quinta-feira, 14 de março de 2013

EXPOSIÇÃO SERÁ MARCO DE UM GRUPO CRIATIVO - 27 DE MAIO DE 1985


JORNAL A TARDE, SALVADOR, 27 DE MAIO DE 1985

  EXPOSIÇÃO SERÁ MARCO DE UM GRUPO CRIATIVO

A mostra será nas dependências do Museu de Arte da Bahia
Fui convidado por Heitor Reis, coordenador dos museus, da Fundação Cultural, para ser curador de uma exposição. A escolha dos artistas é de minha responsabilidade.Não há concessões ou mesmo qualquer indicação oficial.
Aceitei o convite e este desafio porque pretendo reunir no mínimo 10 artistas numa exposição onde mostraremos o que fez e está fazendo a chamada Geração 70, os artistas que depois de mais de uma década começam a ocupar espaços no mercado de arte. Eles não estão agrupados por circunstâncias próprias de um mercado de arte ainda insuficiente e desorganizado e até mesmo, a individualidade, em busca da sobrevivência, nunca permitiu que trabalhassem unidos com regularidade. Encontram-se nas inaugurações de exposições ou por acaso num bar e até mesmo em casas de amigos comuns. Evidente que esta exposição não pretende uni-los. Porém mostrar o trabalho de cada um, a sua evolução, contemporaneidade e acima de tudo que esta geração chegou para ficar. É a lei natural de uma geração que substitui outra no decorrer do tempo, deixando cada uma a sua marca.
Quando falamos numa geração de artistas baianos, lembramos Genaro de Carvalho, Jenner Augusto, Carlos Bastos, Carybé, Hansen Bahia, Calasans Neto, Sante Scaldaferri, Mário Cravo Júnior, Lígia Milton e Floriano Teixeira, dentre outros, que marcaram época. A maioria ainda está aí pintando e esculpindo, com grande maestria e a eles devemos muito do que existe de bom nas artes plásticas baianas. Eles tiveram um elemento de certa forma aglutinador e importante, que é o nosso caro Jorge Amado. Um incentivador de jovens talentos e um homem de grande sensibilidade que sabe no momento exato quando pode engrandecer a arte baiana.
Não pretendo ser um catalisador da Geração 70, não pretendo impor meus desejos.Desejo incentivá-los, dando uma palavra de força e que com eles venho trabalhando, divulgando a obra de cada um, com muito boa vontade misturada com alegria. Sinto e vibro com o crescimento, com o amadurecimento das obras destes artistas que integram a minha geração. Estamos no mesmo barco, e juntos sofremos para dar os primeiros passos. Críticas e incompreensões e muitas vezes até comentários duros sobre o trabalho de cada um.
A exposição será no Museu de Arte da Bahia, no grande salão, no mês de julho. Cada artista deverá apresentar cinco trabalhos e nesta tarefa contaremos com o apoio de uma pessoa que quero muito e que também é um grande incentivador de jovens talentos. Por diversas vezes me telefonou, me procurou para juntos visitarmos um artista. Lembro-me de Bel Borba, que trabalhava numa garagem fazendo algumas telas em spray. Ivo Vellame. Um homem a quem esta geração não deve esquecer. A sua vibração, o seu jeito terno de se entusiasmar com a obra de um jovem artista, merece um capítulo à parte. Portanto, junto com Ivo Vellame e com muitos outros que tentarei reunir para que esta exposição seja um marco nas artes plásticas baianas.
Aqueles que não forem escolhidos ou indicados não devem desanimar ou permanecer numa posição de ataque. A vez de cada um chegará. Tudo dependerá da oportunidade. Porque outras exposições virão.
Certamente não organizadas por mim, mas por outros que também estão aí empenhados em incentivar o desenvolvimento das artes plásticas baianas.
Gostaria de contar com a participação de gente de teatro, de dança e de música, para que esta exposição da Geração 70 seja um acontecimento cultural de peso. Esta semana já estaremos mantendo contatos com  pessoas dispostas a dar um pouco do seu talento para a concretização deste desejo. Teremos que fazer muitas reuniões, discutir muitos pontos e daí surgirão os acertos e eliminados os desacertos. Vamos dar as mãos, vamos trabalhar com afinco para que esta mostra represente mais um passo, uma gota d’água que venha fortalecer a nossa união. Unidos num mesmo ideal esta geração tem muito a mostrar e a crescer, para que possamos deixar registrada a nossa passagem no cenário das artes plásticas baianas.

