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Bida segurando uma tela com mulheres tocando pífanos e o músico Alexandre Rodrigues executando um frevo pernambucano. |
Estive na sexta-feira, dia 15,
pela tarde no Centro Histórico, exatamente no Pelourinho para entrevistar o
artista plástico, cantor e compositor Raimundo dos Santos, o Bida, que há
décadas mora na área desde quando decidiu ser artista plástico. Por ser sexta-feira
e próximo dos festejos natalinos o Pelourinho estava em festa. Os bares e
restaurantes lotados de gente bebendo e comendo e até um pequeno bloco de
batuqueiros animava a área. Via a satisfação nos rostos dos gringos por estarem
naquele ambiente descontraído, bem alegre, e diferente de onde vieram. Lá onde
moram as ruas no inverno são muito frias e o povo no dia a dia não tem esta
descontração como ocorre nos trópicos. Aqui tem mais calor humano, embora o
clima quente também os incomode um pouco. E esta entrevista foi feita neste
clima de festa e reencontros. Quando começamos a conversar entram em seu ateliê
o cantor paulista Renato Braz, acompanhado do músico Alexandre Rodrigues tocador de pífanos de
Recife, que logo empunhou seu instrumento e começou a tocar um frevo animado. O
terceiro integrante do grupo era um jovem jornalista Cláudio Leal, acompanhados do produtor
musical e fotógrafo free lancer baiano Geraldo Badá, que os ciceroneava na
Cidade. Aí a entrevista foi interrompida para dar atenção aos visitantes.
Imprevistos acontecem, e quando se trata de reencontros de artistas o clima
ganha outra dimensão.
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Foto 1 - Pelourinho em festa. Foto 2. Jornalista Cláudio Leal,cantor Renato Braz,Bida,músico Alexandre Rodrigues e produtor musical e fotógrafo Badá. Foto 3. Cantor e compositor Narcizinho, do Bloco Olodum e Bida. |
Recomeçamos a entrevista e de repente chega outro personagem e entra cantando uma música que tinha um refrão desses que pega ."Pera aí, pera aí...", era o cantor e compositor Narcizinho, do Bloco Olodum, cantando uma música de autoria do Bida. Depois da cantoria e das dancinhas refiz as perguntas e foi
quando fiquei sabendo que ele nasceu em Nazaré das Farinhas, no Recôncavo
baiano em 25 de janeiro de 1971 e seus pais vieram para Salvador quando ele
ainda era criança. Hoje Bida é um dos artistas mais criativos e reconhecidos
da área do Centro Histórico de Salvador e já fez exposições em vários países e
suas obras estão espalhadas pelo mundo afora. Ele faz uma pintura naif
tendendo mais ao figurativo e os personagens que pinta lembram de longe os que
o Cândido Portinari imortalizou em suas pinturas retratando os nordestinos. As
cenas rurais também sempre estão presentes na obra do Bida e talvez aí tenha
uma explicação e influência de sua infância porque sua mãe gostava de morar nos
arredores de Salvador, especialmente em locais onde tivesse alguma mata ou
mesmo um espaço verde. Isto porque, sendo natural de Nazaré das Farinhas ela
gostava de cultivar e sempre dava um jeito de ter um pedaço de terra para
trabalhar.
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Obra retrata fazenda de cacau na Bahia. |
Hoje Bida é um artista que tem
sua própria maneira de pintar e criar seus personagens com um desenho e
composição de qualidade. As cores verdes, azuis, amarelas e vermelhas, dentre
outras presentes em suas obras estabelecem um clima rural , interiorano de
pureza e aconchego, diferente da crueza e da conotação de protesto de quem
possa ter lhe inspirado. Já expôs em vários países e tem obras em coleções particulares pelo mundo afora. Figura entre os artistas que pintaram grandes telas no exterior sendo que as suas estão na cidade de Marbach, no sul da Alemanha exatamente no Castelo Bela Vista, às margens do Lago Constance. Um mede 5 m x 8 m e o outro 1,68m x 21 metros. Tem aqui na Rodoviária de Salvador dois painéis com 3m x 10 m cada um. Lembro do entusiasmo do meu saudoso amigo o empresário Alfeu Pedreira, que tinha a concessão da Rodoviária, e hoje é tocada pelos filhos, quando conheceu o Bida e o convidou para fazer os painéis. O Alceu Pedreira era um verdadeiro mecenas. Ajudou muitos artistas, alguns em começo de carreira, e me recomendou que fizesse uma matéria com ele na coluna que escrevia no jornal A Tarde.
