sábado, 25 de março de 2023

DUDA DIVIDIU SUA VIDA ENTRE A ARTE E A BOÊMIA

Mestre Duda na prensa onde imprimia  gravuras na EBA.
Vou falar hoje de um homem simples e libertário que abraçou a arte e a boêmia como seu estilo de vida. Nunca quis trabalhar com horário fixo e até mesmo seu relacionamento amoroso sempre foi livre. Embora um homem alto e corpulento sempre foi calmo, introspectivo, de poucas palavras, temperamento afável e pronto para ajudar. Atualmente está magro e fragilizado devido a idade e também porque era um boêmio que bebeu e fumou muito. Me disse que teve uma grande paixão na sua vida, e relutou em dizer o nome, mas que é uma professora que mora em São Paulo. Confessou que fez algumas viagens para encontrá-la e que ela sempre vinha aqui em Salvador pra ver a mãe, quando se encontravam. Mas, com a pandemia perdeu completamente o contato. Calmo e meticuloso gostava de varar as noites baianas em noitadas memoráveis com seus amigos de copo. Fumante inveterado e mesmo com o peso da idade, já mostrando fragilidade e dificuldade no andar não largou o maldito do cigarro. Estava sumido da Escola de Belas Artes a qual frequentava quase diariamente há décadas. Foi a pandemia e alguns probleminhas de saúde que lhe impediram de frequentar o local de sua preferência, talvez até mais do que sua própria casa. Num rápido depoimento dado a Revista Miolo em 2018 a diretora da EBA, Nanci Novaes confirma que "ele nunca quis aceitar cargos de funcionário porque não queria ficar preso a horários”.
Duda com pasta de xilos.

 Após publicar uma matéria neste blog sobre a exposição de gravura que está acontecendo na Galeria Cañizares, da Escola de Belas Artes da Ufba vi um comentário do artista Leonel Mattos onde diz que o Duda não podia estar de fora. Acontece que tem uma gravura e uma matriz de autoria do Duda na exposição, mas me despertou o interesse em entrevistá-lo. Saí perguntando pela EBA e a muitos outros artistas, e ninguém sabia o seu paradeiro. Sumira. Foi então que o professor de gravura Evandro Sybine lembrou que deu algumas caronas ao Duda e que ele descia nas imediações onde funciona um posto de gasolina, na entrada do Calabar. Dias depois me encaminhou uns mapas que tirou do Google Maps. De posse destes mapas lembrei que a artista plástica e restauradora Marluce Morais Brito, mora por aquelas bandas no Jardim Apipema. Disposta que é, saiu a campo e descobriu onde o Duda estava entocado e conseguiu o telefone da sua irmã ainda viva a d. Janete, que foi muito solícita, e então marcamos para nos encontrar na segunda-feira, dia 13 de março. Claro, que o encontro com o Mestre Duda aconteceu na Sala de Gravura da EBA, seu lugar preferido.

                                                                   SUA IMPORTÂNCIA 

Bela matriz de xilo do Duda.
A importância de Eduardo França dos Reis, o Mestre Duda, como é mais conhecido para a História da Gravura Baiana é assegurada pela qualidade da sua obra e de seu envolvimento com esta técnica artística desde a década de 60. Quando a Escola de Belas Artes funcionava no amplo casarão da Rua 28 de Setembro, em pleno Centro Histórico, de Salvador, o Mestre Duda já a frequentava com certa regularidade. Assistiu muitos cursos livres e mesmo aulas de algumas disciplinas que lhes interessavam como Desenho, Pintura, Cerâmica, Composição,  mas o que lhe conquistou foi a Gravura, especialmente a xilogravura. Teve inicialmente a orientação do professor Henrique Oswald, depois Mário Cravo Jr., Hansen Bahia e Lobianco. Sua infância foi no bairro da Barra, numa casa simples onde seu pai um alfaiate conhecido que costurava para os homens abastados entre comerciantes e políticos, inclusive costurou alguns ternos para o governador Antônio Carlos Magalhães. Morava com a esposa e seus cinco filhos na Rua Cesar Zama, nas proximidades do clube social Associação Atlética da Bahia. O alfaiate Gustavo Hipólito dos Reis e d. Joana Digna dos Reis tiveram cinco filhos, e o Duda nasceu no dia 19 de outubro de 1939, e foi na alfaiataria do pai que ainda criança reproduzia em pedaços de pano e também no papel as estampas de tecidos e personagens dos gibis.

 Na sua dissertação de Mestrado o artista plástico Adriano Luiz Ramos de Castro, no ano de 2010, escreveu na página 37 que "Duda é talvez, depois de Calasans Neto, o nosso maior representante na gravura Moderna da Bahia. Ressalta que ele produziu por mais de quatro décadas e que “uma de suas principais características é adicionar às suas matrizes, todo e qualquer meio que possa ser utilizado para dar texturas, como palitos de picolé, lixas, palhas, rendas e outros materiais. Com isto ele tece uma trama labiríntica colorida, formando um grande mosaico, que se tornou uma característica fundamental em sua obra.” A temática que Duda utiliza é sempre enfocando os locais de suas andanças como o Porto e Farol da Barra, Mercado Modelo, Elevador Lacerda e as festas populares. Quando ia à São Paulo também fazia algumas gravuras inspiradas na temática paulista.

                                            AMOR PELA XILOGRAVURA

"Quem me Vio/Porto da Barra".
Foi atraído pela xilogravura no contato que teve na Escola de Belas Artes através o artista plástico e professor Henrique Oswald que lhe deu as primeiras orientações, e em seguida Mário Cravo e o grande gravador Hansen Bahia. Gosta de produzir gravuras de tamanho médio, utilizando três cores básicas o verde, vermelho e azul, trabalhando com duas matrizes. Também utiliza de lápis de cor para fazer alguns trabalhos e pintar suas gravuras. Suas obras retratam a nossa Salvador, as festas tradicionais e tem também obras abstratas que surgem da estilização da paisagem e dos personagens populares baianos.

