JORNAL A TARDE, SALVADOR, SÁBADO, 11 DE MAIO
DE 1974
Obra do escultor O Louco |
O escultor Boaventura da Silva
Filho, conhecido por Louco , vem realizando um bom trabalho recriando na natureza. Sua sensibilidade
aguçada e sua força imaginativa lhe permitiram a
execução de esculturas de valor artístico. É um autodidata e incompreendido por
muitos moradores de Cachoeira que chegaram a lhe alcunhar de Louco numa atitude
pejorativa e que terminou por ser adotado como seu nome artístico . Mas de Louco
na expressão da palavra, ele não tem nada. O que tem Boaventura é uma grande
capacidade de criação e imaginação e está acima daqueles que lhe apelidaram de
Louco.
Porém, é de seu trabalho que
desejo falar.Ele está expondo algumas
esculturas na Pelourinho Galeria de Arte. Na sua linguagem simples de homem do
povo o escultor que vive do que produz afirma "não sigo ideias de terceiros para
que minhas peças tenham maior saída. Se tudo o que faço é vendido é porque
trabalho pelo meu gosto, que é o gosto de muita gente."
Diz ainda Boaventura que procura
fazer sempre o melhor em cada trabalho que inicia.Um dos trabalhos que destaco é
uma escultura de 2.80
metros , na qual já empregou mais de vinte dias de
trabalho. Aproveitando velhos troncos de árvores de formas sugestivas,
Boaventura dá-lhes nova vida, num ato de recriação da natureza. Viajando para
Queimadinhas, Itaitá e outras localidades vai recolhendo raízes e troncos
arrancados pelas águas barrentas do Paraguaçu para fazer suas esculturas.
DEZ ANOS
Há dez anos antes de tornar-se
escultor Boaventura trabalhava como barbeiro em Cachoeira, cidade onde reside.
A profissão no entanto não compensava e por isso começou a fabricar cachimbos de
cajá, que decorava com figuras de rostos humanos. Os cachimbos foram expostos
em sua barbearia, sendo muito aceitos e logo vendidos. Então partiu para criar
peças maiores, que foram adquiridas de imediato por um curioso em arte popular,
em Cachoeira.
Daí Boaventura apegou-se aos
temas sacros e não mais parou de esculpir. Hoje, podemos afirmar que Boaventura
é um escultor de talento e amadurecido. Dos rústicos troncos de madeira ele
consegue esculpir figuras com expressões sofridas e os corpos retorcidos. Os
Cristos que ele esculpe refletem no espectador o sofrimento das chagas e
consequentemente todos gostam de seu trabalho.
Ele já tem vários seguidores e
imitadores, tanto em Cachoeira como Salvador. Sobre eles Boaventura não gosta
de falar. Diz apenas que pretende viver e deixar os outros viverem. " O que
desejo é criar a cada hora sem a preocupação com os outros."
Muitas de suas esculturas como a
da foto apresentam uma multiplicidade de figuras com as mais variadas formas de
expressão. Nesta Boaventura respeitou o formato do tronco da árvore que
apresenta três ramificações e em todas elas esculpiu figuras sacras.São boatos e santos que no seu
primitivismo religioso deixa emergir para a madeira.
Talvez a sua falta de informação
e falta de conhecimento de um universo maior tenha determinado uma limitação.
Por isto a religião lhe marcou mais profundamente e seus trabalhos em sua grande maioria tem
conotação com a religiosidade e o místico.
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