sábado, 12 de junho de 2021

O OUTONO INSTIGANTE DE LEDA CATUNDA

Capa do catálogo da exposição 
 Hoje vou falar de uma artista paulista que está inserida nos   grandes circuitos da arte moderna. Não produz uma arte como a   maioria das pessoas está acostumada a apreciar. É uma arte que   rompe com o tradicional, que pode não agradar a um ou outro  , mas que   provoca, instiga. Para falar de Leda Catunda e sua   exposição  Outono ora na Galeria Paulo Darzé , em Salvador,   Bahia,  não é preciso navegar nas águas da Baía de Todos os   Santos, nas alucinações ideológicas de alguns de que vivemos   num  governo autoritário, e muito menos na obviedade de que   toda arte é uma criação. Já sabemos que sem criação não existe   literatura ou qualquer outra manifestação artística, inclusive arte   moderna.
Percorri com Paulo Darzé a exposição olhando cada detalhe de suas obras e  senti que ali foi empregada uma força extraordinária no  ato de criar. Leda costura, cola, pinta, sequencia materiais, superpõe ,ultrapassa os limites do suporte, enfim é uma liberdade total exercida por esta artista de grande talento. Confesso que saí da galeria tendo uma compreensão de quanto uma artista pode expressar toda sua criatividade com uma liberdade total. Outro sentimento que tive foi a vontade de tocar nas obras, muitas das quais são verdadeiros objetos plásticos. O toque cuidadoso faz parte e complementa  o olhar  para sentir mais profundamente  as obras de Leda Catunda ora expostas .

  Quando falamos  em outono lembramos da estação quando  as   árvores perdem suas folhas e começam a  serem levadas  ao   sabor  dos ventos. Primeiro elas vão ficando amareladas  e   começam a cair muitas vezes num ritmo frenético, noutras mais devagar, a depender de cada espécie de árvore. Lembro de ter visto no Central Park, em Nova York ,as trilhas cobertas por folhas amareladas de carvalhos, ciprestes  e de outras árvores típicas da América . É um espetáculo bonito, porque as árvores perdem as folhas para enfrentar o rigor do inverno que se aproxima. Coisas da natureza. 

Artista Leda Catunda
Sempre nos meus vários anos que escrevo sobre arte e artistas deixo claro que não sou um crítico de arte, e sim um jornalista que gosta e registra os eventos de arte. Não busco palavras difíceis, porque tenho como objetivo que a pessoas que se dispõem a ler o que escrevo entendam do que estou tratando . Poderia até usar palavras não muito usuais  no vocabulário da maioria das pessoas, porque tenho conhecimento para isto. Porém , evito. Escrevo com objetividade jornalística buscando a compreensão, e não complexidade da linguagem, a distorção dos fatos, e a mentira como vemos hoje no Jornalismo em todo o mundo, especialmente aqui no Brasil. Pode parecer para alguns algo simplório, que continuem pensando assim.

Mas, vamos falar da exposição  Outono, de Leda Catunda . Estive frequentando durante anos muitas da bienais internacionais realizadas na capital paulista e fora daqui, salões nacionais e locais , já visitei  museus por este mundo afora. Para cada tela, escultura ou outro objeto de arte que olhei sempre procurei examinar com vagar e muitos me emocionaram , outros nem  tanto. Lembro que ao ficar diante da escultura de Davi, de Michelangelo ,  em Florença, na Itália,  senti grande emoção. Sensação indescritível. 

 Céu com Sol, em
 acrílica sobre tecido
O que vejo nas atuais obras de Leda Catunda são resultado ou desdobramento das assemblages  que despertam estranhamento nas pessoas que não estão acostumadas com este tipo de abordagem artística. Ela não usa objetos como brinquedos, peças de máquinas, mas elementos que cria e os dispõe superpostos.  Sabemos que não existem regras para a entrada do artista no seu mundo de criação. As ideias muitas vezes vão surgindo aleatoriamente e os resultados surpreendem até o autor. Quantos quadros, esculturas e outras formas de arte foram destruídos por seus autores por não gostarem dos resultados obtidos? Milhares, temos certeza. Isto demonstra que as ideias vão fluindo e levando o artista para caminhos e soluções nunca experimentados. Ai está o fascínio da criação.