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Uma das ilustrações do disco de Raimundo Sodré. |
Os pais de Bida se conheceram em Periperi e foram morar em
Nazaré das Farinhas e lá ele nasceu. Quando completou uns três anos de idade
seus pais resolveram vir para Salvador e foram morar em Águas Claras, no
Loteamento Nogueira, quase às margens da BR-324. Foi estudar na Escola Clarita
Mariani, que pertencia a um orfanato do mesmo nome, que ele lembra que a sede
tinha um estilo colonial. Hoje a escola é estadual, e não encontrei nenhuma
referência do orfanato que existia na época. O bairro além de ficar distante do
centro comercial de Salvador, era carente de qualquer infraestrutura. Hoje tem
muitos galpões de armazenamento de containers e um forte comércio popular e é
servido pelo metrô. Neste bairro nasce o Rio Jaguaribe com o nome de Rio
Cascão, e se encontra com a Represa de Ipitanga, passando a se chamar Rio
Trobogy e segue seu curso até a Avenida Luiz Viana Filho (Paralela) aí pega o
seu nome de Rio Jaguaribe e deságua na praia de Piatã, no Oceano Atlântico.
O COMEÇO
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Uma obra diferenciada do Bida. |
Tudo começou quando sua mãe que
era cozinheira na residência de d. Eunice Vianna, sobrinha do então governador Luiz Vianna Filho, quando conheceu seu pai que acabara de ficar
viúvo com dois filhos menores para criar no subúrbio de Periperi. Nesta época
sua mãe de nome Maria de Lourdes dos Santos gostava de cantar e foi através do ex-governador Luiz Vianna e sua esposa d. Maria Eunice Viana que ela passou a cantar no rádio e conheceu as principais cantoras da
época como Inezita Barroso, Ângela Maria, Dalva de Oliveira entre
outras. Em seguida foi trabalhar com a sobrinha do ex-governador.Foi ela quem deu as primeiras tintas ao Bida para pintar quando ele já estava com dez anos idade, e sua mãe nãos mais trabalhava com ela.Enquanto isto seu futuro pai Paulo Francisco dos Santos era
casado e tinha dois filhos e trabalhava na Leste Brasileiro, que tinha um
sistema de trens que servia ao subúrbio de Periperi e outros. Também era músico
do Trio Tapajós que animou muitos carnavais na Bahia. Aconteceu que o Francisco
ficou viúvo e conheceu sua mãe e terminaram casando-se.
Sua mãe nunca pensou em se
profissionalizar como cantora foi quando o amor falou mais alto e o casal
decidiu ir morar em Nazaré das Farinhas para cuidar melhor das duas crianças.
Do relacionamento nasceu o Raimundo dos Santos, o Bida. Foi assim que Paulo
Francisco deixou de ser ferroviário para exercer a profissão de pintor
automotivo. Vieram para Salvador morar inicialmente em Águas Claras, no
Loteamento Nogueira, depois se transferiram para o subúrbio de Paripe,
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Obra de Bida "Mulher Sambando." |
perto da
Estrada da Covisa, uma indústria que funcionava no local. O espanhol
chamado de Feliciano, era dono da Casa Chic, no subúrbio de Paripe , e a Renato
Schindler e quando o prefeito Renan Baleeiro resolveu criar o bairro de Fazenda
Coutos tiveram que indenizar sua mãe das benfeitorias que tinha feito no
terreno.Nesta época já moravam na Rua da Alegria que ao fundo tinha um terreno muito grande onde sua mãe plantava e foi indenizada pela Prefeitura. Bida conta rindo da situação que viveu. Aí ele tinha uns cinco anos de
idade e para estudar tinha que andar numa trilha de mata até a localidade de
Tubarão. A escola era pertencia a Raimundo Varela Freire pai do apresentador de televisão Raimundo Varela, recentemente
falecido. O dono da escola era amigo do pai de Bida desde que eles moravam em
Periperi. Hoje a escola é estadual com o nome de Visconde Cairu. Nova mudança e
a família foi residir no subúrbio de Paripe perto da localidade chamada de Casa da
Base, próximo a Base Naval de Aratu, e ele foi estudar na Escola Almirante
Barroso, hoje Colégio Estadual Almirante Barroso, que fica na rua Almirante
Tamandaré, s/n em Paripe. Houve uma divisão do colégio. Uma parte ficou o pessoal da Base Naval em outra os moradores . Bida foi para a Escola Edson Tenório "porque tinha uma quadra de futebol", conta. Terminado o
primário foi para o Colégio Luiz Tarquínio muito afastado de onde morava na Rua
da Alegria, no subúrbio de Paripe. Lembra que andava uns três quilômetros para
pegar o trem por ser mais barato, descia na Calçada e caminhava
mais uma boa distância até o colégio que fica na Avenida Luiz Tarquínio, no
bairro da Boa Viagem. Disse que enfrentou muitas dificuldades.
