sábado, 18 de março de 2023

EDVALDO GATO UM ARTISTA DE MÚLTIPLAS ARTES

Edvaldo Gato trabalhando em sua mais recente xilogravura.
 Um dos mais criativos artistas baianos é  desenhista, ilustrador, colorista e especialmente gravador Edvaldo Gato que completa oitenta e um anos de idade no próximo dia 24 de junho deste ano. Ele tem uma vasta produção de desenhos e xilogravuras, ilustrações, pinturas  onde vem deixando registrado através de décadas sua visão desta nossa Bahia. Seu desenho é cheio de linhas curvas com uma clara influência do nosso barroco. Quando a gente se vê diante de uma pintura, um desenho ou uma xilo de sua autoria somos levados a percorrer com alegria as sinuosidades que cria com suas figuras ligadas às tradições de nossa terra. Participou das duas Bienais Nacionais de Artes Plásticas realizadas aqui, sendo a primeira no Museu do Carmo com uma gravura quando ainda assinava o nome de Edvaldo Araújo, e na segunda Bienal com o pseudônimo de Edvaldo Gato, que assumiu após uma brincadeira de juventude. 

Cartaz de xilo da exposição 1971.
Talvez devido a este detalhe de ter participado com seu nome verdadeiro da primeira Bienal e com o pseudônimo na segunda os organizadores não o incluíram na terceira Bienal, realizada no MAM, o que considero uma injustiça com o artista, porque todos que participaram da primeira Bienal foram chamados. Agora na mostra que está sendo levada na Escola de Belas Artes, comemorativa dos 70 anos de ensino da gravura na Bahia, intitulada A Gravura na Bahia A Partir da EBA, também ficou de fora . Gato estudou na EBA a partir dos anos 60, na rua 28 de setembro, e posteriormente no Canela, foi monitor de gravura e com certeza é um dos grandes representantes da gravura na Bahia na mesma geração de Calasans Neto e outros. Foi ele que sugeriu que fossem também ministradas aulas de gravura em metal e litografia, quando era diretora Mercedes Kruschesky. 

Xilo de Edvaldo Gato.
Sabia que no Baixo Maciel, no Centro Histórico de Salvador , tinham algumas pequenas gráficas que estavam quase fechando, pois utilizavam métodos antigos de impressão como a gravura em metal e também a litografia para desenhar e imprimir as imagens das publicações que lhes encomendavam. 
Ele sugeriu a Mercedes Kruschesky que comprasse este material e assim foi feito com a aprovação do reitor Roberto Santos, e foram adquiridas prensas, pedras para litografia e algumas ferramentas. 
Foi assim que passou a ministrar na qualidade de monitor o curso de gravura em metal, e uma aluna de nome Idalina, que sabia trabalhar com litografia foi monitora desta técnica. Em 1970 o professor de gravura era Lobianco e tive que fazer a matéria Gravura e ele me disse" você sabe tudo, é para você me ensinar". 

O artista Edvaldo Gato em seu atelier e eu.
Estive visitando o seu atelier em Campinas de Brotas, bairro de Brotas, e pude constatar as dezenas de matrizes, principalmente de tamanho médio de xilogravura e a riqueza do seu traço, composição e sua sensibilidade em captar o clima da cultura baiana, a sua capacidade de desenhar em bico de pena. São desenhos rebuscados e muito criativos que exigem do observador uma atenção especial para percorrer todos os detalhes. 
Entre as dezenas de exposições coletivas e individuais que participou e realizou uma me chamou a atenção que foi na Galeria da Empresa de Correios e Telégrafos, em Brasília, em dezembro de 1972 intitulada de Desenhos em Pastel, no catálogo desta mostra o professor e artista plástico Riolan Coutinho, já falecido, escreveu um pequeno texto de apresentação que diz: "Desenhista e gravador dos mais conhecidos em terras da Bahia, tendo o seu nome ligado a várias ornamentações carnavalescas da cidade do Salvador, Edvaldo Gato vem mostrar nesta sua fase atual de artista plástico uma nova faceta: a de colorista. Nos seus recentes trabalhos realizados para uma exposição em Brasília na técnica pastel Gato explora uma só temática a das Yabás , personagens andróginas de nossa mitologia."

