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Neide Cortizo e sua caixa giratória com imagens e poemas. |
A artista Neide Cortizo é uma coletora de
palavras e pequenos fragmentos que vão se juntando com leveza surgindo imagens
e poesias. Tem o espírito dos criadores que não se conformam com o normal e
procura com sua sensibilidade aguçada encontrar beleza e razão para se
expressar através de coisas simples que se depara na sua caminhada por este
mundo conturbado. É uma folha seca que se desprendeu de uma árvore no caminho
de sua casa, são pedacinhos de antigos azulejos que foram quebrados numa
demolição de mais um casarão antigo, são hastes de metal desprezadas e até os
retalhos de panos pequeninos que ela cuidadosamente os recolhe e guarda com a intenção
que um dia vão lhes servir na construção do seu mundo pictórico. Os tons de
suas obras quase sempre são suaves e as linhas finas acompanhando o espírito feminino
nas curvas da sensualidade. Numa de suas exposições no convite ela escreveu:” Gosto
do fazer humano: a forma, a substância, o desejo. Buscar no feito as marcas de
quem o fez, ou com o olhar mais longe, adivinhar premissas, me faz sentir parte
dessa sequência, que é, para mim, o espírito do homem. Espírito que imagino ser
uma escrita antiga, da qual cada um, em exercício de herdar e legar, se
apropria, acresce e passa. O que nos possibilita – e assim seja – acrescentar novos
sinais, marcas da passagem pela vida”. Foi premiada na Flip de
Literatura, em Parati, Rio de Janeiro, em 2009, na Categoria de Poesia, Nacional/Exterior;
no Concurso do Banco Capital, em 2004 ; Prêmio Copene de Cultura e Arte, em
1977, além do Charge/Cartaz - Prêmio Humor Gráfico, nacional, da Fundação Cultural
do Estado da Bahia, em 2011.
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Obra que lembra um lar sendo desfeito pelo vento. |
A Neide Cortizo é graduada em Artes
Plásticas e Mestre em Letras pela Universidade Federal da Bahia. Estudou
Psicologia durante dois anos, mas resolveu abandonar o curso e optar pelas Artes
Plásticas. Tem alguns livros de poemas e de literatura infantil publicados e
sempre está misturando as suas poesias com as imagens plásticas de suas obras.
Certamente ela foge do padrão dos artistas que já entrevistei falando de suas
trajetórias porque divide o seu tempo entre o fazer artes plásticas e a
literatura. Este seu trabalho intelectual se manifestou desde a juventude
quando estudava no Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, da professora Anfrísia
Santiago . Juntamente com mais três colegas fundou um jornal onde questionavam
muitos valores que eram defendidos pela educadora baiana. Dois quadros na parede
de seu apartamento, no bairro da Barra, me chamaram a atenção. Um inspirado no
sonhador Dom Quixote, de Cervantes empunhando sua longa lança, e o outro o
personagem
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Um díptico do Riobaldo percorrendo as terras áridas do sertão. |
Riobaldo, de Grande Sertão: Veredas, romance modernista experimental de 1956
escrito pelo mineiro João Guimarães Rosa. Ela pintou o
Riobaldo com seu porte altivo e durante a trama ele também é chamado de
Tatarana ou Urutu-Branco. É um ex-jagunço letrado e inteligente que
procura respostas para questões filosóficas, entre elas a existência do diabo.
Ambas as obras foram pintadas por Neide Cortizo num tom azul suave dentro de um
clima de sonhos. Portanto, vemos novamente que o sonho e personagens sonhadores
são de alguma forma presentes no seu imaginário. Quando conversamos ela falou
que seu pai era piloto de teco-teco e que vivia viajando nas nuvens em busca de
seus sonhos. Talvez aí esteja um pouco desta influência da artista perseguir os
seus sonhos e se expressar através de suas obras plásticas e da poesia,
segmentos onde o ser humano encontra espaço e ambiente para revelar os seus desejos. A propósito ela fez um poema sobre os seus pais que é revelador.Vejamos : "Era uma vez /um alheio moço Azul /apaixonado/por esquiva, linda Senhora./Ele loucamente a queria / e vivia de ares./ Ela colhia raízes e o desejou./Ele andava em nuvens/no chão perdia a passada/ a ela, de memórias plantadas/qualquer brisa assustava./Um, o outro não alcançava, /se amavam e eram infelizes."
