quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

OS PEIXES DE UM ARQUITETO QUE É NAVEGADOR E PINTOR - 22 DE AGOSTO DE 1988


JORNAL A TARDE, SALVADOR,  SEGUNDA-FEIRA 22 DE AGOSTO DE 1988

OS PEIXES DE UM ARQUITETO QUE É NAVEGADOR 
E PINTOR
O nome é difícil de pronunciar e de escrever, embora, aparentemente, seja leve. Aparentemente, porque Lev Smarcevski é um siberiano de Krasnaiavski com cerca de 1m90cm e muito peso. Arquiteto e navegador. Pintor e escultor.
Amigueiro e, segundo garante Floriano Teixeira, é um bom contador de estórias. Depois de ser e de fazer tanta coisa, de vez e para sempre, pintor e baiano, o marinheiro ancorou no seu irremediável ofício, sentencia Jorge Amado, seu amigo e grande incentivador. Realmente, ao examinar as novas pinturas de Lev, a gente sente prazer em descobrir os espaços percorridos por largas-faixas entrecortadas por linhas brancas em forma de xadrez, onde temos a sensação primeira de que estamos diante de um aquário a observar peixes que se mexem de um lado a outro, com seus grandes olhos vermelhos circundados por um circulo escurecido. Diante de efeitos especiais de luz e cor o aquário vai se transformando. De repente o azul vibrante é substituído por uma cor mais tênue, para, em seguida, tornar-se mais escurecida. Neste instante parece que descemos mais ainda ao fundo do aquário atraídos por esta fantasia do siberiano que aqui aportou e nunca mais nos deixou.
Diz Carlos Eduardo da Rocha que "como um decorativista atraído pelos aspectos mais belos e agradáveis da natureza, como concretista manejando sólidas massas e figuras ordenadas para a sua construção, ou ainda somando-se a natureza revela-se ainda algumas vezes um verdadeiro expressionista."
Esta exposição de Lev Smarcervski no Escritório de Arte da Bahia, que fica no térreo do Salvador Praia Hotel, em Ondina, merece ser vista pelos jovens artistas pela lição de modernidade, e pelo talento do artista que nos surpreende com uma temática já trabalhada por um número interminável de artista e ele ainda esnoba criatividade. Lev soube captar em suas telas a essência do elemento que elegeu para trabalhar e através de sua contribuição criativa consegue emocionar. Na verdade uma pintura gestual, mas formada de gestos controlados, como um maestro a compor uma nova partitura. Cada nota ou cada traço está no lugar certo, porque nesta sua fantasia musical afinação é essencial.
Outros amigos do artista como Calasans Neto, Fernando Coelho ainda falam de sua exposição, Floriano preferiu brincar com o seu amigo tinhoso. Confesso que conheço do Lev de longe, mas tenho acompanhado há anos o seu trabalho de arquiteto e pintor, e também suas aventuras de navegador. Sei que está voltando à pintura. Sua última exposição de pintura foi em 1982, em São Paulo.
Revela o artista que sua pintura está mais marcada pela emoção, neste quadrante da vida, e que esta é uma das razões de ter organizado mais outra mostra. No mais, vejo o trabalho quase que caligráfico, com um tema, os peixes, e mesmo não conseguindo chegar a uma abstração toral, uma busca neste sentido. Minha pintura continua organizada e a crio pelo prazer, sem ismos. É o que me deixa satisfeito, concluiu o siberiano Lev, que hoje é certamente mais um envolvido pelo feitiço baiano.