"Com um desenho flexível, mas contido, feito de linhas fortes e firmes, Gato contorna as formas barrocas de suas sereias que se destacam sobre um fundo animado de cores intensas; pois não é só na figura singela e sensível que o artista se aplica - o fundo também se constitui num elemento expressivo pelo valor ornamental que lhe é atribuído. Assim a forma, a cor e o ornamento se integram harmonicamente na visão barroca destas Yabás - sensuais Iaras cujo encanto e mistério fazem parte do sortilégio e magia da alma e da cultura afro baianas". Ai ao lado um cartaz feito por Edvaldo Gato, talvez o primeiro cartaz sobre a Capoeira feito na Bahia. Nesta época ele trabalhava na SUTURSA. 
Ao lado capa do pequeno catálogo-convite da exposição de desenhos a pastel que fez em Brasília.

                                                     ARTISTA VERSÁTIL

Gato na visão de
Ângelo Roberto
O Edvaldo Santos Araújo, que antes assinava suas obras como Edvaldo Araújo e depois assumiu o pseudônimo de Edvaldo Gato conta que esta mudança de nome ocorreu devido e uma distração que cometeu. Ao se dirigir para uma festa na Faculdade de Enfermagem da Ufba, no bairro do Canela, em Salvador, foi surpreendido por uma chuva forte e para não sujar e molhar a bainha de sua calça colocou por dentro das meias. Ao chegar no local esqueceu de tirar e os colegas passaram a brincar chamando-o de Gato de Botas, Gato de Brotas, daí ele passou a assinar Edvaldo Gato. Fez muitas ilustrações para os jornais Estado da Bahia e Diário de Notícias, que pertenciam aos Diários Associados, e funcionavam no casarão onde tem o Espaço Cultural da Caixa Econômica Federal, na Rua Carlos Gomes. 

É um artista versátil e teve várias atuações especiais no cinema sendo autor e coautor no "O Mundo do Seo Nestor", com direção de  Agnaldo Azevedo, o Siri; As Philarmônicas; A Volta do Boca do Inferno,(coautor) ; A Noite da Seresta; Memória do Carnaval de 1979:Uma decoração de Juarez Paraiso; A Noite do Folclore; Cairu e suas festas populares; participação especial no filme Bahia Carnaval, de Oscar Santana, da Sani Filmes, sobre a decoração que fez no Carnaval; participação nos trabalhos de cenografia do filme Tenda dos Milagres, dirigido por Nelson Pereira dos Santos ; direção e apresentação do filme O Cisne Também Morre, sob direção de Tuna Espinheira. Estes filmes e muitos outros estão acondicionados numa caixa de isopor e fazem parte da História do Cinema na Bahia.
Matrizes de duas xilos de autoria do artista .

Recebeu várias premiações criando cartazes para importantes eventos, como também selos comemorativos da Empresa de Correios, ganhou os concursos para decorar os Carnavais de Salvador nos anos de 1971,1973 e 1976 e em 1977 na cidade de João Pessoa, na Paraíba, além de participar de muitas outras decorações de Carnavais, e também de decorações elétricas dos festejos natalinos em Salvador.

                                             SUA                                                             

                     VIDA

Um desenho em bico de pena
 Edvaldo Santos Araújo, o Edvaldo Gato nasceu no Centro Histórico de Salvador, na Ladeira do Paço, número 34, filho de Joaquim Neves Araújo e d. Olinda Angelina Santos Araújo.O seu pai era mecânico, eletricista e aprendeu a dirigir muito cedo na cidade de Livramento de Brumado, onde um abastado fazendeiro comprou um carro no início do século XX. O menino Joaquim ficava olhando o motorista que veio junto com o automóvel para ensinar como dirigir e também algumas noções de mecânica daquela novidade. Com sua curiosidade aguçada aprendeu tudo que o profissional ensinou e seus pais tiveram que dar uma autorização para que ele dirigisse o automóvel porque ainda não completara 18 anos. 