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Neide ao lado da obra com imagem e poema sobre seus pais. |
Falando sobre seu trabalho artístico disse: “Em momentos e situações diferentes – em
casa, na rua, sozinha ou em grupo – gosto do olhar que divaga e associa. Um
olhar que conecta pessoas, lugares, fatos de inúmeras formas/ possibilidades. E
soma-se ao olhar, o desejo de dividir essa percepção, estimular outras
(inquietar, tocar o outro, um outro, outros mais). A meu ver, assim é a minha
lida com a Arte em suas diversas formas. Fragmentos de objetos, de conversas escutadas podem
nos provocar, convocar a imaginação – (O que, como, de quem?). Cada um deles,
me parece trazer em si chances de continuidades, de histórias e eu, penso em
hipóteses e possibilidades – subjetividades anônimas. Pequenas partes
vistas, ouvidas a nos trazer ideias, desejos de possíveis e impossíveis
sequências, novos objetos e/ou utopias... Embarco. São imagens que levo e trago
comigo, que risco, rabisco... Do convívio e das tantas intersecções surgem os
trabalhos. E esse amálgama, o mesclar de percepções prossegue nas decisões
sobre técnicas para apresentá-las. Talvez por isso, quase sempre, a escolha da
expressão plástica (quadros, esculturas, objetos, livros, outros) inclua
recortes, colagens, pinturas, textos. Por vezes divergem entre si, mas
isso também faz parte.”
QUEM É
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Neide falando de seus livros de poemas. |
O seu nome de batismo é Neide Cortizo Andion nasceu
em Salvador no dia vinte de julho de 1950. Filha de Manoel Cortizo Barrero e
Carmen Andion Cortizo. Moravam no quarto andar do mesmo prédio onde funcionava
a Loja Marconi, vizinha à Sorveteria Primavera, no Relógio de São Pedro. A loja
era de seu avô materno Eugênio Andion Camiña e depois foi tocada por seus tios.
Lembrei que a loja vendia máquinas de costura Singer e as bicicletas Monark,
que eram tidas como um desejo de consumo dos jovens daquela época. Quando casou passou a assinar Neide Cortizo Andion Bellintani, ficou viúva e está no seu segundo relacionamento.
Com uma boa memória Neide Cortizo disse que próximo
de sua residência existia a Livraria Santa Cruz, onde comprou os primeiros
livros. A família ocupava apenas o quarto andar e o térreo com a loja Marconi no
prédio onde moravam e que os demais andares eram alugados a terceiros. Depois
foram morar numa casa no bairro da Graça, na Avenida Euclides da Cunha, vizinha
a casa de seus tios. Disse que teve uma infância rodeada de tios, primos e
primas e que para facilitar a comunicação entre os familiares foi aberta uma
porta lateral ligando as duas casas.
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Neide Cortizo faz ilustrações dos seus livros de poemas e os infantis. |
Fez o curso primário na Escola Nossa Senhora de Brotas.
A escola antes funcionava no bairro de Brotas, e foi transferida para o bairro
da Graça, mas que a proprietária conservou o mesmo nome. Já o curso ginasial concluiu
no Instituto Feminino da Bahia, no bairro de Politeama. Foi em seguida fazer o
magistério no Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, no bairro de Nazaré. Foi
quando fundou um jornal com mais três colegas e as publicações começaram a
incomodar professores e a diretoria do colégio culminando que ela e suas
colegas do jornal da escola na hora da formatura ficaram de fora e não usaram a
indumentária da solenidade. Depois os pais foram ao colégio receber o diploma
de formatura.
