sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

18 DO PASCOAL VALORIZA A PARTE ANTIGA DE SALVADOR - 29 DE AGOSTO DE 1988


JORNAL A TARDE,SALVADOR,  SEGUNDA-FEIRA, 29 DE AGOSTO DE 1988

18 DO PASCOAL VALORIZA A PARTE ANTIGA DE SALVADOR

Particularmente fico muito contente quando encontro alguém que diz com a voz vibrante que mora no Centro Histórico do Salvador! É o caso de Eckenberger e da minha amiga Eulampia com o seu Wolfgang, que residem no Carmo. Eles sabem valorizar a história e a própria beleza plástica daquele conjunto arquitetônico, que precisa realmente ser salvo da sanha incontida de especuladores de proprietários, que vivem agarrados ao âmago da propriedade privada e nada fazem para conservar os imóveis.
É aquela estória da posse, de ter, de saber que aquele velho pardieiro lhe pertence, embora não lhe sirva para nada, e o deixe cair aos pedaços! E os Moradores, que muitas vezes são inquilinos pobres, nada podem fazer para cuidar, porque não possuem recursos. Porém este é outro papo. Os moradores Eckenberger e Wolfgang estão noutro patamar. Eles amam este lugar. Agora, numa extensão dessa amizade acaba de incorporar-se outra pessoa que é o Lourenço Müller, arquiteto, já morou algum tempo na Alemanha e tem a sensibilidade aguçada.
Eles gostam do centro histórico e outra prova deste amor é que acabam de criar o 18 do Paschoal, um espaço dedicado à arte que abriu com uma exposição dos integrantes do Projeto Nordeste. O espaço foi inaugurado no último dia 18 com obras de Eckenberger, J. Cunha, César Romero, Chico Liberato, Márcia Magno, Sônia Rangel, Murilo, Bel Borba, Antônio Brasileiro, Juarez Paraíso, Washington Falcão e Juraci Dórea.
Eles avisam que é um espaço lúdico, dos que vêem, dos que leem, dos que bebem, conversam, ouvem... Dos que gostam de comer, dos que vivem. Aí me tocou de perto. Dos que vivem. Eu que fico todos os dias até quase meia-noite na redação  tocando o jornal não estou incluído porque fico impossibilitado de frequentar e mesmo de visitar muitos eventos de importância. Só apareço em momentos de folga, e quase sempre não encontro as pessoas que desejava encontrar. Mas aí está o espaço, criado com muito carinho e sabedoria na cidade velha da Bahia, no largo em homenagem a Nossa Senhora do Pilar onde fica a Cruz do Pascoal. Está funcionando de terça a domingo das 10 horas às 22 horas, com uma bela mostra do Projeto Nordeste.
        ARTISTAS LANÇAM UM MANIFESTO
A alegria dos artistas que integram o Projeto Nordeste após concluir o  mural nas ruas de Recife
Os integrantes do Projeto Nordeste estiveram na terceira capital nordestina programada para ser visitada. Após uma avaliação das duas visitas anteriores- Maceió e Aracaju- eles decidiram que a exposição deveria ser reforçada, mesmo que isto significasse mais gastos e até mesmo sacrifícios pessoais. Ficou decidido que todos os artistas deveriam acompanhar a exposição, com exceção de Eckenberger que está na Europa. Evidente que Recife é um importante centro de produção artística e a presença de artistas baianos despertou um interesse maior inclusive aos nossos vizinhos pernambucanos que imaginam que vivemos numa disputa de prestígio diuturnamente.
Para sondar e preparar o terreno, Chico Liberato seguiu na frente mantendo contatos com artistas, galeristas e pessoas envolvidas com os eventos culturais.
Tudo não saiu conforme o estabelecido. A exposição foi realizada na Galeria Metropolitana Aloísio Magalhães, situada na Boa Vista. Chico ficou em Olinda cuidando dos preparativos, mantendo contatos com o pessoal da Oficina Guaianases e do Museu de Arte Contemporânea de Recife.
Eles sofreram do mesmo problema acontecido nas capitais que visitaram anteriormente. Não houve a devida divulgação e com isto muita gente deixou de participar do evento.Aliás, este é um mal que se espalha por todo o Nordeste, inclusive aqui.
O artista é que tem que se virar procurando os jornais, contatando com os colunistas, porque as galerias nada fazem neste sentido, a não ser colocar um convite num envelope e despachar pelo Correio, muitas vezes chegando ao destinatário quando a exposição já acabou. O tratamento precisa mudar. É fácil entrar em contato com os colunistas, que infelizmente são muitos poucos aqui em Salvador, e em todas as capitais nordestinas.
Acreditam os membros do Projeto Nordeste que esta foi a melhor exposição que realizaram. Teve uma relativa repercussão entre os artistas e o público que espontaneamente compareceu, pois a galeria pouco realizou. Eis o Manifesto do Projeto Nordeste:

