domingo, 21 de outubro de 2012

ESQUEÇA O CORPORATIVISMO E AJUDE A ARTE DA BAHIA - 18 DE MARÇO DE 1987

JORNAL A TARDE SALVADOR, SEGUNDA –FEIRA, 18 DE MARÇO DE 1987.
ESQUEÇA O CORPORATIVISMO E AJUDE A ARTE DA BAHIA
Tenho acompanhado há vários anos a produção de artes na Bahia e tenho conhecimento das pessoas que realmente se interessam, discutem, compram ou questionam. Não tenho presenciado com freqüência a atuação de determinadas profissões, as quais deveriam estar acompanhando este processo passo a passo, ligadas ao setor. Muitos ficam presos aos parâmetros acadêmicos ou discussões corporativistas, esquecendo da renovação e da pulsação da criatividade. Não conheço alguma leitura da produção artística contemporânea da Bahia feito por esse pessoal, mas tenho visto e ouvido o barulho que fazem na disputa de cargos e nas fileiras que formam através de manifestos. Tem gente que treme quando vê um manifesto de categoria. Eu, não. Vejo com certo respeito, mas também com cuidados.
Isto é fruto do trabalho de quase 20 anos como jornalista e dos quais mais de 10 como chefes de reportagem de A Tarde. Recebi e examinei durante este período centenas e centenas de abaixo assinados e manifestos. Daí a minha posição com relação a eles, longe do emocional. O barulho é comum nas minorias. Não têm estrutura, não têm base, mas são barulhentas. Impressionam pelo grito. Muitas vezes agente falando baixinho é muito mais ativo, criativo e vence facilmente. O barulho passa a tornar inócuo. Aliás, é inócuo desde o nascedouro.
Agora volta o barulho com a nomeação de um artista plástico para um cargo na coordenação dos museus. Não sei por que tanta exclamação. É um artista competente, vibrante, polêmico, eu sei. Mas isto é bom para a arte baiana e espero que este seu jeito polêmico abale estas estruturas arcaicas e passivas. Esperemos que ele leve para trás da poltrona onde vai sentar, se é que vai conseguir, a sua criatividade e inquietude. O inovador sempre provoca polêmica. Veja você que agora que cobriram um trabalho de sua autoria no mural que o grupo fez recentemente no Rio de Vermelho. Ele ficou bravo.
Esbravejou, gritou, reclamou. É o próprio espírito.
É preciso abrir o riso para uma presença e comportamento bem criativo, imposições à parte. Vamos dar as mãos e fazer força para que exista realmente um movimento de arte digno de registro e atenção nos quatro cantos deste país. Vamos deixar este espírito de corpo, porque isto é muito comum em corporações militares. Criticam tanto o autoritarismo e vêm com exigências autoritárias.
O que é preciso é defender que o corpo técnico dos museus deve ser necessariamente ocupado por museólogos e outras profissões afins. Quanto aos cargos de direção é outra conversa. Assim conclamo os artistas, museólogos, restauradores, administradores, antropólogos e outras profissões que dêem as mãos. Vamos balançar e mostrar a produção da arte feita na Bahia e incentivar um trabalho de releitura dos acervos.
   SÉRGIO RABINOVITZ ESTÁ DE VOLTA
Os mais recentes desenhos de Sérgio Rabinovitz estarão expostos, a partir de 28 próximo, na Galeria Multiplus, na Rua Lemos de Brito, 10, no Morro do Gavazza, na Barra. Também ele mostrará algumas pinturas, abrangendo um pequeno levantamento de sua produção dos últimos anos. O artista expõe mais em São Paulo e Rio de Janeiro. Há três anos que não realiza uma individual em Salvador. Segundo ele este “é um momento de fusão na minha arte, um momento que vem desde o atelier de Mário Cravo e passa por New York, um momento que percorre o aspecto minimalista, a preocupação com o espaço, a força do desenho, e chega a te a Bahia.
Chega ao caligráfico, a São Paulo, a brasilidade dos signos e todos os seus estímulos visuais. É uma fusão na fora de caminhar New York e caminhar a Bahia o minimalismo e o conceitual com a explosão de cor num equilíbrio entre o visual, o estético, o conceitual e a razão.
Sérgio Rabinovitz é pintor, gravador, e desenhista, e apesar de ter iniciado autodidatamente seu aprendizado, estimulado por Calazans Neto, criando seus primeiros trabalhos, e posteriormente trabalhado no atelier de Mário Cravo Júnior, possui bacharelado em Artes plásticas pela Cooper Union For the Advancement of Science and Art, em New York, onde morou no período de 1976/79. Hoje, residindo na Bahia, Sérgio prossegue nas suas pesquisas nas mais diversas maneiras da gravura, além de desenvolver extensamente um vocabulário gestual em desenho e pintura, que se constituem atualmente nos seus principais meios de expressão.
Com exposições individuais em Salvador, Rio, São Paulo, New York e coletivas como a “International Graphics 77”, a “Variations 77”, “Five From Bahia” em New York, “Conte,; porany Brasilian Lithographs”, em Washington, IV Salão Nacional de Artes Plásticas, III Mostra do Desenho Brasileiro, O Panorama da Arte Brasileira no Museu de Arte de São Paulo, o Popular como Matriz no Museu de Arte Contemporânea de São Paulo, e Artistas Baianos em Brasília, Sérgio Rabinovitz têm como premiações a Viagem de Estudos para os Estados Unidos pelo Institute for International Education, á Bolsa de Estudo da Wesleyan University, Connecticut, Estados Unidos, a Bolsa de estudo da Cooper Union Arts School, New York, e o Prêmio Secretaria de Educação n II Mostra do Desenho Brasileiro, em Curitiba.
VARIADAS TENDÊNCIAS NO MURAL DO RIO VERMELHO