O crítico de arte Eduardo Evangelista não concorda com os que insistem em afirmar que o Duda seja um autodidata porque mesmo não sendo matriculado regularmente na Escola de Belas Artes recebeu informações valiosas de grandes mestres da gravura como Henrique Oswald, Mário Cravo Jr., Hansen Bahia e Lobianco, além da convivência com outros professores e alunos. Foram noções de técnicas, processos, composição, perspectiva e o equilíbrio na obra de arte que  aprendeu. Ele pode ter limitações em discorrer teoricamente sobre assuntos técnicos e estéticos, mas é um mestre na execução, no fazer.

Pasta com as xilos destruídas pelos cupins.
Também o professor da EBA, Herbert Magalhães, já falecido, escreveu num pequeno artigo no jornal A Tarde em fevereiro de 1991 destacando a sua preferência por gravuras pequenas e médias. Registrou que Duda lhe disse "Não me dou bem com gravuras grandes". E que as gravuras abstratas são feitas baseadas nas figuras que ele vivencia e procura simplificar.

Já participou de várias exposições coletivas e individuais  inclusive da Primeira Bienal Nacional de Artes Plásticas, que foi realizada em Salvador, no Convento do Carmo. Numa mostra no Ebec, na Pituba, em dezembro de 2006, juntamente com outros artistas expôs suas matrizes de xilogravuras. O seu sonho foi expresso algumas vezes quando entrevistado que era sobreviver da própria arte que abraçou para toda sua vida. Mas, a situação econômica depois que seus pais falecerem sempre limitou sua vida. Por isto escolheu gravuras pequenas e médias, e também usar papel canson de fabricação nacional e até mesmo na sua de vida boêmio a cachaça por ser barata.

                                               BOÊMIA E POUCA GRANA

Duda fumando na
EBA
.
Disse ter saudades do tempo em que era um boêmio contumaz pelas ruas e bares de Salvador. Como não tinha dinheiro suficiente para consumir bebidas caras e até mesmo cerveja "sempre bebia cachaça por ser mais em conta" . E em suas andanças pelos bares da vida conheceu o cantor e compositor Raul Seixas que era parceiro de copo. Relembrou que Raul gostava de frequentar a Cantina do Porto e que um dia chegou a encontrá-lo deitado no chão completamente embriagado. Lembrou que outra vez estava conversando com um engraxate que tinha sua cadeira ali no Porto da Barra e mostrou-lhe o Raul Seixas com uma namorada na balaustrada. O engraxate duvidou e ele foi até o Raul Seixas que lhe deu uma grana. Comprou uma garrafa de cachaça e fez o engraxate beber uma dose caprichada da branquinha, quase o copo cheio! O engraxate teimoso, também gostava de beber.

Perguntei se era verdade uma história que contam que teria encontrado com o artista plástico Edson da Luz que estava em companhia de um crítico famoso, (não lembra o nome), nas imediações do Elevador Lacerda, e o colega baiano lhe pediu que mostrasse suas gravuras. Ele tirou do bolso uma gravura feita em tecido, toda amassada e apresentou aos dois.  O Duda disse ser verdade, só que isto aconteceu em São Paulo, e que tinha saído com algumas gravuras, mas vendeu por onde passou e gastou o dinheiro todo com bebidas. Naquela hora vinha da farra que fizera durante toda a noite. Sua presença em São Paulo foi porque ele acompanhou uma caravana de professores e alunos que foram de ônibus para a capital paulista com o objetivo de visitar uma das edições da Bienal Internacional de São Paulo.

                                                         PRESERVAÇÃO DAS GRAVURAS 

Esta xilo estava entre as 
destruídas pelos cupins.

O Mestre Duda sempre manifestou certa preocupação em preservar suas obras de arte por ter consciência de que o suporte de papel tem certa fragilidade, especialmente na Bahia onde a umidade é grande devido à proximidade do mar. Por isto guarda suas gravuras em pastas cobertas de plástico, em envelopes de papel. Porém, neste nosso encontro teve uma surpresa desagradável. Ao abrir um armário de aço onde guarda suas gravuras, na EBA, retirou uma pasta de plástico de cor azul. Ali tinha guardado dezenas de gravuras e me entregou para abri-la. Quando abri todas as gravuras estavam quase totalmente comidas pelos cupins que fervilhavam, e de repente ainda saiu da pasta um piolho de cobra, com cerca de cinco centímetros, que tive de pisotear até matar. Eram tantos cupins que não dava para deixar a pasta por perto e tivemos que jogar no lixo. Ele ficou em silêncio por um breve período e depois se refez, Pegou outras pastas que continham mais gravuras. O pior é que Mestre Duda não tem mais a maioria das matrizes das gravuras destruídas pelos cupins, porque ao terminar de tirar as cópias ele costuma pintá-las e vende-las. Portanto, será difícil recuperá-las para fazer novas impressões.

Duda ladeado pelo professor Sybine e eu.
Também o Duda é um exímio impressor. De sua convivência com professores e alunos e
mesmo ao imprimir suas gravuras tornou-se um impressor respeitado e requisitado. Professores e alunos sempre contam com sua boa vontade para imprimir suas obras. Tive a oportunidade de ver um tríptico impresso em lona de autoria da artista Terezinha Dumet que mostra a habilidade do impressor que o imprimiu . 

