quarta-feira, 26 de setembro de 2012

EXPOSIÇÃO MARCA OS SESSENTA ANOS DE MÁRIO CRAVO JÚNIOR- 18 DE JULHO DE 1983.

JORNAL A TARDE SALVADOR, TERÇA-FEIRA, 18 DE JULHO DE 1983.

 EXPOSIÇÃO MARCA OS SESSENTA ANOS DE
MÁRIO CRAVO JÚNIOR

 Bela escultura em alumínio repuxado.                        Esta escultura é de latão e uma das angulosas.
“Não sabia que a sociedade impunha tanta responsabilidade ao sexagenário”, desabafou o escultor Mário Cravo Júnior, que volta a expor individualmente numa galeria baiana depois de 13 anos de ausência. É verdade que tem comparecido em várias coletivas, e que fez há dois anos, uma exposição ao ar livre no Farol da Barra de várias esculturas feitas em polietileno. Porém, individualmente, é esta exposição programada e já armada na galeria MAB, na Rua Guanabara, cujo vernissage ocorrerá no próximo dia 26 que representa não apenas o seu retorno individual a uma galeria baiana como um dos eventos comemorativos de seu sexagenário.
Além desta está idealizando uma grande exposição ao ar livre, cujo local ainda não foi definido. Pensa em colocar suas esculturas de ferro, de dois a quatro metros de altura, na Praça da Sé ou no canteiro central da Garibaldi. Mas tudo ainda depende de alguns detalhes e levantamentos que o artista está fazendo, principalmente, para que a mesma seja vista por um grande número de pessoas.
Outro evento dos seus 60 anos será o lançamento do livro “Cravo”, que seu filho Mário Cravo Neto está acompanhando de perto, em São Paulo, onde está sendo impresso. Serão poucos exemplares, cerca de Hum mil, os quais serão divididos entre os patrocinadores e o artista. O livro contém 30 fotografias feitas por Mário Cravo Neto sobre o trabalho do pai.
A ESPONTANEIDADE
 A figura de Mário cravo com seu rabo-de-cavalo entremeado de cabelos brancos e o inconfundível bigode ligado a duas grossas costeletas, faz parte da paisagem plástica desta Bahia.
Lembro certa vez que o artista foi convidado pela direção do Colégio da Bahia para fazer uma palestra para os alunos e professores sobre a Arte na Bahia. As organizadoras estavam eufóricas, todas emperiquitadas à espera do conferencistas na porta do colégio. Eis que de repente surge a figura de Mário. Que pára diante de um menino que vendia picolés, compre um, de limão, e sai chupando entre as professoras desconsertadas. Assim, subiu as escadas que dão acesso ao auditório e iniciou a sua conversa com os alunos do central. Este fato demonstra exatamente a personalidade descontraída e espontânea de Mário, que embora seja um artista consagrado no Brasil inteiro, e mesmo no exterior, è despojado de vaidades, o que não acontece com outros, muitas vezes menos talentosos.
Para conhecer os seus novos trabalhos concebidos entre 1982 e este ano, marcamos um encontro na Galeria Mab. Ás 16 horas, da última quinta-feira lá estava o Mário.
Foi logo dizendo que estava muito satisfeito em realizar esta exposição, embora lhe agrade muito fazer exposição ao ar livre, como aquela que fez no Farol da barra. Porém, treze anos depois exporá na Galeria Mab com esculturas de menor porte e vários desenhos, que funcionam como um instrumento didático de complementação do seu trabalho escultórico para que as pessoas sintam como tudo acontece. Neste período ele executou muitas esculturas de maior porte para praças públicas e edifícios. Daí a importância desta exposição, porque mostrará desenhos dos últimos 15 anos de sua carreira e trabalhos de escultura de duas fases geminadas. A de metais não ferrosos, (especialmente o latão), que apresenta elementos mais angulosos e as pequenas esculturas em cobre, que estão no interior da galeria. A da segunda fase são feitas em alumínio repuxado, sendo que algumas serão apresentadas dentro da galeria e outras no jardim.
Esta exposição de Mário Cravo tem, portanto um caráter também didático, porque nos seus desenhos podem sentir as suas inquietações plásticas e os tipos de formas idealizados. O desenho é o esqueleto , a idéia passado para o papel que depois transforma-se em esculturas, ganhando os espaços.
Fiquei sensibilizado com a força expressiva das esculturas principalmente das feitas em alumínio repuxado, que têm toda uma ligação orgânica. Parece que os elementos que as compõem estão em movimento, estão pulsando ou brotando como o botão de uma flor no momento de sua abertura.
Mário é um artista espontâneo, mas disciplinado e metódico em seu ofício. Não aceita que qualquer artista deve parar a espera de inspiração, porque como já disse outras vezes, inspiração “é um sal da história, mas um blefe”. Ele acredita no trabalho sério, disciplinado, onde o indivíduo vai conseguindo melhorar a técnica de sua obra. Mas, reconhece que é preciso ter talento e acima de tudo desenvolvê-lo. É neste exercício diário que Mário vem desenvolvendo o talento que lhe é inato. Suas esculturas, por vezes monumentais, provocam inquietações e debates. Lembro-me daquela escultura que implantou na Cidade Baixa, na Praça Cairu, em perfeito contraste com os velhos casarões da Conceição da Praia e o Elevador Lacerda. Hoje, passados os anos, parece que a peça está totalmente integrada à própria paisagem. Agora, discute-se o monumento que idealizou e executou em homenagem ao Dr. Cleriston Andrade. Sem dúvida, que é um marco na sua vida artística e com o passar do tempo estará perfeitamente aceito e integrado àquela paisagem. É um princípio da própria Sociologia, que mudança provoca reação. E, Mário Cravo é acima de tudo um inovador. Como artista qualificado e criativo que é, ele ousa com suas formas e também com a utilização de materiais industrializados e sofisticados. Ousa dominá-los, dando-lhes formas angulosas ou orgânicas e expressividade.
Mário Cravo Júnior nasceu em salvador em 13 de abril de 1923, iniciando seu trabalho por volta da década de 50, e nunca mais parou de criar, além de ser um grande incentivador de jovens artistas. Fotos de Carlo Santana.
 
