JORNAL A TARDE,SALVADOR, SÁBADO, 22 DE NOVEMBRO DE 1975
DEPOIMENTO:
Uma gravura de armar de Emanoel Araújo |
EA- Vamos começar desde 1968
quando surgem as primeiras experiências com relevo na xilogravura. Eu fazia uma
gravura figurativa de cunho heráltico, simbolista, e comecei a geometrização da
estrutura, e relevos.Depois se inicia minha fase
abstrata entre 1969 a
1970 e logo em seguida as gravuras de armar, já uma tentativa além daqueles
relevos gravados. As gravuras de armar se estruturavam no espaço com
interferências do ambiente. A gravura era plana e as interferências de cortes (
matriz) eram feitas com faixas, também gravadas, que projetavam formas no
espaço.Daí a gravura se arma mais
simples ainda, sugerindo o relevo.
Então começo a fazer uns murais
de concreto como uma sugestão que vem da gravura. O relevo e a escultura feitos
por mim nasceram da gravura, inclusive do sincronismo entre a gravura e a
escultura.
R-Como se deu esta passagem ? Foi
uma passagem natural?
EA- A gravura se armou no espaço
de tal forma que o relevo foi uma coisa natural.Daí os relevos de madeira, que
estou expondo no Rio atualmente, foram sugeridos pelos relevos de concreto nos
murais em grandes dimensões que fiz em prédios em Salvador.
O que sempre me interessou foi
fazer gravuras grandes. Isto é, que essas gravuras ocupassem um lugar de
importância na Arquitetura. Uma importância falada, que ela falasse, gritasse,
não timidamente como queria Goeldi, mas que ela tivesse uma importância como
teria a pintura, a escultura. Representa um passo mais longo você utilizar a
Arquitetura ou uma tentativa não de integração, porque esta é uma afirmação
muito complicada, mas de presença da arte na Arquitetura. Então esses murais
para mim são importantes e vitais porque é a maneira que você tem de criar em
grandes espaços.
R-Você concorda também, que além
disto, a arte em grandes espaços ou a arte presente na Arquitetura possibilita
que seja vista e valorizada por um maior número de pessoas?
EA- Claro, a arte ganha maior
dimensão e é uma satisfação para o artista porque aquilo que ele fez está em
constante contato com o público.
R-Como você se sente com a
utilização de novos materiais e também com mais espaços?
EA- evidentemente com esta
tentativa da presença da arte na Arquitetura você trabalha com materiais
utilizados na Arquitetura, que estão em contato com a Arquitetura, e com o
tempo, como o concreto, a madeira a água, a qual utilizei como elemento novo em trabalho. Além
disto utilizei granito.
Quero destacar a água porque recentemente
utilizei água num trabalho que fiz em São Paulo onde entra o concreto e um material que
é extremamente novo, que é vulnerável, se tratando de uma coisa que está em
contato com a água. O que me interessa neste trabalho é a sua união com a água.
Este material é o xaxim que é matéria orgânica viva.
Este xaxim em contato com a água
vai criar elementos vivos ou sejam plantas . Isto vai criar uma
alteração orgânica no próprio trabalho.
É uma espécie de cortina de
concreto com a água que umedece o xaxim e aí os elementos vão se modificando
com o passar do tempo este material é frágil pois dura de sete a dez anos, mas
pode ser substituído. São formas mais ou menos geométricas com possibilidades
de outras pessoas substituírem esses elementos porque as formas e espaços foram
definidos.
R-Como você explica o abandono do
figurativo, o abstrato, passando para o geométrico? Seriam fases?
EA- Não sei dizer se por muitas
fases.Como jovem artista passei por
algumas delas.Melhor dizendo, uma procura.
Quando fiz minha primeira exposição no Rio de Janeiro eu estava mais ligado a
atmosfera local. Estava revendo há pouco coisas antigas e pude verificar que
elementos que apareciam hoje são repetições de coisas feitas em 1968. Esses
elementos vão e voltam na medida que você amadurece, que você envelhece e busca
mais. É o reencontro que o artista busca em outras linguagens.
R-Como Emanoel Araújo vê os
múltiplos?Sua importância para o
desenvolvimento do mercado de arte brasileira?
Escultura Aranha de Emanoel Araújo, 1981 |
EA- Já fizeram muitas tentativas
de múltiplos. A gravura é o mais antigo múltiplo na História da Arte. Ela
sempre foi feita com o objetivo de alcançar um maior número de pessoas. As
tiragens sempre proporcionaram a arte a preços mais acessíveis. Quero destacar
que a gravura brasileira surgiu de uma gravura de reprodução como aconteceu na
Europa. Ela surgiu com os gravadores fazendo só gravuras com um público que não
acompanhou o movimento, dando sua devida importância.