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Quatro livros infantis de sua autoria. |
Logo que terminou o magistério fez vestibular em
1968 para Psicologia, na Universidade Federal da Bahia. Cursou apenas uns dois
anos e já adulta decidiu ir morar em São Paulo. Lá trabalhou ensinando
Espanhol. Disse que enquanto fazia o colegial e magistério em Salvador também
estudou Espanhol e Francês, línguas que fala até hoje. Na capital paulista
passou a ensinar Espanhol para jovens que iam fazer vestibular e dava banca de
reforço escolar para outros estudantes. Lá casou com Milton Bellintani e teve
seus filhos. Três anos depois em 1972 decidiram voltar para Salvador. Nesta
época não tinha jubilamento e poderia ter retomado seu curso de Psicologia, mas
resolveu fazer vestibular no ano seguinte para a Escola de Belas Artes, da
Universidade Federal da Bahia. Trabalhou durante vinte e seis anos no IRDEB.
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Obra a Iemanjá guiando os Descobridores. |
Lembra que fez sua primeira exposição na
Galeria do Aluno, na Escola de Belas Artes, e que o cartaz que anunciava a
coletiva dos alunos foi feito por ela. Em 1998 finalmente fez sua primeira
mostra numa galeria fora dos muros da Escola de Belas Artes, desta vez na
Galeria ACBEU. Ainda nesta época Neide Cortizo disse que curtia muito o básico
e assim não fazia catálogos de suas exposições, e sim convites no formato de um
cartão, com apenas uma folha.
Em 2001 começou a misturar suas obras plásticas com
poemas e imaginou que queria fazer uma apresentação tridimensional. A solução
foi a criação de caixas de acrílico ou vidro com uma base de madeira giratória.
Assim, o apreciador de suas obras vai girando e vendo suas pinturas, desenhos e
os poemas. Numa mesma caixa giratória ela pode colocar três ou quatro lados e
cada lado com uma ou mais pinturas e poemas.
Tem ainda as caixas fixas com apenas uma pintura e poema. Ela me mostrou uma dessa caixas giratórias com
pequenas aquarelas feitas pelo pintor argentino Alejandro Kanterminof
entremeadas por poemas de sua autoria. Neide Cortizo disse que o argentino é
um grande aquarelista, e que já retornou à sua terra natal.
EXPOSIÇÕES E OUTRAS ATIVIDADES
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Convites de exposições de Neide Cortizo. |
INDIVIDUAIS:
1997 – Instituto Cultural Brasil-Alemanha ICBA, hoje Instituto Goethe ;
Restaurante Noigandres , no bairro do Rio Vermelho, Salvador-Ba. Este
restaurante era de uns paulistas ligados ao movimento de poesia concreta; 1998
- Galeria da Associação Cultural Brasil- Estados Unidos, ACBEU, Salvador-Bahia; em 2001 na Mage Decorações, Salvador – Ba.
COLETIVAS
– Oficinas de Expressão Plástica , no Museu de Arte Moderna da Bahia; Exposição
Galeria Abaporu -Arte Contemporânea; Bienal do Recôncavo em São Félix-Ba; I
Mostra do Design Gráfico da Bahia, no Desenbanco; Exposição Comemorativa do Dia
Internacional da Mulher, no Teatro Gregório de Matos; Exposição Artistas Pintam
a Primavera, na Galeria Abaporu; Exposição Diverso ; Leilão do GACC, no Museu
de Arte Moderna da Bahia; Exposição na Galeria Acbeu de Alejandro Kantemirof,
participação especial. Este artista argentino confessa ser apaixonado por pequenos formatos ; Exposição Comemorativa dos 30 Anos da Galeria ACBEU;
Exposição Comemorativa do Aniversário do Teatro Vila Velha; Exposição Mercado Cultural, na Galeria da Caixa Econômica
Federal , com trabalhos conjugando imagem/texto e imagem plástica; Exposição
Nós Mulheres na Galeria do EBEC ;
Exposição Acervo de Matilde Mattos, no Palacete das Artes, Museu Rodin.