              UMA FOTÓGRAFA E UM PINTOR NO MAB
 Foto de detalhes de tamboretes , de Améris.               Pintura em acrílica de João Grijó.
 
A exposição que acontecerá a partir do próximo dia 26, às 21 horas, no Museu de Arte Moderna, do artista português João Gripo e da fotógrafa paulista Améris Paolini reúne trabalhos de técnicas completamente diferentes, mas existe uma perfeita identidade, nas formas, ou seja, na geometria dos elementos e principalmente na sensibilidade em captar a plasticidade e na força da expressão em objetos que passam quase despercebidos pela grande maioria das pessoas. Alguns vão lembrar que o Mário Cravo Neto já tratou da temática escolhida ou eleita por Améris. Só que a linguagem foi outra. Um trabalho não invalida o outro ao contrário, eles são complementares, pois o detalhamento de Améris vem enriquecer o estudo do fotógrafo baiano. Porém, voltando á exposição de Grijó-Améris, fiquei gratificado em verificar a identidade de expressão, o cuidado quase que artesanal dos dois artistas, desde a maneira de trabalhar como também de apresentar suas respectivas obras.
Grijó tem uma formação acadêmica e uma vivência que lhe garantem liberdade de ousar. Ele, insatisfeito com espaços e limites das telas, ousa ultrapassá-las, e quando não consegue, corta-se e as superpõe conseguindo efeitos geométricos interaesantíssimos. Pode parecer que suas formas são simplórias, á primeira vista.
Mas, asseguro que é um engano. São formas trabalhadas e pensadas e que dão resultados surpreendentes.
Já Améris, de posse de sua câmera com lentes macro e uma 85 mm conseguiu detalhar os tamboretes, as barracas das festas de largo e os cascos de barcos ancorados. No detalhamento aparecem superposições de tábuas, rendas, palhas e outros materiais acrescidos com o próprio envelhecimento e o uso. O sol e a chuva provocam ranhuras, rachaduras, além do próprio homem pintando e repintando os tamboretes, barracas e barcos a cada ano, criando belas texturas. Assim, enquanto Améris fotografa, o Grijó transfere parte destes elementos para suas telas recortadas e superpostas. Aí está justamente a identidade nas formas, nas superposições e na sensibilidade criadora de ambos.
Outro ponto positivo desta exposição são dois artistas de fora que trabalharam em cima de nossas coisas, ou seja, é uma mostra plástica que revela a visão deles de nossa realidade pictórica e plástica.
Estive visitando o casal de artistas em seu apartamento no bairro da graça. Ao entrar, percebi a presença marcante da criatividade na maneira de dispor os móveis, na apropriação de objetos, os quais ganharam especial destaque, não só pela maneira de dispô-los, mas também pela própria utilidade que lhes foi dedicada.
Lembro, por exemplo, que esteiras de palha são usadas como cortinas, grandes potes como jarros cheios de folhagens secas e assim por diante, dando um tom natural a seu apartamento, que fica num alto prédio, na Rua Manoel Barreto.
Lá assisti à projeção de vários slides da Améris, e pude sentir de perto a grandiosidade plástica, as superposições, a utilização de cores destoantes, a presença das cores da bandeira da Bahia, a intensidade das cores que são usadas nas pinturas de barracas e barcos e o pouco uso do amarelo. Sim, o pouco uso do amarelo, embora no cartaz que anuncia a exposição um trabalho impresso tem a cor amarela.Certamente a preferência maior é pelo azul, vermelho e branco.
 
 
 

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