JORNAL A TARDE, SALVADOR, 13 DE MAIO DE 1985.
RELAÇÃO DA OBRA DE POTEIRO COM O CORDEL
Entrevistando Antônio Poteiro quando ele veio expor em Salvador. Uma figura inesquecível. |
Um pote de autoria do artista |
O
PINTOR
Uma bela obra de Antônio Poteiro |
Suas
origens populares estão a olhos vistos. Não vê, quem não enxerga. O velho Poteiro lembra um seguidor de Antônio Conselheiro. É pintor por insistência de
seu amigo Siron Franco, e foi no atelier de Siron, que poteiro teve a
oportunidade de conhecer uma tela branca e as tintas industrializadas usadas na
pintura.
Hoje,
é difícil saber se o Antônio Poteiro ceramista é melhor do que o Antônio
Poteiro pintor. No meu entendimento o artista Antonio Poteiro é bom nos dois
ofícios. Já chegou inclusive a fazer algumas esculturas em madeira. “Mas não
fui adiante, confessa e arremata: o meu forte é o barro. Gosto de meter os
dedos no barro e vou criando as minhas figuras para compor minhas estórias”.
Poteiro faz cerâmica como estivesse escrevendo uma estória, mista de verdades e invencionices.
Você não sabe onde começa e termina a verdade e a fantasia. Este jogo é muito
gostoso da gente tentar decifrar. É um verdadeiro quebra-cabeças construído em andares. Algumas
de suas cerâmicas têm mais de dois metros de altura.
BARROCO
X CARAJÁ
Antônio Poteiro ,ao fundo uma obra |
Esta
estória ingênua e cheia de profundidade é uma amostra do universo de Antônio
Poteiro. Ele “foi formado no mundo” e captou as coisas da roça e a
religiosidade difusa do povo.
Diz
ainda que existem muitos personagens que gravitam em seu universo. Como o
Cabral, que era um sujeito que pedia esmola em Goiânia. Segundo
conta, era um grande fazendeiro que foi mordido por uma cobra urubu. Esta
cobra, ensina Antônio Porteiro, tem uma cruz na testa e mata as pessoas com
muita rapidez. “Cabral tinha duas feridas nas pernas que agente via o osso”.
Mas
Antônio Poteiro não fica apenas em Cabral. Tem ainda João Trapo, que era sargento, e
lutou na Itália e ficou doido. Tinha oito casas de aluguel e vivia pedindo
esmolas pelas ruas. Vestia-se de trapos, daí o seu nome. “Uma vez paguei uma
pinga para ele e me contou todas suas bravuras lutando contra o nazismo”.
VERDADES
E FANTASIAS
Portanto,
estas estórias, fruto de verdades e fantasias, resultam em cerâmicas e pinturas
originais. “Tenho mais recurso na pintura, porque a cerâmica é mais limitada
para multiplicar as minhas figuras. Na pintura eu posso colocar várias
estórias, enquanto que na cerâmica tenho dificuldade.
O velho Antônio Poteiro com duas obras de sua autoria |
Estou
é defendendo, porque mulher é a forma, é quem faz tudo. Sem elas a gente não
existia”. Realmente é difícil de entender a relação entre mulher loira e o
diabo.
Perguntei
a Poteiro se já teve alguma mulher loira, se brigou ou foi abandonado por uma
loira. Ele simplesmente riu e balançou a cabeça em sinal negativo.
Logo
em seguida falou de um projeto que pretende executar. É um grande mural
composto de três grandes segmentos. Vai representar o Deus Construindo, Diabo
construindo e, finalmente, Homem Destruindo. E diz: “Deus com uma pomba branca
o Diabo com um urubu e o homem destruindo tudo. Homem é pior que o Diabo.Mata
tudo, gato, animais e o urubu não é preto”?, pergunta.
Neste
mundo rico em estórias, elementos e traços da cultura popular vive e trabalha
um homem de idéias simples, mas que tem uma força interior muito forte. Esta
força explode em cerâmicas e pinturas que devem ser vistas com cuidado, fazendo
uma leitura detalhada de casa secção, para que se chegue perto daquilo que
Antônio Poteiro escreve quando faz cerâmica e pintura. Escreve estórias dessas
que a gente está acostumado a ler nos livrinhos de cordel. Poteiro
é um artista plástico que faz cordel.
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