Vale destacar que o movimento dos
gravadores, uma das coisas mais importante das artes do Brasil. Isto é muito
engraçado pois talvez seja o Brasil que tem
um número maior de gravadores importantes. O público talvez tenha ficado
alheio porque o público não era atingido pela gravura de reprodução.
Então a gravura surgiu como
experiência, basta lembrarmos Carlos Oswald e Lívio Abramo.
Eram puros gravadores, que
gravavam suas chapas, fazendo sua impressão, que lutavam sozinho fazendo sua
tiragem. Assim este material nasceu caro e não chegava ao público.
-Este movimento é importante
porque a classe média pode adquirir um múltiplo a preços mais acessíveis a arte
alcança um maior público.
R-Dizem que existe no Brasil um
preconceito contra o papel , é verdade?
EA- No Brasil existiu um
preconceito contra o papel, que foi sempre um elemento rejeitado. O público que
compra uma gravura é quase o mesmo que compra a pintura, que compra o quadro de
Di Cavalcanti por CR$ 80 mil cruzeiros, e pode comprar uma gravura, dez ou
vinte por CR$ 2 mil cruzeiros. Nunca existiu no Brasil como existe na Europa e
nos Estados Unidos um público que só compra gravuras.
R-E o desenvolvimento da gravura
brasileira?
EA- Acho que a gravura brasileira
tem vários estágios e cada um deles com a sua importância no seu tempo. Um
tempo heróico foi o de Goeldi, um intimista, um homem muito mais ligado ao
expressionismo e sua formação europeia, um homem que fazia sua gravura pequena,
com a preocupação de guardá-las em pastas, muito delicadas. Depois em
continuação surgem os seus alunos. Outro estágio seria a primeira manifestação,
que considero mais importante que é a chegada de Fred Lander com seu trabalho
no Museu de Arte Moderna, quando surge Fayga, Ana Letíca e outros gravadores.
Paralelo a este movimento há um em São Paulo iniciado por
Lívio Abramo já com outro tipo, mas intimista, impresso a mão, delicada e
frágil.
O grande momento da gravura de
metal brasileira, quando o metal começa a ser estipulado. É outro estágio onde
aparecem novos gravadores, com gravuras de maiores dimensões. Na Bahia Havia um
movimento importante, embora nunca chegou a dar o seu grito porque houve uma
dispersão. Não podemos negar a importância da gravura das pessoas que foram
orientadas por Mário Cravo, e logo depois, por Henrique Oswald, mas como sempre
fui rebelde, ela ganhou outra dimensão pelo constante contato que venho com o
eixo Rio-São Paulo, que é de suma importância para um jovem artista, para um
artista que começava. Ainda mais, a gravura que se fez aqui, que se criou aqui
deu uma contribuição nova à gravura brasileira porque fizemos uma gravura de
madeira impressa em prensa de metal.
Tirávamos a fragilidade do papel
japonês e a impressão de colher a mão. Este papel tem mais resistência e nos dá
possibilidades de fazer trabalhos com maior dimensão e de seu uso ao lado da
Arquitetura.
No Brasil não há um preconceito
contra o múltiplo e sim contra o papel. Isto é muito curioso porque está
provado que o papel é um dos mais resistentes que a própria tela. Lembremos que
vários desenhos de Da Vinci estão bem conservados e foram feitos em papel,
enquanto as suas telas já chegaram a ter 400 restaurações.
O papel, evidentemente, tem que
ser cuidado e uma pessoa que adquire uma gravura deve ter a consciência que ela
não pode estar exposto a luz ou ao sol.
Emaneol diante de uma escultura de sua autoria num espelho d"água |
R-O que acha da responsabilidade
com relação a limitação exata da tiragem? Das tiragens irregulares?
EA- Creio que um artista que
assina e enumera suas gravuras deve ter a responsabilidade de manter isto.Se ele não mantém, não é um
profissional digno. Se isto acontece é lamentável, mas deve ser por falta de
informação. Não creio que ocorra com frequência. Foi definido num congresso
internacional o que seria uma gravura original, uma gravura reprodução,
tiragem, provas, etc. O gravador tem por direito fazer uma tiragem o que se
pode chamar comercial numerada de um a dez, por exemplo, e de tirar várias
provas que equivalem a um número total. Tira provas dos estágios de impressão,
prova de artista e a final, e depois, as que serão comercializadas. Há
essa possibilidade e por isso não vejo como se trair. Esta traição será mais a
ele próprio, ao seu próprio trabalho.