Xilo "Carrregador de Tijolos".
Outra curiosidade do Duda é que ele não enumera cada uma das cópias de suas gravuras. Assina Duda, escreve série 0/50, o ano, xilo, coloca o nome da gravura, quase sempre de um monumento importante, estórias de gente de nossa Bahia como de vendedores ambulantes, carregadores, baianas do acarajé, pescadores, etc. Praticamente em algumas xilogravuras ele conta pequenas estórias desta gente.

Duda lembrou que quando era mais jovem ia nos finais de semana para a casa de Henrique Oswald o qual naquela época tinha uma prensa bem melhor que da Escola de Belas Artes e lá imprimia suas gravuras. "Às vezes passava os finais de semana por lá. ". Quando indagado onde ficava a casa do professor respondeu que era "para as bandas da Boca do Rio", não soube precisar o bairro e nem a rua.

 

 

 

sábado, 18 de março de 2023

EDVALDO GATO UM ARTISTA DE MÚLTIPLAS ARTES

Edvaldo Gato trabalhando em sua mais recente xilogravura.
 Um dos mais criativos artistas baianos é  desenhista, ilustrador, colorista e especialmente gravador Edvaldo Gato que completa oitenta e um anos de idade no próximo dia 24 de junho deste ano. Ele tem uma vasta produção de desenhos e xilogravuras, ilustrações, pinturas  onde vem deixando registrado através de décadas sua visão desta nossa Bahia. Seu desenho é cheio de linhas curvas com uma clara influência do nosso barroco. Quando a gente se vê diante de uma pintura, um desenho ou uma xilo de sua autoria somos levados a percorrer com alegria as sinuosidades que cria com suas figuras ligadas às tradições de nossa terra. Participou das duas Bienais Nacionais de Artes Plásticas realizadas aqui, sendo a primeira no Museu do Carmo com uma gravura quando ainda assinava o nome de Edvaldo Araújo, e na segunda Bienal com o pseudônimo de Edvaldo Gato, que assumiu após uma brincadeira de juventude. 

Cartaz de xilo da exposição 1971.
Talvez devido a este detalhe de ter participado com seu nome verdadeiro da primeira Bienal e com o pseudônimo na segunda os organizadores não o incluíram na terceira Bienal, realizada no MAM, o que considero uma injustiça com o artista, porque todos que participaram da primeira Bienal foram chamados. Agora na mostra que está sendo levada na Escola de Belas Artes, comemorativa dos 70 anos de ensino da gravura na Bahia, intitulada A Gravura na Bahia A Partir da EBA, também ficou de fora . Gato estudou na EBA a partir dos anos 60, na rua 28 de setembro, e posteriormente no Canela, foi monitor de gravura e com certeza é um dos grandes representantes da gravura na Bahia na mesma geração de Calasans Neto e outros. Foi ele que sugeriu que fossem também ministradas aulas de gravura em metal e litografia, quando era diretora Mercedes Kruschesky. 

Xilo de Edvaldo Gato.
Sabia que no Baixo Maciel, no Centro Histórico de Salvador , tinham algumas pequenas gráficas que estavam quase fechando, pois utilizavam métodos antigos de impressão como a gravura em metal e também a litografia para desenhar e imprimir as imagens das publicações que lhes encomendavam. 
Ele sugeriu a Mercedes Kruschesky que comprasse este material e assim foi feito com a aprovação do reitor Roberto Santos, e foram adquiridas prensas, pedras para litografia e algumas ferramentas. 
Foi assim que passou a ministrar na qualidade de monitor o curso de gravura em metal, e uma aluna de nome Idalina, que sabia trabalhar com litografia foi monitora desta técnica. Em 1970 o professor de gravura era Lobianco e tive que fazer a matéria Gravura e ele me disse" você sabe tudo, é para você me ensinar". 

O artista Edvaldo Gato em seu atelier e eu.
Estive visitando o seu atelier em Campinas de Brotas, bairro de Brotas, e pude constatar as dezenas de matrizes, principalmente de tamanho médio de xilogravura e a riqueza do seu traço, composição e sua sensibilidade em captar o clima da cultura baiana, a sua capacidade de desenhar em bico de pena. São desenhos rebuscados e muito criativos que exigem do observador uma atenção especial para percorrer todos os detalhes. 
Entre as dezenas de exposições coletivas e individuais que participou e realizou uma me chamou a atenção que foi na Galeria da Empresa de Correios e Telégrafos, em Brasília, em dezembro de 1972 intitulada de Desenhos em Pastel, no catálogo desta mostra o professor e artista plástico Riolan Coutinho, já falecido, escreveu um pequeno texto de apresentação que diz: "Desenhista e gravador dos mais conhecidos em terras da Bahia, tendo o seu nome ligado a várias ornamentações carnavalescas da cidade do Salvador, Edvaldo Gato vem mostrar nesta sua fase atual de artista plástico uma nova faceta: a de colorista. Nos seus recentes trabalhos realizados para uma exposição em Brasília na técnica pastel Gato explora uma só temática a das Yabás , personagens andróginas de nossa mitologia."

"Com um desenho flexível, mas contido, feito de linhas fortes e firmes, Gato contorna as formas barrocas de suas sereias que se destacam sobre um fundo animado de cores intensas; pois não é só na figura singela e sensível que o artista se aplica - o fundo também se constitui num elemento expressivo pelo valor ornamental que lhe é atribuído. Assim a forma, a cor e o ornamento se integram harmonicamente na visão barroca destas Yabás - sensuais Iaras cujo encanto e mistério fazem parte do sortilégio e magia da alma e da cultura afro baianas". Ai ao lado um cartaz feito por Edvaldo Gato, talvez o primeiro cartaz sobre a Capoeira feito na Bahia. Nesta época ele trabalhava na SUTURSA. 
Ao lado capa do pequeno catálogo-convite da exposição de desenhos a pastel que fez em Brasília.