Impossível não ser notado. Fica exatamente na curva da Paciência, no Rio Vermelho. É o mais novo mural da Cidade, com 13 painéis assinados por alguns dos mais atuantes artistas plásticos de Salvador, Iniciado há pouco mais de uma semana, o mural agora está pronto e exposto à curiosidade dos que cruzam pelo local.
Pela quarta vez, nos últimos cinco anos, o grupo voltou a trabalhar no muro de uma das casas da Curva da Paciência. Cada um oferece vários motivos para o engajamento do projeto, chamado de “Mural do Rio Vermelho. ”Mas há, pelo menos, dois pontos de convergência: a busca de um espaço alternativo às galerias de arte e a experiência de um contato direto com o grande público, desde o processo de elaboração dos murais.
REFLEXÃO SOBRE O REAL
Embora sejam quase todos de uma mesma geração, os autores do mural se expressam dentro das mais variadas tendências estéticas e temáticas presentes na arte atual. E não temem a diversidade de interpretações a que o trabalho possa dar margem. Só ficam incomodados alguns ferozmente indignados, quando os murais são vistos simplesmente como objetos de decoração para a Cidade. “Queremos é mexer com a percepção de cada um que passa pelo local”, provoca Hans Peter, que tomou parte na empreitada. “Decorar não é o preponderante”, acrescenta Leonardo Celuque, frisando que cada espaço expressa a “mensagem pessoal do artista”. Outros realçam o caráter político da iniciativa, como é o caso de Otávio. “Nosso trabalho pode provocar uma mera observação prazerosa no espectador” admite o artista. “Mas também pode instigar uma reflexão sobre a realidade”.
Foi exatamente a difícil realidade do País, que inspirou Otávio em seu painel. Dominando o canto superior, um grande “olho” tem na mira a Nova República, estilizada nos volumes de cores verde e amarela.Aproveitando a existência de um cano para a saída de água, no muro,Otávio o deixou estrategicamente colocado no canal lacrimal. “Aberto para a realidade social e política do País, o olho chora”, insinua.
De pouca conversa “Chico Diabo” avalia o trabalho como uma oportunidade para se quebrar a rotina no círculo das artes plásticas em Salvador, quase que encerrado nas galerias. “É mais um movimento na praça”, observa o artista. No seu espaço, linhas, cores e formas registram uma mensagem sobre o “apartheid”, o condenado regime de segregação racial, na África do Sul.
CONTANDO HISTÓRIAS
Um equilibrista, tentando se segurar na corda bamba, é a figura central do painel executado por Murilo, outro artista incorporado ao grupo. Definindo-se como um “contador” de histórias, o que fez através de sua arte, Murilo declara que se fixou nesse trabalho, na vida dos que “caem”. Sobre a iniciativa do mural, acha que pode ser vista, entre as muitas maneiras, como um presente dos artistas à Cidade. “Fiz com que esse espírito”, observou.
Ângela Cunha, a única mulher do grupo, preocupa-se com a continuidade do trabalho em outros espaços. “Basta que os empresários nos dêem uma força”, afirma. No caso do muro da Paciência além do apoio integral do proprietário da casa, o grupo teve o apoio de um comerciante de tintas e pincéis, enquanto um outro, cedeu os andaimes.
Outra questão destacada pelos artistas, diz respeito no aspecto desmistificador nesse tipo de realização, quando o atelier passa para calçada. O artista também pode ser visto por outro ângulo, senão daquele que o mostra como um sujeito “genial” e que “bola” suas criações sem qualquer relação com o mundo exterior. Partiu de Hans Peter uma outra observação: o caráter didático dos murais. “Nele estão novas informações para o público, sem acesso ás galerias”, afirmou
É prova de que o público incorporou a proposta dos murais, segundo Peter, está na mudança de atitude com relação a sua preservação. Nos primeiros anos, os murais eram atingidos por toda sorte de agressão, dos cartazes colados sobre o trabalho ás pichações.“Todos aqui, neste grupo, já sofreram com essa incompreensão”, diz o artista, bendizendo os novos dias.(Gorethe Brandão)

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