              O FASCÍNIO DOS PÁSSAROS DE ASTOR LIMA

Os pássaros sempre exerceram um certo fascínio e até um desafio. Fascínio pela beleza de sua variada plumagem e cantos maviosos. Desafio pela capacidade de voar, de enfrentar o desconhecido. Beleza e ousadia sempre estão presentes na vida de um pássaro e agora, para minha surpresa, encontro Astor Lima, um escultor de talento entre pássaros metálicos.
Astor Lima diante de um de seus
pássaros metálicos.
São pássaros metálicos, mas que são fortes e parecem querer desprenderem-se dos pedestais e alçar vôos. Senti uma sensação de liberdade e sobrevivência. Liberdade porque seus pássaros metálicos estão como que soltos em busca de uma presa ou querendo fugir do homem, este predador insuperável. De sobrevivência porque alguns deles estão com suas presas e outros voando em busca de alimentação, razão maior da própria existência.
Quando digo que fiquei surpreso é porque acompanho o movimento de arte da Bahia e mesmo do País e sempre me deparo com escultores que trabalham com sucata. Porém, Astor Lima supera muitos destes escultores porque a interferência é muito maior. Ele não é um simples soldador.
Consegue transportar uma energia e vibração muito fortes com seus pássaros metálicos.
A postura das asas, a própria curvatura dos corpos estão em perfeita harmonia, mostrando a flexibilidade que é um elemento importante no conjunto de um pássaro. Elefantes os pássaros de Astor Lima como estão a desafiar os horizontes de nossa sensibilidade e não há quem, diante de um deles, não tenha uma sensação.
Pode até ser uma sensação de espanto ou mesmo de alegria, mas nunca de descaso, de dar de ombros, de prosseguir impassível. É esta energia e vibração que transmitem ao espectador os pássaros metálicos de Astor Lima. E, a águia símbolo, do poder e da opressão capitalista dos nossos credores, está lá representada no cartaz que anuncia a sua exposição, aberta até hoje no Museu de Arte da Bahia.
Astor Lima nasceu em 1938.
Já participou de exposições, freqüentou atelier de alguns artistas e vem trabalhando em esculturas de formas aladas, usando, na maioria das vezes, a sucata de ferro desde 1984.

                        O MUNDO SILENCIOSO DE ESPERIDIÃO MATTOS NO TCA

Era quase meia-noite e lá vou eu com destino ao Corredor da Vitória para encontrar um velho amigo. Esqueci o nome do prédio onde está residindo e a cada portão que chegava o vigia vinha depressa pensando ser um morador que esqueceu a chave. Quando se deparava com o desconhecido, ficava preocupado. Mas, depois de três tentativas, descobri o prédio e lá do alto soou uma voz de mulher. Era Leda, esposa e incentivadora de um artista que pinta em silêncio, que realiza uma obra documental de grande importância.
Esperidião  terminando a tela Jardins do Palácio
É Esperidião Mattos, velho alunos dos grandes mestres da Escola de Belas Artes. Dos tempos que Valença, Presciliano Silva e outros grandes nomes da arte baiana saiam com seus apetrechos para pintar ao ar livre ou mesmo nas sacristias escuras dos nossos templos. Homens sem pressa.
Homens que cultuavam o silêncio e a paz para captar não apenas o detalhe de cada elemento integrante da paisagem ou de um prédio, mas acima de tudo a própria atmosfera do que retratavam. Os ambientes de praias quase virgens, de ruas por onde passavam pessoas conhecidas, em constantes acenos e de tempos silenciosos.
Esperidião Mattos é uma vítima do crescimento da cidade. Foi obrigado  a mudar-se  duas vezes e agora está instalado num grande prédio, num local nervoso da cidade que é a Vitória. Mesmo assim criou o seu ambiente numa sala onde colocou ordenadamente as coisas que lhes são caras e seu inseparável cavalete. Horas e horas passa trancado, impassível e silencioso em busca da atmosfera, em busca de elementos que vão formando, sem pressa as figuras que deseja retratar. Vida pacata de um funcionário aposentado da Petrobras, onde exercia a função de desenhista, mas que acima de tudo é um artista nato e muito terno. Neste ambiente ele não permite a presença de muitos estranhos e até interferências de pessoas da casa.
Sim, porque ali é o seu altar, onde consegue eximir-se do barulho, da pressa para criar.
Encontrei Esperidião neste seu mundo de silêncio terminando um quadro de 1,30cm por 97cm, intitulado Os Jardins do Palácio, onde ele traz para a tela a beleza dos jardins do majestoso Palácio da Aclamação. Um quadro que é um documento que deve integrar o acervo de um museu. Aos 67 anos de idade, Esperidião Mattos tem ainda muito a dar do seu talento á arte baiana.
Ele está preparando uma grande exposição para o dia 12 de julho, no foyer do Teatro Castro Alves, numa sugestão dada por D.Laura Barradas.Vai expor cerca de 50 quadros de vários tamanhos.


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