                                                     ARTISTA VERSÁTIL

Gato na visão de
Ângelo Roberto
O Edvaldo Santos Araújo, que antes assinava suas obras como Edvaldo Araújo e depois assumiu o pseudônimo de Edvaldo Gato conta que esta mudança de nome ocorreu devido e uma distração que cometeu. Ao se dirigir para uma festa na Faculdade de Enfermagem da Ufba, no bairro do Canela, em Salvador, foi surpreendido por uma chuva forte e para não sujar e molhar a bainha de sua calça colocou por dentro das meias. Ao chegar no local esqueceu de tirar e os colegas passaram a brincar chamando-o de Gato de Botas, Gato de Brotas, daí ele passou a assinar Edvaldo Gato. Fez muitas ilustrações para os jornais Estado da Bahia e Diário de Notícias, que pertenciam aos Diários Associados, e funcionavam no casarão onde tem o Espaço Cultural da Caixa Econômica Federal, na Rua Carlos Gomes. 

É um artista versátil e teve várias atuações especiais no cinema sendo autor e coautor no "O Mundo do Seo Nestor", com direção de  Agnaldo Azevedo, o Siri; As Philarmônicas; A Volta do Boca do Inferno,(coautor) ; A Noite da Seresta; Memória do Carnaval de 1979:Uma decoração de Juarez Paraiso; A Noite do Folclore; Cairu e suas festas populares; participação especial no filme Bahia Carnaval, de Oscar Santana, da Sani Filmes, sobre a decoração que fez no Carnaval; participação nos trabalhos de cenografia do filme Tenda dos Milagres, dirigido por Nelson Pereira dos Santos ; direção e apresentação do filme O Cisne Também Morre, sob direção de Tuna Espinheira. Estes filmes e muitos outros estão acondicionados numa caixa de isopor e fazem parte da História do Cinema na Bahia.
Matrizes de duas xilos de autoria do artista .

Recebeu várias premiações criando cartazes para importantes eventos, como também selos comemorativos da Empresa de Correios, ganhou os concursos para decorar os Carnavais de Salvador nos anos de 1971,1973 e 1976 e em 1977 na cidade de João Pessoa, na Paraíba, além de participar de muitas outras decorações de Carnavais, e também de decorações elétricas dos festejos natalinos em Salvador.

                                             SUA                                                             

                     VIDA

Um desenho em bico de pena
 Edvaldo Santos Araújo, o Edvaldo Gato nasceu no Centro Histórico de Salvador, na Ladeira do Paço, número 34, filho de Joaquim Neves Araújo e d. Olinda Angelina Santos Araújo.O seu pai era mecânico, eletricista e aprendeu a dirigir muito cedo na cidade de Livramento de Brumado, onde um abastado fazendeiro comprou um carro no início do século XX. O menino Joaquim ficava olhando o motorista que veio junto com o automóvel para ensinar como dirigir e também algumas noções de mecânica daquela novidade. Com sua curiosidade aguçada aprendeu tudo que o profissional ensinou e seus pais tiveram que dar uma autorização para que ele dirigisse o automóvel porque ainda não completara 18 anos. 

Depois seu Joaquim veio para Salvador e aqui fazia serviços de motorista, mecânico e eletricista até juntar algum dinheiro e comprar um carro. Conta Edvaldo Gato que o primeiro carro foi um Chrevrolet de Estribo e depois um segundo comprado nas mãos dos americanos ao término da  Segunda Guerra Mundial. Os gringos ficavam aquartelados  onde hoje está a base da Aeronáutica próxima ao Aeroporto Dois de Julho, hoje Aeroporto Luiz Eduardo Magalhães, e o comando na atual Escola de Aprendizes Marinheiros, no Comércio, chamada Base Backer. Seu pai dirigia caminhões e outros veículos militares  dos americanos e trabalhava na parte mecânica. Ao acabar a guerra eles deixaram caminhões e como Joaquim dirigia para o comandante terminou comprando o carro que dirigia, que era um Ford 1941. Seu pai ficou conhecido como Joaquim da Praça da Sé, porque segundo Edvaldo Gato "ele teve o primeiro carro de praça da Cidade, que assim era chamado naquela época, o que hoje  chamam de táxi. Ele dirigia todo engravatado e fazia ponto na Praça da Sé. As pessoas ficam receosas de tomar o carro porque tinham que

Gato e Fernando Coelho apresentam
decoração do Carnaval de Salvador
sentar ao lado do motorista, e na época não era muito bem vista esta atitude. Mas, o tempo passou e meu pai passou a trabalhar levando noivos para casamentos e outros eventos sociais. Lembro que ele enfeitava o carro todo para os casamentos. Era um Chevrolet de estribo e depois o Ford 1941."

Vieram morar na Estrada Velha de Campinas de Brotas que tinha pouquíssimas casas e algumas pequenas propriedades rurais. O Edvaldo Gato já tinha uns oito anos de idade. Ele lembra que o bonde vinha até a atual igreja de Nossa Senhora de Brotas, e também os ônibus que na época se chamavam Marionetes. Viu o bairro de Brotas se desenvolver. Ai já começara a fazer seus primeiros desenhos, inclusive muitos para trabalhos escolares de seus colegas. Um dia seu pai Joaquim perguntou o que queria ganhar de presente e ele escolheu uma caixa de lápis de cor. Foram até a Baixa dos Sapateiros e o Edvaldo Gato foi direto para o local onde estava a caixa de lápis de cor que já estava "namorando" há algum tempo. Também comprou um caderno de Desenho, tudo isto nas Lojas Brasileiras-Lobrás, popularmente chamada de  Loja Quatro e Quatrocentos. Conheci a Lobrás na Ladeira de São Bento, se não me engano no térreo do Edifício Basbaum.