O APRENDIZADO
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Mulher Tocando Sanfona, obra em execução pelo artista. |
Um
amigo chamado Val Jacaré , não sabe o nome e praticamente perdeu o contato, disse que
se quisesse aprender a pintar fosse para o Pelourinho. Este amigo que o incentivou a vir para o Pelourinho, onde ele está até hoje, tinha um irmão chamado Orlando, que era instrutor da Escola de Menor, Fameb, que funcionava no subúrbio e ele gostava das pinturas e desenhos do Bida. Passou a lhe incentivar dando papéis e lápis e assim o artista foi se formando. Em compensação o Orlando tinha uma dezena de casas alugadas no subúrbio e pedia a Bida para desenhar as fachadas. Era uma criança e fazia letreiros de bar, nomes de casa comerciais nos muros e já ganhava algum dinheiro com a arte. Foi aí que passou a
frequentar a região. Muitas vezes ao invés de ir para o colégio descia na
Calçada e caminhava até o Pelourinho, passando pelo Carmo. Conheceu Palito, que
era perito do Instituto Pedro Melo, o IML, que funcionava no prédio da
Faculdade de Medicina. O Palito também era escultor. Conheceu os
artistas Gildásio Feliciano Costa, o Gil Abelha, já falecido, que teve uma
grande influência no seu aprendizado. Depois vieram Totonho, Babalu, Faróleo,
Nivaldina, Índio, José Tiago, Calixto Salles, Hamilton Ferreira, Pedroso, Luiz
Lourenço dentre outros. Passou a pintar nas ruas e a observar esses pintores
populares do Centro Histórico. Os primeiros quadros vendeu para o padrinho de
um irmão.
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Foto I - Gil Abelha, falecido.(Google). Foto 2 -Bida em seu ateliê , Pelourinho. |
O primeiro contato de Bida com Gil
Abelha foi na Praça da Sé, em Salvador, quando o encontrou ele pintando um
quadro que pegava a igreja da Misericórdia tendo o Palácio da Aclamação ao
fundo. Ele estava sentado num dos bancos da praça. “Fiquei umas duas horas observando,
e pensando na distância que tinha para percorrer para voltar para casa. Fui
pegando amizade e terminei frequentando com assiduidade o ateliê deles que
ficava bem em frente ao Hotel Pelourinho,” relembra Bida. Foi um aprendizado
importante para o Bida e os artistas e em 1986/87 fundaram a Associação dos
Artistas Populares do Pelourinho e seu primeiro presidente foi Wal-Ba, hoje é
museólogo, mora em Brasília e quer fundar o Museu de Arte Naif em Salvador. Aos
19 anos foi um dos diretores desta entidade. Em 1988 teve seu primeiro ateliê.
Este local era ocupado pelo ateliê que Calixto Salles que resolveu pintar em
casa e lhe cedeu o espaço. Aos 20 anos teve o primeiro filho o Ramon Santos, já
falecido. Comprou uma pequena casa e doou a seu irmão mais velho com dinheiro da venda de suas obras. Quando meu filho nasceu já tinha uma casa também comprada com o dinheiro de venda de seus quadros. Nasceu sua filha e comprou
mais duas pequenas casas e passou a alugar.