Nas obras expostas  Leda Catunda não utiliza uma variedade de objetos . Vejo que trabalhou com tela e tecidos usando ainda tintas acrílica e esmalte para dar o colorido desejado e deixar que o observador  de sua arte viaje com percepção e sensibilidade neste universo plástico . A princípio pode até lhe causar espanto, mas a tendência é que procure a compreensão, a aceitação ou não. O que importa é que suas obras instigam as pessoas a pensar e a reagir.  

Obra Montanha 
 Criar durante uma pandemia que se abate sobre todo o Planeta certamente haverá alguma influência nas obras a serem produzidas por qualquer artista . É previsível, tendo em vista que estamos todos afetados por este vírus ainda de natureza desconhecida, inclusive da sua origem, embora tenham sido registrados na  China os primeiros casos de mortes. Leda diz que diante deste clima de medo  sentiu que "a pintura plana não era suficiente para expressar ideias, e assim através desses elementos construtivos fui buscando um corpo com uma forma própria para as obras".

Na obra Céu com Sol, tanto o céu quanto o sol são como se fossem detalhes, e os vários elementos superpostos lembram línguas  onde predominam as cores verdes e azuis. Foi produzido em acrílica sobre tecido, e também nos remete a tapetes  de retalhos que estamos acostumados a ver . Mas, esta obra tem refinamento de uma artista que conhece o seu ofício, e também repassa para os jovens os seus ensinamentos perceptivos e o fazer da arte .

Como a leitura de uma obra de arte permite várias interpretações, lembrei da construção de um romance onde o autor descreve seus personagens, e se você perguntar a vários leitores como idealizam tal personagem vamos perceber que cada um cria seu próprio personagem, tais as diferenças de percepção. Esta mesma visão serve para a leitura  das obras expostas pela Leda Catunda.

Defendo a importância das referências e o respeito pelo passado. Não existe presente sem passado. Para acompanharmos a evolução é preciso entender o passado. Nada começa do zero. Vi recentemente movimentos extremistas querendo destruir museus e estátuas de navegadores portugueses e espanhóis. A História tem que ser vista dentro do seu contexto de tempo. Claro que não concordamos hoje com a maneira e as formas desses colonizadores  tratarem pessoas e a própria terra. Mas, temos que ver o contexto e a época. No criminoso incêndio do Museu Nacional, de perda inestimável para o nosso país, li manifestações absurdas de extremistas achando uma coisa trivial o fogo consumir milhares de objetos históricos e de arte. Inclusive o responsável pelo museu era um extremista que está fugido da Justiça. Coisas do nosso Brasil. 

 Tigrão, esmalte  e
acrílica sobre tecido. 
As obras expostas são uma demonstração da presença do passado. Primeiro vieram as pinturas ruprestes nas paredes das cavernas, nos couros de animais , nas tábuas durante a Idade Média , nas telas de tecidos e noutras plataformas todas servindo para os artistas expressarem sua imaginação e sentimento. Já Leda Catunda escolheu o tecido , partindo de um desenho foi colando os elementos que compõem brilhantemente as suas obras.  Parabéns à artista e ao galerista Paulo Darzé por trazer esta importante exposição para nossa Salvador. 

Lembro que nos anos 80 houve um explosão de artistas em todo o mundo fazendo assemblage , que é um termo francês que significa montagem. Assim, os artistas reuniam os mais diferentes objetos de plástico, tecidos, madeiras, ferro e com cola , solda ou até pregos fixavam numa placa de madeira, plástico , tecido ou metal e expunham. É bom salientar que os objetos reunidos representavam algo novo, mas conservavam sua originalidade. 