Estudou na Escola da professora d. Candinha pela manhã e à tarde na Escola Lucas Dantas, no antigo Beiju, hoje Rua Teixeira Barros. Depois foi estudar no Ginásio Baiano de Ensino, no Campo da Pólvora, onde fez até o terceiro ginasial. Como na época era considerado um ginásio que não puxava muito pelo ensino e já morava na Estrada de Campinas de Brotas pediu ao pai que o transferisse para o então Ginásio Góes Calmon.

Mais um cartaz feito por Gato.

O bairro de Brotas tinha poucas ruas calçadas e em Campinas de Brotas tudo ainda era de terra batida. Com a caixa de lápis de cor nas mãos fez muitos desenhos. Mas, ele lembra que antes quando morava na Ladeira do Paço fez um belo desenho do majestoso prédio do então Instituto de Cacau que fica no bairro do Comércio. Falou com saudade e pesar por não saber que fim deu ao desenho. Mas, sua fama de desenhista cresceu em Campinas de Brotas e um dia estava na porta de sua casa em meados da década de 50 quando  um senhor chamado de Jerônimo, não lembra o sobrenome, que diariamente passava em sua porta, pela manhã com destino ao trabalho com uma pasta nas mãos e todo engravatado, e voltava à tardinha. Num certo dia lhe pediu para ver meus desenhos. "Mostrei uma pequena tela onde tinha pintado uma marina e um barco apoitado. Uma semana depois ele me devolveu a tela e junto um envelope que continha uma carta do professor Conceição Menezes, uma figura muito conhecida na época, como professor do Colégio da Bahia me recomendando ao diretor da Escola de Belas Artes." Os pais o incentivavam e Edvaldo foi até a Escola de Belas Artes, na rua 28 de Setembro e lá apresentou a tal carta , sendo logo encaminhado para fazer um pequeno teste e passou a frequentar a Escola . Em 1962 prestou Vestibular, que foi o primeiro realizado pela EBA, porque antes não havia vestibular, e sim um pequeno teste de aptidão, onde veio a se formar.

Bela xilo de Edvaldo Gato.
Recordando do seu primeiro dia na EBA disse que ao entregar a carta na recepção a funcionária entrou na sala da Diretoria e em seguida lhe acompanhou para percorrer as salas de estudo e foi até a sala de Desenho de Modelo ao Vivo e lá chegando havia uma modelo sentada num banco em cima de um pequeno tablado. Depois ela levantou e deixou cair um roupão  que cobria seu corpo nu. "Lembro que depois a conheci e chamava-se Vera. Foi um choque para mim, mas tudo bem. Meus professores foram de Desenho o Mendonça Filho, cerâmica Udo Knoff, escultura Mário Cravo, modelagem Buck, pintura e afresco Réscala, dentre outros. "

Chegou a trabalhar no Instituto de Aposentadoria dos Comerciários - antigo IAPC, que foi extinto, foi ilustrador da SUTURSA, Superintendência de Turismo de Salvador, funcionava no subsolo do Belvedere da Sé, tendo como superintendente o editor de livros, Gumercindo Dórea.

A partir daí percorre uma longa carreira vitoriosa com vários prêmios em concursos de Decoração de Carnaval, de Cartazes de importantes eventos realizados na Bahia, conhecido ilustrador, criou vários desenhos que se transformaram em selos oficiais da Empresa Brasileira de Correios, fez um painel-mural em homenagem ao cineasta Glauber Rocha numa promoção da Fundação Cultural da Bahia e Embrafilme, fez trabalhos para muitas prefeituras do interior. 

Talvez o primeiro cartaz de
capoeira feito na Bahia
.

Edvaldo Gato coordenou a parte de arte do projeto Espicha Verão, durante duas edições, sendo uma em frente ao Forte de Santa Maria e a segunda nas imediações do Farol da Barra. Ele levava tintas, cavaletes, pincéis , telas, papeis e artistas e quem chegasse poderia pintar. Foi um sucesso, mas devido a sua inexperiência de lidar com a coisa pública terminou tendo prejuízo financeiro e nunca foi ressarcido.

Teve um grave problema de saúde e sua mobilidade ficou prejudicada há cerca de uma década quando passou a usar muletas. Talvez por não ter um bom plano de saúde e uma boa assistência os problemas se agravaram e a uns cinco anos passou a usar uma cadeira de rodas. Esta limitação de mobilidade agravada com os altos e baixos das atividades artísticas também contribuíram. Possui muitas matrizes que precisam ser utilizadas para novas tiragens e até mesmo tiragens inéditas para que volte com força ao mercado de arte. Ele não parou de desenhar e de criar suas gravuras em seu atelier que teve que improvisar no térreo de sua casa, já que o seu atelier tinha um amplo espaço no primeiro andar da sua casa. Posso garantir que as gravuras de Edvaldo Gato podem figurar em qualquer coleção importante pela qualidade e inventividade de suas obras.

 



terça-feira, 14 de março de 2023

JAYME FYGURA E SUA VIDA PERFORMÁTICA

Jayme Fygura ao centro, Leonel Mattos e eu.
Estive com o Jayme Andrade Almeida, conhecido nos meios urbanos de Salvador e artísticos performáticos nacional como Jayme Fygura, é assim junto que ele gosta de ser tratado. Consegui que tirasse a máscara de pano que cobria o seu rosto por uns poucos segundos e pude em seguida conversar tranquilamente sobre sua vida e sua arte na manhã de 10 de março de 2023, num espaço improvisado de atelier do seu amigo Leonel Mattos, no bairro do Nordeste de Amaralina, em Salvador. Ali está envolvido num projeto para pintar uma série de cinquenta telas de 1m x 1m. Mas, prometi que não publicaria qualquer foto sem sua máscara instigante. A magia que envolve seu personagem deve permanecer causando a mesma curiosidade que tinha. Nessas telas ele pinta detalhes das máscaras de metal que usa e outras peças de sua indumentária, além de Orixás, a exemplo do Exu, este numa tela bem maior. O Leonel o deixa livre para fazer o que lhe vem à cabeça e o resultado tem sido surpreendente. Além de artista plástico performático, é compositor e cantor. Era vocalista da banda de rock underground Farpas Band, e chegou a se apresentar muitas vezes em público no SESC e em outros espaços alternativos, sempre vestido numa de suas indumentárias cantando e tocando guitarra. Atualmente está impedido de cantar porque quebrou alguns dentes superiores quando foi atropelado, e os dentes precisam de restauração, e não tem grana para isto. Até sua fala está um pouco prejudicada devido aos dentes danificados.