EXPOSIÇÕES NO EXTERIOR
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Painéis em Marbach, na Alemanha, e Bida falando no dia da apresentação. |
Sua primeira exposição fora do
país foi em 1988 em Córdoba, na Espanha, no Palácio Del Congresso; em 1990
participou de uma exposição com Totonho que levou suas obras ao London Cultural
Center, em Londres, Inglaterra; em 1991 expôs em Munique , na Alemanha, no
Maximilian Universitat ; em 1993, em Madri, na Espanha; em 1994, no Prix
Suisse e Prix Europe de Pinture Moderne, Galeria Pro Art, Kasper Morges, Suiça;
e neste mesmo ano expôs em Miami, na Flórida; 1997 na mostra O Pelourinho
Popular Art From the Historic Heart of Brasil – USA and Canadá ; e neste mesmo
ano no Siena Heights College, em Michigan; na Unique Images Gallery, em St. Paul,
no Hannepin Country Governament Center e no Thomas Charles Salon, ambas em
Minneapolis; em 1998 na Universidade da California – UCLA, em Los Angeles; em
1999 participa da mostra Brasilidade na Galeria Praça do Mar,
Quarteira, Loulé, e na Galeria Nova Imagem, em Lisboa, |
Capa do catálogo da mostra na Holanda . |
ambas em Portugal; 2000
na Galeria da Câmara Municipal de Portimão, Algarve e da mostra Junho da
Lusofonia na Biblioteca Municipal de Alenquer, ambas em Portugal; 2001
participou da mostra Encontros do Sem Fim – Fortaleza de Sagres-Algarve, em
Portugal; da Brasilidade II no Parlamento Europeu, em Bruxelas, na Bélgica. Fez uma palestra na cidade de Washington DC, nos Estados Unidos, sobre o movimento negro na Bahia e pintou ao vivo uma tela de
Nelson Mandela; expôs ainda em Milão, na Itália no Brasil 500 Annin II
Giorni-ExPalalido; na Espanha no Museu Guggenhein de Bilbao; e em
Portugal na Galeria LCR, em Sintra; 2005 mostra Brasilidade na Galeria Geraldes
da Silva, no Porto, Portugal; na mostra From Brazil with Love – Het
Kunstbedriif - Exposities & Workshops – Heemsted – Netherlands, na Holanda
; em 2006 no Rouge Ebene, no Musée des Emaux, em Longwy e depois no Espace
Pitot, em Motpellier, ambas na França; 2013 na Matices de Las Americas, em San
Diego, Califórnia, EUA; 2019 no The Soul of the People of Brasil, em Nova York,
nos Estados Unidos. A partir deste ano participou de outras exposições, porém o
catálogo que tinha os demais registros ele não conseguiu encontrá-lo. EXPOSIÇÕES AQUI
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Bida e os painéis que estão na Estação Rodoviária de Salvador. |
Disse que expôs muito mais fora
do país do que aqui. "Não precisa explicar, porque isto acontece”, queixou-se
Bida. Foi premiado em 1991 na I Bienal do Recôncavo no Centro Danneman, em
São Félix, Bahia em 1º Lugar como Pintor Naif e em 8º Lugar Prêmio Aquisição.
Tem obras em exposição permanente no Museu de Arte Naif no Rio de Janeiro. Em
1988 fez sua primeira exposição aqui na I Expo Natura, Galeria Abrigo da Arte,
Salvador ,depois na Biblioteca Central e na Expo Primavera do SESC/SENAC, todas
em Salvador; Em 1990 no Centro de Cultura Alternativa Pau Brasil e no Hotel
Praiamar, em Salvador; 1991 na I Bienal do Recôncavo em São Félix; 1992 no
Projeto Pelourinho Via Brasil, no Shopping Barra, Salvador e na Eco 92, no Rio
de Janeiro; 1993 Inauguração do Shopping do Pelô , na mostra Plasticidade
Poética, na inauguração do Ateliê Portal da Cor; 1994 na Biblioteca Catalão de
Castro, Salvador; 1996 no II Festival de Artes Visuais do Pelô – Pinte o
Pelô, na II Bienal Internacional Afro-Americana de Cultura
e na Raquel Galeria de Arte, em Salvador; Participou da
mostra Oito Primitivistas Baianos - no Espaço Cultura
Rococó, em BH, Minas Gerais; 1997 Tempo e Temperatura no Grande Hotel; da Barra,
na Raquel e Galeria de Arte e Paletas do Pelô, no Solar do Ferrão, ambas em
Salvador; 1998 na Galeria Pedro Arcanjo, em Salvador e no SPAMED em Lauro de
Freitas, Bahia; 2002 no Hotel Sofitel, Sauipe, Bahia; 2003 Galeria do Solar do
Ferrão, Casa Cor 2003 e Centro Cultural dos Correios – Fundação INAC, todas em
Salvador; 2004 Angola Bahia na Galeria Solar do Ferrão, em Salvador; 2012- 2013
Novidades - Galeria Jacques Ardis, em São Paulo; 2013 Um Olhar sobre a Bahia na
TVE – Tv Educadora, Salvador; 2015 no Lara Hotel, Aquiraz, Fortaleza, Ceará e
Reflexos do Recôncavo ,no Senac, Pelourinho, Salvador; 2016 Estilos -Instituto
de Radiofusão Educativa da Bahia, Exposição Santana Ceia, no Convento do Carmo,
Expoart Primavera, Restaurante casa de Tereza Sala Iemanjá, Exposição Solar das
Artes e Atempo na Galeria Cañizares da UFBA, todas em Salvador.