quarta-feira, 6 de setembro de 2023

UMA CABEÇA À FRENTE DO SEU TEMPO

UMA CABEÇA À FRENTE DO SEU TEMPO

 JORNAL A TARDE. TERÇA-FEIRA. 14/1/1997
Fotos Antônio Queiroz

Conversador e arredio. Esta dualidade convive com sua personalidade forte. A barba esbranquiçada e despenteada lembra um ermitão. Corpo forte é resultado das braçadas que, diariamente, dá na praia do Porto da Barra. É companheiro de Mário Cravo, Jenner Augusto e Carybé, mas talvez seja o menos conhecido desta geração pelo grande público. Não que sua obra seja menos importante. É porque ele não circula muito, vive recolhido em sua casa-ateliê. Trata-se do escultor, pintor e pensador Antônio de Almeida Rebouças, um dos mais brilhantes artistas baianos. Engenheiro projetista, Rebouças anda à frente do seu tempo. Fez poucas mostras individuais, mas suas obras são disputadas por colecionadores e galeristas.
Antônio Rebouças diante de uma  
tela inspirada na Amazônia.

Estamos diante de um pensador, com uma característica que inibe os menos avisados: ele é muito hábil na crítica. Tem ideias firmes, mas se desmancha como uma criança quando fala em natureza, principalmente plantas. É capaz de ficar horas diante de uma planta, observando seu comportamento. Porém, é de sua arte que queremos falar. Sua obra tem forte relação com o expressionismo, embora defenda que "as formas da natureza, inclusive as dos minerais, se desdobram independentemente da definição do próprio homem e transcende sua diferenciação." Para Antônio Rebouças, "a liberdade formal do Universo não classifica ismos, apenas existe. A figura é um estágio de abstração. Quem define que uma figura é um homem ou um sapo é o homem". E vai mais além, afirmando que a abstração pode ser entendida por antiforma, e a figura, seja de um animal, mineral ou vegetal, é a relação da forma".

O artista considera que Salvador ainda não possui um mercado de arte à altura do seu potencial. "O que existe não é profissional”. Entende que a característica fundamental de um mercado de arte que funciona profissionalmente é aquela que contribui para a seleção de novos valores, incentivando-os. Quanto aos marchands, revela sem pedir ressalva: “Tenho amigos do peito e outros marchands que são meus inimigos íntimos. Com estes, faço o jogo do Tom e Jerry".

NORDESTE E AMAZÔNIA

O mestre Antônio Rebouças no ateliê,
no bairro da Barra, em Salvador.
Quando Rebouças resolve enfocar um determinado tema, ele vai fundo. Foi com o propósito de estudar, de ver de perto, de sentir, que ele programou algumas viagens ao Nordeste e à Amazônia. Voltou impressionado com o que pode observar nestas regiões. Antes de pintar, colocou algumas ideias no papel e escreveu vários poemas sobre essas andanças.

Há oito anos que Rebouças não faz uma exposição individual. Tem 68 anos de idade, segundo ele, embora a carteira de identidade ateste 72."Isto foi para entrar na universidade. Tive que aumentar a idade," e desconversa. É bom mergulhador e já foi também campeão de vela oceânica. Brinca com a filha, que é geriatra, dizendo que se todos fossem como ele ela ficaria sem ter o que fazer. Este é o outro lado de Rebouças, brincalhão e conservador.

 Suas viagens são importantes fontes de inspiração, pois ele tem uma sensibilidade muito apurada e, por isto, enxerga mais do que nós, pobres cidadãos comuns. Quando falo de Nordeste e Amazônia, não imaginem telas com figuras esquálidas ou grandes florestas. Ele mostra as angústias e a força do verde da Amazônia através de formas muito próprias. Consegue transmitir sua angústia, sua revolta e sua perplexidade frente ao descaso com a miséria e a exuberância da Amazônia, fugindo dos estereótipos. Aí está a sua grandiosidade como artista. Através de formas com tendências abstratas, Antônio Rebouças constrói seu mundo pictórico, forte, belo e valoroso.

Ele prefere chamar esta série de obras sobre a Amazônia de Morfogênica e explica porquê: “É a pintura envolvida no nascimento da forma", o que considera um conceito filosófico. E conceito de formas possui a transcendência do tempo, do espaço e da luz, não obedecendo, portanto, à observação do homem.

O artista está preparando um livro sobre seus trabalhos nos campos da pintura, escultura, arquitetura, urbanismo, decoração, desenho, paisagismo e poesias. Com este livro, pretende divulgar sua obra em várias áreas. Ensina que para gostar de boa arte não é necessário erudição. A obra de arte verdadeira fala ao ser humano, com a mesma força de um vegetal, sentencia.

 


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