Jayme Fygura com algumas obras recentes.
Matei a curiosidade de ver o seu rosto que aqui tento descrever. É um homem negro por
volta de sessenta anos, de barba rala com muitos fios brancos, braços musculosos, cabelos brancos entrançados e amarrados por uma fita vermelha. Bem articulado, o Jayme Fygura conversa tranquilamente sobre vários assuntos e tem ciência de que sua indumentária ser extravagante e causar reações diversas que vai da curiosidade do transeunte ao medo de alguns. Devido a sua atitude de usar o seu corpo como suporte para sua manifestação artística ele já foi vítima de algumas incompreensões e até agressões, quando certa vez um morador do Pelourinho atirou uma pedra que lhe atingiu e feriu sua perna. Em outubro de 2016 estava comemorando a vitória de um político na Rua Carlos Gomes quando foi atropelado por um carro que lhe quebrou cinco costelas, dentes, e deixou sequelas no braço direito, impedido de fazer esforço maior, como pegar pesos, por exemplo, e também afetou sua coluna e seus movimentos. Ele vem aos poucos se recuperando, e na época chegou a pedir ajuda pela internet porque estava impossibilitado de trabalhar, e passou algumas privações. Aliás privações sempre o acompanham. 

                                                                        INFÂNCIA


Jayme na frente de
sua casa no Carmo
Muito já se escreveu sobre o Jayme Fygura, inclusive tem uma dissertação de Mestrado de autoria do artista José Mário Peixoto Santos, intitulado "Jayme, a Figura do Artista Performático", datada de 2003, até foi filmado pelo cineasta Daniel Lisboa. Portanto, é um artista que não passa despercebido pela Academia, pelo meio artístico e também pela mídia. Mas, o que quis conhecer foi o lado humano do Jayme que está por trás daquela indumentária extravagante e performática que anda vagando pelo Centro Histórico provocando reações diversas, inclusive fetiche entre mulheres e gays. 

De quando em vez sai com uma frase fora do contexto. Não gosta de falar de sua vida e dos familiares. "Deixe fora!" Diz com sua voz hoje prejudicada pelo atropelo que lhe quebrou os dentes superiores. “Sou um João Ninguém. Mas, na realidade depois de alguma conversa se mostra confiante e fala com desembaraço do seu trabalho, dos seus objetivos e mesmo da família. Por trás daquela figura que espanta muita gente tem um homem sensível e responsável. Cuida da sua esposa que ficou com algumas limitações depois do AVC, e chega no horário estabelecido por ele e Leonel Mattos para pintar um total de cinquenta telas que estão no atelier improvisado para serem pintadas. Já pintou algumas delas e o resultado é um conjunto de obras que reflete a sua vida performática com cores fortes, feitas com espátula e pincel em densas camadas.

O menino Jayme Andrade Almeida nasceu no dia 2 de janeiro de 1959, na cidade de Cruz das Almas, mas foi registrado em Salvador. Passou sua infância no bairro Alto do Peru, na rua Pacheco de Oliveira, onde seu pai um homem que viajava muito, pois era da Marinha Mercante e mantinha sua família num padrão de classe média . Ele hoje questiona porque seu pai foi comprar uma casa em plena área de mato, quando poderia ter comprado na Ribeira, por exemplo. Mas, - adianta- talvez ele comprou porque tinha outras pequenas construções as quais alugava. Nós tínhamos uma vida tranquila, nos alimentávamos bem. Não faltava nada, até meu pai ser atropelado no Rio de Janeiro e teve dificuldade para se aposentar e receber uma pequena indenização da Marinha Mercante. Como tinha diabetes a perna nunca cicatrizou e assim levou até os seus últimos dias de vida. Quando ele morreu minha mãe teve de pedir ajuda das pessoas para acabar de criar os sete filhos. Sofremos muito."

 

Estudou o primário na Escola União e Progresso, no Alto do Peru, mas não gostava das aulas de História e sempre procurava filar as aulas. Costumava se esconder num depósito onde eram empilhadas as velhas carteiras quebradas. Certo dia estava lá, tinha por volta de cinco anos de idade, quando entrou a funcionária encarregada de fazer o mingau para distribuir com os alunos, quando ela chegou para mudar a roupa e vestir a farda. Ele ficou nervoso ao ver aquela cena e saiu correndo. Foi denunciado à diretoria pela funcionária, como ele estivesse se escondido para vê-la tirar a roupa. Mas, foi apenas uma coincidência, confessa o articulado JaymeFygura . Aí passou a sofrer o que hoje chamam de builling. Passado um tempo foi estudar no Colégio Pinto de Carvalho, em São Caetano, mas não chegou a concluir o segundo grau.

Jayme,vocalista da Farpas
 Band
E continuou "a miséria bateu em nossa porta. A nossa residência ficava na Rua Pacheco de Oliveira, no Alto do Peru, e entre os inquilinos que moravam atrás da nossa casa  tinha um artesão, que não lembro o nome dele, que fazia umas esculturas de madeira. Foi aí que comecei na minha adolescência a me interessar e passei também a fazer pequenas esculturas de Exu e ia vender no Mercado Modelo. Foi o despertar para as artes."

