sábado, 30 de setembro de 2023

PRENTICE O INCANSÁVEL PINTOR DE AZULEJOS

 Prentice em seu ateliê pintando os azulejos um a um com uma precisão impressionante.
A Bahia tem muitas coisas a serem exploradas por nós que moramos aqui e pelos que nos visitam. Confesso que não conhecia o artista popular e pintor de azulejos Prentice Sacramento de Carvalho que ainda aos 83 anos de idade tem uma rotina espartana de acordar bem cedo e ficar até tarde em seu ateliê pintando seus azulejos que já correram o mundo. Homem de fácil comunicação, bom humor e que vibra com sua arte fazendo questão de mostrar o seu museu particular onde está exposta uma série de azulejos de todos os tamanhos e com pinturas as mais diversas. Lá estão pintadas as paisagens de nossa Salvador, as igrejas, as manifestações populares, as tradições religiosas do catolicismo e do candomblé, retratos e murais com passagens bíblicas ou de santos. Ele também contribui para a recuperação de importantes acervos históricos e culturais recriando azulejos danificados pelo tempo, inclusive já fez alguns para a igreja de São Francisco, dentre outros.  Tem uma habilidade ímpar em manusear um pincel nos azulejos lisos e escorregadios e depois de prontos leva ao forno para que a pintura realmente fique fixada naquele suporte.

Ele tem uma variedade espetacular de azulejos pintados.
O Prentice tem o cuidado de registrar e guardar em  pastas fotos e mensagens de pessoas 
e personalidades de várias partes do mundo. Tive oportunidade de ver fotos de integrantes da família real dos Bragança, de xeiques árabes, de mulçumanos, japoneses, de cineastas da Coreia e da Alemanha. Já foi entrevistado por jornalistas daqui e de fora e sempre está disposto a falar sobre sua arte e o que move a continuar pintando seus azulejos. Não tem formação acadêmica, apenas estudou na Escola Técnica Federal o curso de edificações e lá aprendeu a pintar com o professor Tomás Costa, conhecido por Costinha, juntamente com seus colegas as grandes placas de metal que antigamente eram colocadas na beira das estradas. Ele lembra bem que pintou várias placas da Goodyer e da Firestone anunciando seus pneus. Existe até um mercado de placas antigas as quais são colecionadas. Já trabalhou pintando copos de cristais que eram exportados para a Europa, especialmente a Espanha e durante 15 anos numa fábrica de cerâmica em Dias D'Ávila onde era responsável pela produção e concepção artística das peças.

                                                                QUEM É

Foto 1. Lavagem do Bonfim. Foto 2 .Igreja
N. S. Rosário dos Pretos.Foto 3. Telhas do
sanitário pintadas.Foto 3. Um desenho de
casarões de Gaia, cidade de Portugal.


Quando iniciei a minha conversa com ele perguntei se era descendente de italianos ou de outra nacionalidade por causa de seu nome Prentice. Respondeu que sua mãe "escolheu este nome Prentice por causa de um pensador inglês que disse que temos pensamentos de um lado claros e outro obscuros". Foi então que resolvi pesquisar e descobri que o pensador era na realidade o escritor, jornalista e espiritualista norte-americano Prentice Mulford. Segundo a Wikipédia pertenceu ao Movimento Novo Pensamento e tinha uma coluna num jornal popular na Califórnia. Após uma viagem que fez à Europa decidiu viver como um eremita nos pântanos de Passaic. Têm inúmeros livros publicados, inclusive alguns tratando da espiritualidade. Deve ter sido um desses livros que sua mãe leu e gostou do nome a ponto de batizá-lo como Prentice. É autor de um livro chamado Pensamentos são Coisas. Nasceu em 5 de abril de 1834 e morreu aos 57 anos de idade em 27 de maio de 1891.


Foto 1. O artista com descendentes da família
Bragança.Foto 2. Com visitantes japonesas.
Foto 3. Com turistas muçulmanos.Foto 4.
Um azulejo de sua autoria de pescador na
Escadaria Solarón, Lapa, no Rio de Janeiro.
O nosso personagem nasceu em três de agosto de 1940 na Rua dos Ossos, no bairro de Santo Antônio Além do Carmo, centro histórico de Salvador. É filho do dentista Armando Goes de Carvalho e de d. Lindaura Sacramento, ambos falecidos. Fez o ensino primário na Escola Teixeira de Freitas e recorda de suas professoras Ivone e Virginia, esta filha do dono da escola onde estudava. Ele já desenhava e inclusive fazia desenhos para os trabalhos dos colegas. Disse que a professora Virginia informou a seu pai, que sempre ia saber como estava seu desempenho na escola que o seu filho só queria ser artista, embora tirasse notas boas nas demais disciplinas. Foi quando o velho Armando Góes respondeu: “Aí é que está o mal”. Isto porque segundo Prentice “o artista quase não tinha valor naquela época ”.