Depois seu Joaquim veio para Salvador e aqui fazia serviços de motorista, mecânico e eletricista até juntar algum dinheiro e comprar um carro. Conta Edvaldo Gato que o primeiro carro foi um Chrevrolet de Estribo e depois um segundo comprado nas mãos dos americanos ao término da  Segunda Guerra Mundial. Os gringos ficavam aquartelados  onde hoje está a base da Aeronáutica próxima ao Aeroporto Dois de Julho, hoje Aeroporto Luiz Eduardo Magalhães, e o comando na atual Escola de Aprendizes Marinheiros, no Comércio, chamada Base Backer. Seu pai dirigia caminhões e outros veículos militares  dos americanos e trabalhava na parte mecânica. Ao acabar a guerra eles deixaram caminhões e como Joaquim dirigia para o comandante terminou comprando o carro que dirigia, que era um Ford 1941. Seu pai ficou conhecido como Joaquim da Praça da Sé, porque segundo Edvaldo Gato "ele teve o primeiro carro de praça da Cidade, que assim era chamado naquela época, o que hoje  chamam de táxi. Ele dirigia todo engravatado e fazia ponto na Praça da Sé. As pessoas ficam receosas de tomar o carro porque tinham que

Gato e Fernando Coelho apresentam
decoração do Carnaval de Salvador
sentar ao lado do motorista, e na época não era muito bem vista esta atitude. Mas, o tempo passou e meu pai passou a trabalhar levando noivos para casamentos e outros eventos sociais. Lembro que ele enfeitava o carro todo para os casamentos. Era um Chevrolet de estribo e depois o Ford 1941."

Vieram morar na Estrada Velha de Campinas de Brotas que tinha pouquíssimas casas e algumas pequenas propriedades rurais. O Edvaldo Gato já tinha uns oito anos de idade. Ele lembra que o bonde vinha até a atual igreja de Nossa Senhora de Brotas, e também os ônibus que na época se chamavam Marionetes. Viu o bairro de Brotas se desenvolver. Ai já começara a fazer seus primeiros desenhos, inclusive muitos para trabalhos escolares de seus colegas. Um dia seu pai Joaquim perguntou o que queria ganhar de presente e ele escolheu uma caixa de lápis de cor. Foram até a Baixa dos Sapateiros e o Edvaldo Gato foi direto para o local onde estava a caixa de lápis de cor que já estava "namorando" há algum tempo. Também comprou um caderno de Desenho, tudo isto nas Lojas Brasileiras-Lobrás, popularmente chamada de  Loja Quatro e Quatrocentos. Conheci a Lobrás na Ladeira de São Bento, se não me engano no térreo do Edifício Basbaum.

Estudou na Escola da professora d. Candinha pela manhã e à tarde na Escola Lucas Dantas, no antigo Beiju, hoje Rua Teixeira Barros. Depois foi estudar no Ginásio Baiano de Ensino, no Campo da Pólvora, onde fez até o terceiro ginasial. Como na época era considerado um ginásio que não puxava muito pelo ensino e já morava na Estrada de Campinas de Brotas pediu ao pai que o transferisse para o então Ginásio Góes Calmon.

Mais um cartaz feito por Gato.

O bairro de Brotas tinha poucas ruas calçadas e em Campinas de Brotas tudo ainda era de terra batida. Com a caixa de lápis de cor nas mãos fez muitos desenhos. Mas, ele lembra que antes quando morava na Ladeira do Paço fez um belo desenho do majestoso prédio do então Instituto de Cacau que fica no bairro do Comércio. Falou com saudade e pesar por não saber que fim deu ao desenho. Mas, sua fama de desenhista cresceu em Campinas de Brotas e um dia estava na porta de sua casa em meados da década de 50 quando  um senhor chamado de Jerônimo, não lembra o sobrenome, que diariamente passava em sua porta, pela manhã com destino ao trabalho com uma pasta nas mãos e todo engravatado, e voltava à tardinha. Num certo dia lhe pediu para ver meus desenhos. "Mostrei uma pequena tela onde tinha pintado uma marina e um barco apoitado. Uma semana depois ele me devolveu a tela e junto um envelope que continha uma carta do professor Conceição Menezes, uma figura muito conhecida na época, como professor do Colégio da Bahia me recomendando ao diretor da Escola de Belas Artes." Os pais o incentivavam e Edvaldo foi até a Escola de Belas Artes, na rua 28 de Setembro e lá apresentou a tal carta , sendo logo encaminhado para fazer um pequeno teste e passou a frequentar a Escola . Em 1962 prestou Vestibular, que foi o primeiro realizado pela EBA, porque antes não havia vestibular, e sim um pequeno teste de aptidão, onde veio a se formar.