Foi servir ao Exército no Batalhão de Guardas, no Forte do Barbalho, de 1968 até meados de 1970 e chegou até a se preparar para fazer o curso cabo. Pretendia seguir a carreira militar e seu objetivo era ser sargento. Mas, ocorreu que sua atual esposa ficou grávida e o "salário do Exército", era muito baixo teve que sair para procurar um emprego que ajudasse no sustento da família. Foi assim que foi trabalhar na gráfica Liderança, que ficava em São Caetano. Lá trabalhou como chapista, impressor e depois o dono fez uma pequena sala, colocou ar condicionado e ali passou a desenhar logotipos e outros desenhos de publicidade. Evoluiu e passou não apenas a atender os clientes da gráfica como também seus clientes que lhes encomendavam desenhos de marcas, etc. Em seguida foi trabalhar numa agência de publicidade a Baldacci e lembra que chegou a ganhar até uns quinze salários mínimos por mês. Passou a ter uma vida tranquila até comprou um carro. Todo seu trabalhão era manual. Com a chegada do computador enfrentou alguma dificuldade, mas chegou a fazer o curso de CorelDraw. Porém, com a chegada de Collor de Mello ao poder em 1990-1992 perdeu o emprego e tudo que tinha ganho. "Ai passei a procurar emprego e só queriam pagar 2 a 3 salários mínimos, e havia uma grande oferta de estagiários universitários que se submetiam por qualquer salário. Me aborreci e desisti".

                                           DEPOIMENTO

Jayme Fygura pintando no ateliê
Foi o artista Leonel Mattos na década de 1970 que realmente começou a observar o que o Jayme Fygura produzia. Ele estava fazendo uma exposição na Galeria Abaporu, de Ligia Aguiar, no Pelourinho, em dezembro de 1997 quando o Jaime apareceu e o convidou para conhecer as pinturas que fazia na casa de número 4, na Ladeira do Carmo, e vendia esporadicamente aos turistas que passavam por ali. Foi quando Leonel Mattos viu suas indumentárias e se interessou em divulgar. Lembro que um dia ele chegou com Jayme na sede do Jornal A Tarde, na Avenida Tancredo Neves, onde eu trabalhava e todos ficaram espantados. Mandei entrevistar e publiquei a matéria. A partir daí passaram a vê-lo como um artista performático. Suas indumentárias foram sendo acrescidas de novos elementos como uma forma de proteção. Quando ele andava nas ruas até alguns motoristas maldosos jogavam o carro em cima dele foi então que resolveu colocar proteção nos joelhos com placas de metal. É uma pessoa muito tímida, tem algo que o impede de conviver com as pessoas de cara limpa. Se esconde através de máscaras, luvas, botas a se proteger das pessoas e de cachorros que latem muito quando o encontram. Muita gente o conhece como Homem Lata. Ele gosta quando as pessoas se assustam ou se aproximam. 

Jayme com sua  arte
performática.
Ressalta Leonel Mattos "que Jayme Fygura não pode ser confundido com figuras folclóricas como a Mulher de Roxo, o Mágico Mr. Brocks e outros. Jayme tem consciência que é um artista performático e age assim durante todo o tempo que está acordado." Leonel o apresentou a galeristas, levou para todas suas exposições, e também para as ruas quando pintaram vários muros. Lembram que certa vez estavam pintando nas imediações da Avenida Garibaldi quando passou um sujeito que parou o carro e mandou ele apagar uma suástica nazista que estava pintando a qual pretendia cobrir com umas flores. Mas, a reclamação do motorista foi tão contundente que decidiu apagar.

 

Realmente como lembra Leonel Mattos "Jayme não é um acumulador de coisas como acontece com alguns outros. Ele tem consciência e usa os materiais que consegue para a criação de sua indumentária, que é única, e se apresenta ao público como um artista performático". Com certeza, o Jayme tem muita consciência do seu trabalho e preserva inclusive esta magia de seu personagem. Não permite muita intimidade que venha a revelar a sua verdadeira identidade.

Numa mensagem que me encaminhou através o Whatzapp disse que a década de 80 foi melhor para ele quando recebeu as casas e também fundou a sua banda de  rock The Farpa Band e participou do Festival do Rock, na praia de Jaguaribe, em Salvador, organizado pelo sindicato dos músicos e recebeu uma premiação disputando com várias  bandas de rock. Recebeu o prêmio no valor de R$3.800,00 reais pela premiação em primeiro lugar. "Por isto não parei mais e continuei meu caminho na carreira musical performático. Isto me fortaleceu muito na época"

                                           O HOMEM X ARTISTA PERFORMÁTICO

Jayme Fygura na frente do
ateliê ,no bairro de Amaralina.
Tive a oportunidade única de conversar alguns segundos do Jayme Fygura sem a máscara ninja de cor preta que tirou depois de reclamar e ficar desconfiado. Isto aconteceu logo após ser apresentado por Leonel Mattos e conversarmos um pouco. Antes nos cumprimentamos normalmente e passamos a conversar sobre sua infância, adolescência, sua juventude, passagem pelo Exército, seu casamento, família e filhos. Talvez transmitindo confiança e com o apoio de Leonel Mattos conseguimos que tirasse a máscara ninja que escondia o seu rosto. Tem uma preocupação imensa em deixar sua esposa e os dois filhos já adultos fora do seu trabalho artístico. Notei que se comporta como tivesse duas vidas. Uma do marido que cuida da esposa, que sofreu um AVC e passou por um período muito complicado, e do pai que não deixa os filhos se envolver com a sua obra. A segunda é a vida do artista que permanece a maior parte do tempo vestido naquelas indumentárias que assustam e atraem pessoas  e provocam reações de espanto e até mesmo de revolta, aos que não conseguem compreender um trabalho performático.