"A desvalorização da Cultura Nordestina é consequência da falta de apoio aos produtores culturais, cada vez mais ausentes no processo de transformação por que passa a região.
Entregues as distorções e azares de uma área extremamente competitiva, o artista plástico nordestino ainda enfrenta a pobreza material e espiritual impostas pelas estruturas oficiais de apoio institucional. Na maioria dos estados do Nordeste constatamos uma absurda indiferença à produção de Artes Plásticas.
Sem ter sua profissão regulamentada, o artista plástico ainda carece de um mínimo de recursos que assegure o seu crescimento e a sua sobrevivência profissional. Ignora-se a participação do artista nas decisões governamentais e todo um sistema de apoio que venha a evitar o êxodo e a estagnação na área das artes plásticas. Predomina o paternalismo nos caos de exceção e o que existe é uma prioridade absoluta para os problemas materiais devido  à dramática pobreza de grande parte do Nordeste brasileiro, obviamente conseqüente da falta de eqüidade, de uma legislação tributária mais justa. Para o equilíbrio desejado, torna-se inadiável a preservação e o crescimento da Cultura Nordestina já não ameaçada de descaracterização pelo abandono e pela imposição de participação dos meios de comunicação do sul do país.
No entanto, uma política de preservação e crescimento os bens culturais do Nordeste só pode ser entendida com respeito à sua expressão histórica, étnica e regional, integrada á sua produção contemporânea, com o pressuposto de uma percepção crítica e universal. Torna-se necessário a criação de associações de classe representativas e devido reforço  ás já existentes, com o objetivo de fortalecer e unificar os artistas do Nordeste e que sirvam de base à criação futura de uma associação nordestina de artistas profissionais.
Mais uma vez os artistas plásticos do Nordeste estão unidos na  reflexão e discussão dos seus principais problemas, buscando possíveis soluções para um programa de trabalho capaz de integrá-lo como cidadão e como artista no processo de transformação de sua região e do seu país.
Diante do exposto, os artista plásticos do Nordeste reivindicam.

DO GOVERNO FEDERAL
1º- adotar novas alternativas para a efetiva participação dos artistas do Nordeste no programa nacional de realizações da Funarte.
2º- Descentralização do Salão Nacional ou formas mais objetivas de participação dos artistas do Nordeste.
3º -Rediscutir as dotações destinadas à cultura e em especial às Artes Plásticas.
4º- Um programa especial de aplicação de fundo de promoção cultural da Lei Sarney diretamente no Nordeste.

DO GOVERNO ESTADUAL E MUNICIPAL
1º- Uma Bienal Nordestina
- Oficinas de Arte
- Galerias de Exposição
-Salões Estaduais
- Obrigatoriedade da implantação de Obras de Arte de pequeno e grande porte nos edifícios e     espaços públicos.
6º- Institucionalização do Concurso Público na área das Artes Plásticas.
-Criação de bolsas de estudo.

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