Bela xilo de Edvaldo Gato.
Recordando do seu primeiro dia na EBA disse que ao entregar a carta na recepção a funcionária entrou na sala da Diretoria e em seguida lhe acompanhou para percorrer as salas de estudo e foi até a sala de Desenho de Modelo ao Vivo e lá chegando havia uma modelo sentada num banco em cima de um pequeno tablado. Depois ela levantou e deixou cair um roupão  que cobria seu corpo nu. "Lembro que depois a conheci e chamava-se Vera. Foi um choque para mim, mas tudo bem. Meus professores foram de Desenho o Mendonça Filho, cerâmica Udo Knoff, escultura Mário Cravo, modelagem Buck, pintura e afresco Réscala, dentre outros. "

Chegou a trabalhar no Instituto de Aposentadoria dos Comerciários - antigo IAPC, que foi extinto, foi ilustrador da SUTURSA, Superintendência de Turismo de Salvador, funcionava no subsolo do Belvedere da Sé, tendo como superintendente o editor de livros, Gumercindo Dórea.

A partir daí percorre uma longa carreira vitoriosa com vários prêmios em concursos de Decoração de Carnaval, de Cartazes de importantes eventos realizados na Bahia, conhecido ilustrador, criou vários desenhos que se transformaram em selos oficiais da Empresa Brasileira de Correios, fez um painel-mural em homenagem ao cineasta Glauber Rocha numa promoção da Fundação Cultural da Bahia e Embrafilme, fez trabalhos para muitas prefeituras do interior. 

Talvez o primeiro cartaz de
capoeira feito na Bahia
.

Edvaldo Gato coordenou a parte de arte do projeto Espicha Verão, durante duas edições, sendo uma em frente ao Forte de Santa Maria e a segunda nas imediações do Farol da Barra. Ele levava tintas, cavaletes, pincéis , telas, papeis e artistas e quem chegasse poderia pintar. Foi um sucesso, mas devido a sua inexperiência de lidar com a coisa pública terminou tendo prejuízo financeiro e nunca foi ressarcido.

Teve um grave problema de saúde e sua mobilidade ficou prejudicada há cerca de uma década quando passou a usar muletas. Talvez por não ter um bom plano de saúde e uma boa assistência os problemas se agravaram e a uns cinco anos passou a usar uma cadeira de rodas. Esta limitação de mobilidade agravada com os altos e baixos das atividades artísticas também contribuíram. Possui muitas matrizes que precisam ser utilizadas para novas tiragens e até mesmo tiragens inéditas para que volte com força ao mercado de arte. Ele não parou de desenhar e de criar suas gravuras em seu atelier que teve que improvisar no térreo de sua casa, já que o seu atelier tinha um amplo espaço no primeiro andar da sua casa. Posso garantir que as gravuras de Edvaldo Gato podem figurar em qualquer coleção importante pela qualidade e inventividade de suas obras.

 



18 comentários:

  1. Texto muito importante. Salvador tem grandes artistas, sem mídia, sem a atenção do público, principalmente o público mais jovem.

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  2. Carlos Tadeu Fentanes
    EDVALDO GATO, GRANDE ARTISTA!

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  3. Domingos Dantas Brito
    Vale Rey a difusão desses artistas plásticos da Bahia.

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  4. Liane Katsuki
    Grande artista com muito talento !!!

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  5. Eduardo Frederico
    Ainda bem que Reynivaldo está atento para as figuras dos artistas baianos das mais diversas áreas. Não se encontra estas informações em lugar nenhum.

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  6. Murilo Ribeiro
    Um grande Artista e um querido amigo.

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  7. Maria Das Graças Santana
    Um grande artista .Teve tanta vitórias e continua lutando dentro do seu limite pela cultura baiana. Parabéns!

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  8. Edison da Luz
    Excelente critica de Gato. Levantou a alma de gato.Edivalo Araujo colega no Baiano Ensino. Colegio de Hugo Baltazar ds Silveira. Nunca mais vi Gato. Somente agora nessa foto. Grande GATO. DEUS LHE ILUMINE SEMPRE.

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  9. Marcos Morais Brito
    👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻
    Palmas!

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