Jayme de costas com
seus cabelos brancos
.
Ele é natural de Cruz das Almas onde nasceu em 2 de janeiro de 1959, mas foi registrado em Salvador. Isto era muito comum entre as pessoas mais humildes naquela época registrar os filhos posteriormente. Filho de Estefânia Andrade Almeida e Arlindo Souza Almeida, que era da Marinha Mercante. Seus pais já faleceram e atualmente mora entre a Ladeira do Carmo, número 20, e a sua residência familiar na Avenida Gal Costa. Enquanto conversávamos volta a me questionar: "Vai divulgar na matéria os nomes dos meus familiares? Estou preocupado. Quero eles fora! Os nomes de mamãe e papai pode divulgar". Argumentei que era normal falar dos nomes dos familiares dos entrevistados, mas não consegui convencê-lo e saiu com esta resposta. "Mas, no meu caso é diferente porque existem pessoas que podem prejudicá-los. Não quero que ninguém saiba de nada!"  Aí está exatamente uma das razões porque o JaymeFygura desde os anos 70 se apresenta com esta indumentária que assusta e impõe um distanciamento. Ele tem uma forte timidez e assim se protege dos seus medos. Diz que é ligado a Exu e Omolu e que sua cabeça pertence a Oxum. 

Sei é que sempre sai com suas diferentes indumentárias com uma lata de forma cilíndrica representando o falo de Exu, onde me disse que coloca um recipiente de vidro e ali guarda o seu pênis depois de passar álcool gel no recipiente. Isto porque "tenho as pernas juntas e as vezes sofro com assaduras. Para evitar infecção adoto esta forma de proteger a genital". Ele revelou ainda que deixou de participar do Carnaval porque mulheres e gays ficavam querendo tirar a lata que imita o falo do Exu e isto o deixava incomodado.

Jayme Fygura até hoje sofre sequelas no
 braço direito e em outras partes do
corpo
Foto Google
         curador do Festival de Arte Negra, que foi realizado em Minas Gerais em 2012, com participação de Jayme Fygura o Francellis Castillo Leal escreveu "Jayme é arte que provoca choques tectônicos por onde passa, abrindo fissuras no psiquismo humano e social". É verdade até no seu dia a dia sempre tem algum fato que marca a presença dele por onde passa, imagine no local onde reside e trabalha.

       Como ficou desempregado durante o governo Collor de Mello foi morar de favor no Edifício Themis onde guardou uma grande caixa com suas indumentárias. De quando em vez colocava algumas delas para tomar sol e os moradores dos apartamentos mais altos jogavam todo tipo de objetos e até cabeças de galinhas e pó de café. foi aí que conseguiu um local na Rua das Flores, no Pelourinho e saiu arrastando a imensa caixa no asfalto da Praça da Sé até esta nova moradia. Também, ligava a radiola alto ouvindo rock. Certo dia um dos moradores desligou a sua luz. Ele bateu forte na porta para pedir para religar a luz e houve um desentendimento e foi aí que o vizinho jogou uma pedra na sua perna e terminaram na delegacia, mas depois foi feito um acordo e tudo ficou em paz. Mas continuou colocando  nas janelas as roupas para tomar sol e uma vizinha implicou e deu queixa no IPAC, até que o transferiram para a casa de número 4, no primeiro andar, na Ladeira do Carmo.

Lá também não foi aceito porque funcionava um restaurante no  térreo e toda a fumaça da cozinha entrava no espaço que ele ocupava. Para se proteger "e respirar o ar puro " colocou uma imensa cortina para desviar a fumaça, mas também acumulava a sujeira que caia do teto do casarão, e às vezes sujava as mesas dos clientes. Ali ele comercializava suas obras como pinturas e esculturas e também umas carrancas que um conhecido trazia da região do São Francisco. Também, os vizinhos reclamavam que ele trabalhava com serras cortando metal e com marretas causando um barulho danado. Foi ai que Sonia Fontes, da Conder , no Governo de ACM, lhe destinou o térreo da Casa número 20, da Ladeira do Carmo, onde está até hoje e construiu o seu Sarcófago, e recebeu também uma casa num conjunto habitacional na Avenida Gal Costa, onde vive com sua família. 

 

Além de ter sido atropelado em outubro de 2016, na Rua Carlos Gomes e hoje estar enfrentando as sequelas o motorista atropelador fugiu deixando-o estirado no chão, e a placa do veículo não foi anotada, o Jayme Fygura foi assaltado três vezes. Sua indumentária não intimidou os assaltantes atraídos talvez pelas histórias que correm no Pelourinho de que ele tem grana. Na realidade Jayme Fygura precisa trabalhar sempre para se sustentar e enfrenta dificuldades financeiras com certas frequências. Quando do atropelo colocou um cartaz e uma mensagem apelando para as pessoas o ajudarem a enfrentar as dificuldades porque foi obrigado a permanecer quase um ano inteiro numa cama até que teve a ideia de apelar por ajuda pela internet. Vejam parte da mensagem: "Estamos passando por dias muito difíceis, sei que já precisei de sua ajuda. Mas, agora algumas coisas pioraram, por isso peço que me ajudem como puderem. Somos pessoas idosas, minha esposa e eu, e existem muitas formas de ajudar. Estamos abertos a todo tipo de apoio". A ajuda era para compra de alimentação , remédios e outros gastos de rotina.  Para isto oferecia a venda suas máscaras, pinturas e outros objetos de arte de sua autoria. Veja que aí ele volta a mostrar preocupação com a esposa, portanto ele tem esta ligação com a família.