OS ESPAÇOS GEOMÉTRICOS DE ROGÉRIO NA 
GALERIA O CAVALETE
Reconstruir, óleo sobre tela e colagem 
 Está expondo na Galeria O Cavalete a exposição do artista alagoano Rogério Gomes um construtor de espaços coloridos, que se espraiam sobre as telas em combinações equilibradas. O rigor do traço demonstra que o artista é meticuloso na sua arte, que nos conduz a espaços arquitetônicos, onde os materiais são escolhidos através de critérios rígidos de qualidade. Em certos momentos nos deparamos com  fachadas abstratas de, noutros são corredores ou paredes que nos dão ideia de volume.
Tudo quieto como se o artista ainda estivesse diante da sua tela dando os últimos retoques para uma posterior ocupação pelos olhares daqueles que vão examinar cada elemento.
Conheci Rogério em Maceió quando estive juntamente com o pessoal do Projeto Nordeste. Lá pude também sentir a sua preocupação em criar um espaço junto à Universidade Federal de Alagoas para exposição permanente de algumas obras, que no futuro irão formar a Pinacoteca daquela instituição de ensino, Rogério Gomes , além de professor da própria universidade tem este lado de animador cultural. Gosta de promover eventos e participa ativamente de movimentos culturais em sua terra.
Aqui ele está participando de duas exposições. Já falei na semana passada da exposição no Museu de Arte Moderna onde ele expõe ao lado de David Largman, Jadir Freire, e Mário Azevedo. Por falar em David Largman recebi um telegrama do artista agradecendo o artigo que escrevi falando da exposição que tem o título Quatro Vozes.
Suas telas são paisagens de um mundo imaginário, asséptico onde o artista transita com o olhar voltado para suas fantasias. Numa delas que integra o catálogo-convite da exposição podemos observar que um elemento até nos lembra uma parede forrada de mármore. Noutras as cores são chapadas e fortes e parecem guardar segredos por trás daquelas cores vibrantes. Neste cenário urbano geométrico Rogério Gomes chega a Salvador com uma exposição de qualidade que merece ser vista e confrontada com outras que temos visto por aí.
Certamente encontraremos divergências estéticas e qualitativas. É um artista que tem boa técnica, aliada a um embasamento cultural que lhe permite discorrer e decodificar os elementos que manipula para construir suas cidades desabitadas.
Cada tela é como se fosse um corte de um espaço urbano onde Rogério retira a figura para ocupar os espaços através de exercícios geometrizantes.
Mesmo com a ausência da figura humana sua pintura é intrigante e não nos permite passar despercebida. É um jogo de elementos que nos toca de perto e nos permite aflorar com nossas fantasias em busca de um pouco de paz, de tranqüilidade mesmo, neste mundo onde os espaços são propriedade de minorias, e que se permitem mantê-los ocupados ou desocupados.

OS DEUSES AFRICANOS NA OBRA DE FRANCISCO 
DOS SANTOS
Os Deuses em Elegibô é o nome da exposição que o artista plástico Francisco dos Santos vai apresentar a partir do dia 26 na Galeria Cañizares, no Canela.No vernissage será apresentado um número de dança afro, onde podemos sentir a preocupação do artista com suas raízes negras. Este baiano de Santo Amaro cria figuras que parecem em pleno estado de transe onde os escolhidos dos orixás costumam balbuciar palavras incompreensíveis e são envolvidos por gestos que contribuem para criar um clima de emoção.
São 18 trabalhos em óleo sobre tela que Francisco reuniu para esta exposição. Lembra Erivaldo Veiga que " a arte reflete a ambiguidade do quadro social em que vive o artista: as existências de um resgate do elo primitivo, étnico, perdido, a televisão, a ficção, a velocidade, a pobreza entre a opulência e a tecnologia. Os orixás dos seus sonhos, dos sonhos de Francisco, se paramentam com capacetes e braceletes metálicos reluzentes lembrando guerreiros intergaláticos com tudo isso mesclado com os tradicionais fetiches, chifres, espadas, otás e machados. Assim, consciente ou não, sua arte é dialetizada e histórica ou pertencendo a um tempo explosivo."
Na verdade é um artista que nos mostra uma arte cheia de emoção, mas que prima pela simplicidade. Suas figuras tem bons movimentos e expressividade, mas ainda gravita com elementos marcantes pela singeleza ou ingenuidade com preocupação com o figurativo. É uma pintura autêntica, como disse o saudoso mestre Réscala.

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