Em sua casa onde vemos o
imponente portão de ferro
.
Depois foi estudar no Instituto Normal da Bahia, no bairro do Barbalho, em Salvador, próximo onde morava e no quarto ano parou de estudar. Não queria fazer o colegial que poderia ser o Clássico e o Científico, como era dividido na época. Depois de hesitar foi estudar edificações na Escola Técnica Federal, mas o seu desejo era a arte. Desde criança que desenhava e sua ida para a Escola Técnica visava aprender a pintar. Lá conheceu o professor Tomás Costa, o Costinha, que sempre recebia encomendas para pintar placas de propaganda que eram colocadas à beira da estrada anunciando produtos. Passou a trabalhar com o professor e alguns colegas. Recordou que certo dia estavam num andaime pintando uma grande placa da Goodyer quando o colega pediu que passasse para ele o galão de tinta da marca Duncan. Ao passar o galão aconteceu que o colega não conseguiu segurar vindo a cair espalhando tinta pelo salão e atingindo o professor Costinha. O professor ficou furioso e pediu ao diretor que os suspendessem. Depois de avaliar o diretor achou por bem não punir os alunos porque aquilo teria sido um acidente e eles tinham bom comportamento. Lembra também que um dia o professor e grande pintor Presciliano Silva ao ver o desempenho de Prentice disse para os outros alunos “este caboclo ainda vai longe”. A vida seguiu e passou a trabalhar em alguns locais sempre pintando e tem um hobbie que é de montar presépios de Natal. Na conversa que tivemos disse que montou durante anos vários presépios inclusive da Igreja da Conceição da Praia, na Cidade Baixa, em Salvador, onde improvisava uma pequena cachoeira com uma bacia pintada e uma lata de água que ficava atrás e de tempos 
Prentice vendo-se ao fundo o Porto dos Tanheiros.
em tempos tinha que ser enchida. Hoje um simples motorzinho movimenta a água nos presépios e fontes de jardins. Está casado há sessenta e quatro anos com d. Carlota Waldeci Oliveira de Carvalho e tem sete filhos adultos, sendo que cinco deles moram com ele no centenário se casarão na Avenida Porto dos Tainheiros, 70, no bairro da Ribeira, em Salvador. Antes trabalhou na Ponta do Humaitá, pintando copos de cristais e outros objetos utilitários que eram exportados para a Espanha. Depois o dono do negócio que era espanhol resolveu voltar para sua terra. Foi trabalhar na Rua Carlos Gomes também pintando e lá conheceu dois portugueses que eram donos da fábrica de Cerâmica Dias D’ávila que fabricava vasos e outros objetos de faianças. Na região tem muito caulim e argila próprios para serem utilizadas na arte da cerâmica. Atualmente existem várias
fábricas que fornecem blocos, azulejos e outros produtos para a construção civil. Trabalhou na fábrica durante 15 anos e foi morar em Dias D’ávila numa casa cedida por um parente. O Prentice era o encarregado da produção além da parte artística. Lembra que durante alguns anos eram produzidos na fábrica as bases dos filtros Salus que até hoje são tidos como os mais conceituados no mercado. Porém a fábrica enfrentou algumas dificuldades e com a entrada de outros sócios não se reergueu. Um dos sócios portugueses teve um fim trágico e ele decidiu vir morar onde está até hoje pintando seus azulejos e recebendo visitantes de todo o mundo. Você que mora em Salvador e só conhece a delícia do sorvete da Ribeira, aproveite e vá conhecer o ateliê do Prentice que é um verdadeiro museu dos azulejos. A casa do artista está sempre aberta. Ao lado o Prentice com mais alguns de seus azulejos com pinturas de igrejas, paisagens, e de manifestações religiosas e populares da Bahia. Seu ateliê se transformou num ponto turístico e ele recebe as pessoas com muita disposição e afabilidade.

 

 

 

 

 

 

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