Quem usou pela primeira vez a assemblage foi o artista francês Jean Dubuffet  que nasceu em 1901 e faleceu em 1985. Era adepto do dadaísmo, que era um movimento vanguardista  surgido no início do século passado. A palavra dadaísmo  vem da palavra dadá que não significa nada, embora aqui no Brasil muita gente tem este apelido afetivo. 

Já o movimento dadaísmo surgiu exatamente em 1916, durante a Primeira Guerra Mundial como contestação aos valores culturais vigentes. Uma das características principais das obras dos dadaistas é que elas são desconexas, sem um sentido aparente, uma forma de protesto contra o absurdo da guerra.



19 comentários:





  1. Reynivaldo, o texto está magnífico, trazendo pra nós, tudo que apreciou na exposição OUTONO, da artista plástica paulista Leda Catunda, com seu trabalho diferenciado em materiais e técnicas, que até então eu desconhecia.
    Da forma como fala desta exposição, descrevendo com tanta segurança, e sensibilidade, nos passou detalhes que só de perto poderíamos observar.
    A impressão que tive ao ler o texto, é que eu também estava presente na galeria de arte, apreciando as obras de perto, vendo alem da beleza das formas, até o colorido deslumbrante.
    Para nós leitores do seu blog, é perfeito, o que traz nos seus textos servem de aprendizados, pois nos traz conhecimentos, com riqueza de detalhes sobre a vida e obras de artistas plásticos, pintores, e também falando sobre as galerias, e colecionadores de arte da Bahia.
    Lendo seus textos, nossos conhecimentos se ampliam, e ainda saímos em busca de saber mais sobre estes, e outros assuntos, alguns até então desconhecidos para muitos , inclusive para mim .
    Você talvez não se considere um crítico de arte, mas é um jornalista que estende muito, traz pra nós nos seus textos comentários enriquecedores, e tem bom gosto para a arte.
    Eu em particular, através deste blog estou conhecendo os artistas, suas obras, outras coisas mais, e isto tem despertado em mim o interesse de buscar mais sobre os assuntos trazidos aqui.
    Continue trazendo seus textos atraentes para nós leitores, e seguidores deste blog.
    O desconhecimento e o desinteresse pela leitura se tornou um fenômeno que estamos vivenciando agora, devido à falta de estímulo, e conteúdo que torne a leitura mais prazeirosa.

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  2. Genilda Braz de Macedo
    Parabéns! Texto maravilhoso! Parabéns.

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  3. Moema Garcia
    Instigante, interessante,
    e bonito!

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  4. Ivo Neto
    Muito bom amigo Reynivaldo parabéns

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  5. Astor Carneiro de Lima
    Em se falando de arte é sempre bom ler e ouvir às vezes os seus comentários Reynivaldo; Acrescenta-me sobremaneira.
    Forte abraço,

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  6. Graça Barreto
    Gosto muito das suas aulas, amo pinturas mas entendo muito pouco, em minhas viagens sempre visito museus e o mais importante é como a minha mente entende os trabalhos

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  7. Edvaldo Gato
    Desejo forte de chegar perto !!!

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  8. Guel Silveira
    Valeu amigo ! Grande aabraço

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  9. Antoneto Souza
    Belissimo texto!!! saúde e paz ✌

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  10. Jorge Nascimento Silva Nascimento
    Meu caro prof. amigo de muitas datas Reynivaldo Brito . A leitora Graça, começa o comentário, agradecendo suas " aulas". Começo o meu agradecimento pelo belo texto, assim TB pois é uma verdadeira aula seus comentários de/ sobre Artes Visuais. Reflete a experiência de anos no jornalismo, vendo as Artes Visuais como um globo, que reflete todas as incertezas e tendências dos "momentos" e movimentos Sociais!! Mais uma vez irmão, parabéns e obrigado pela magnífica aula.

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  11. Jodevania Alves
    Mais uma vez, fico maravilhada com tantas descobertas apresentadas com tamanha sensibilidade.

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  12. Murilo Ribeiro
    Ótimo texto,parabéns! Abraço meu amigo! Exposição realmente instigante , criativa e livre .

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