelo visual impressionante.

Escultu-pinturas de animais expostas na Galeria Sé, São Paulo, 2023.














Quando lhe indaguei como chegou a criar essas massas de consistência e ponto de endurecimento diferente o Dicinho ficou me olhando e depois de alguns segundos respondeu “eu com eu mesmo depois de errar muito até descobrir qual o melhor ponto". A massa que usa para modelar não endurece e mostrou um bolo de massa afirmando: "esta aqui tem doze anos que uso para modelar e coloquei o nome de Copageti e é resultado da mistura de cola, papel, gesso e tinta."

Lembrou que conheceu d. Lina Bo Bardi em Salvador que lhe convidou para viajar com ela pelo interior  para comprar artesanato em Jequié, Feira de Santana, Valença e outros locais, e não participei da montagem no Museu de Arte Popular que ela criou em 1963. “Ela colocava o Mestre Vitalino nas nuvens. Considerava um grande artista". Em 1978  Dicinho  chegou a fazer  quarenta e duas peças  encomendadas por ela para presentear amigos durante a Expo Brindes  Brasil e Japão .

Exposição na Alemanha, 2020 -Home
Stories :100 Years , 20 Visionary Interiors.
Foi até proprietário  de  um barzinho em Jequié chamado Tango . Lembra que era todo decorado por ele inclusive o cardápio. Era um ambiente diferente e que vários  artistas foram cantar lá entre eles Luiz Melodia, Chico Evangelista, Era Encarnação, dentre outros. Depois Rogério Duarte veio morar uma temporada em Jequié e faziam as refeições  no barzinho. Começou a escrever um livro que dividiu nas fases da vida. Iniciou com a Infância, contando histórias que considera muito engraçadas.  A propósito reproduzo aqui  um pequeno texto de Rogério Duarte falando da importância do Mestre Dicinho para o movimento Tropicália: "Os afluentes da imagética de Dicinho são os mais variados: vão desde a vanguarda erudita do modernismo à arte popular. Desde Ismael Neri, Volpi, Tarsila à cerâmica nordestina de Vitalino e a escultura religiosa afro-brasileira. Por estas e outras razões, sua obra é muito estética, apesar da singularidade indiscutível de seu estilo pessoal. Outras razões são sua participação na grande revolução cultural do Tropicalismo, do qual ele é atualmente o mais legítimo representante vivo. Essas considerações não contemplam o dado fundamental, para mim, que é a sua extrema devoção ao "fazer artístico", que confere aos seus trabalhos uma qualidade e um refinamento  incompatíveis na atual geração de artistas plásticos brasileiros".

As roupas da griffe  ARP no
estilo Tropicalista.
Também lembrou dos prostíbulos na juventude quando trabalhava no banco  recebendo salário e a bonificação da quebra de caixa. Nestas idas e vindas ao brega arranjou um chamego com a  mineira chamada Valquíria , e na Quinta-feira da Semana Santa apareceu na casa onde ela ficava. Ela balançou o dedo e disse " hoje é Quinta-feira Santa você chegou 23,10horas.  Ficamos   conversando e quando fomos pros finalmente  me disse você tem tantos minutos. Quando o relógio da matriz bateu meia noite ela interrompeu, e sentenciou,  mais nada!" Dicinho disse ainda que as mulheres do brega "eram muito interesseiras pelo dinheiro, mas  me tratavam ao pão de ló.  Eram pessoas maravilhosas!" Lembrei que também em Ribeira do Pombal as prostitutas na época chamavam esta atitude de “fechar o balaio”, respeitando a Semana  Santa principalmente as quintas e sextas-feiras Santas.  Voltando ao  livro que começou a escrever, e que certamente seria muito útil para entender por dentro o movimento da contracultura no Brasil, corre o risco de não ser concluído. Ele parou de escrever faz algum tempo e disse que atualmente anda com muita preguiça de continuar escrevendo.

EXPOSIÇÕES


Trabalhos do Mestre  Dicinho foram apresentados em São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Jequié , no Japão, na cidade de Tóquio, e na Alemanha. Na foto abaixo  vemos o Baobá  que ele expôs no Masp, em 2018.

INDIVIDUAIS: 
Exposição Afroatlântica , no MASP, 2018.
* São Paulo-SP: Exposição Anunciação - Museu de Artes de São Paulo; Animais , no SESC Pompeia, São Paulo, Proveitosa Degustação. *São Paulo -SP, Galeria Seta e Espaço Aberto , SESC Vila Nova.* Salvador-BA: Fragmentos , Museu de Arte Moderna - Solar União, * Namorados Amantes Amigos , Hotel Meridien. *Salvador- BA, Imã Teatro XVIII* Salvador-BA, A Mão e a Água , Instituto Cultural Brasil Alemanha. *Jequié-BA: Dicinho Artes Visuais , Câmara Municipal. *Artes Visuais I , Galeria da Avenida Rio Branco e Fina Flor (Centro Cultural Antônio Carlos Magalhães. Expôs em 2023 da Galeria Sé, em São Paulo as escutu-pinturas de  seus Animais.

COLETIVAS : *São Paulo-SP: Coletiva Carolina Whitaker, 400 Anos de Arte e Antiguidades no Brasil  - Salão Casa Vogue .*Salvador-BA: Bahia de Todas as Artes ,Centro de Convenções.*Tóquio: Expo-Brindes , Lina Bo Bardi.*Rio de Janeiro-RJ, Artes Gráficas - Capas de Discos: Gal de Gal Costa, da Som Livre e Cara Coração - Moraes Moreira , da Som Livre.
Escultu-pintura Mulher Deitada.
* Salvador-BA: capa do LP da Raposa Velha, Grupo Instrumental.* Rio de Janeiro - Artes Gráficas , Ilustração de Jornais e Revistas : Jornal da Tarde, Revista Pop, Revista Planeta, Livro - Proveitosa Degustação, A Flor do Mal, Editora José Olympio e Retrospectiva Ary Quintella-Editora José Olympio.*Salvador-BA: O Arco e a Flecha - Luísa Viana, Revista Código - Antônio Risério,  e Canjiquinha -Alegria Capoeira , de Fred Abreu .