quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

O GRAVADOR CALASANS NETO É TAMBÉM UM BOM PINTOR - 24 DE SETEMBRO DE 1984


JORNAL A TARDE, SALVADOR, 24 DE SETEMBRO DE 1984 

O GRAVADOR CALASANS NETO É TAMBÉM UM BOM PINTOR

O artista Calasans Neto tendo ao fundo algumas telas que estão expostas no Rio de Janeiro.
As cabras esguias que habitam as pedras de Itapuã, os pássaros noturnos e as dunas que beijam as águas misteriosas da Lagoa do Abaeté são presença na obra de Calasans Neto que ora realiza uma exposição no Rio de Janeiro, na Galeria Antônio Bandeira. Conhecemos Calasans, o gravador, o ilustrador de livros de Jorge Amado, o cenógrafo de filmes de Glauber Rocha e Rui Guerra. Mas, o Calasans pintor é o prosseguimento deste artista que saiu à procura das cores fortes para expressar toda a fantasia que envolve os personagens que ele cultiva no Território Livre de Itapuã.
A princípio podemos afirmar que não existe em Calasans a preocupação imediata em reproduzir uma paisagem. Ele utiliza uma simbologia rica, simplificando as formas dos personagens que convivem com a sua fantasia há vários anos. A gravura deu-lhe a disciplina que transparece na pintura, onde suas figuras parecem que não foram feitas a pincel e sim talhadas. Calasans para pintar como que utiliza as mesmas ferramentas para fazer uma gravura, qual a identidade dos personagens, nas formas e posturas. O traço é o mesmo, firme e definido.
Existe a preocupação com sua identidade geográfica. As figuras não são folclóricas, como podem parecer àqueles que não conhecem de perto a obra de Calasans Neto.
Elas não são impróprias e sim simbólicas. Alguns frutos da imaginação do artista que cultua o seu pedaço de terra dentro do Território Livre de Itapuã.
As cores fortes revelam também a tropicalidade baiana, onde o sol reina quase todo o ano, e as nossas praias estão sempre cheias de personagens que buscam a cor da morenice brasileira.
É verdade que o próprio Calasans afirma não existir um sentido paisagístico geográfico na sua obra.
Mas o uso de personagens reais e simbólicos dá a locação exata de Itapuã e Abaeté. Talvez seja até um protesto pelo que vem ocorrendo na área, enquanto os governos vão se sucedendo.. As dunas são danificadas pelos construtores que retiram a sua areia branca para construir novos espigões de concreto, a vegetação é dizimada por invasores e a fauna está desaparecendo pela presença dos depredadores.
Calasans assiste a tudo isto e ouve dos seus vizinhos o que está ocorrendo no Território Livre de Itapuã. Se continuar esta depredação desenfreada não será mais livre dentro de pouco tempo. E o protesto vem através da sua obra.
Um protesto muitas vezes tão sutil que algumas pessoas não percebem. Neste protesto ele escolhe entre a gravura e a pintura a que melhor vai expressar o que está sentindo naquele momento. Portanto, Calasans está atualmente dividido entre as ferramentas da gravura e o pincel. Na gravura predominam o preto e branco e na pintura as cores fortes.
Ele expõe 17 telas dividas nos tamanhos de 1 m x 1m, 1m x 50 cm e 80 cm X 50 cm que custa de Cr$700 a CR$3 milhões.
Calá ou Mestre Calá recomeçou a pintar há um s quatro anos, depois de trabalhar por um período com certo cuidado para impor-se como pintor. No entanto, acho que o Calasans gravador e o Calasans pintor se identificam perfeitamente. Não consigo, por mais que me esforce fazer uma grande distinção. Quando pinta Calasans está gravando. O traço é o mesmo e de repente lembro-me das ferramentas com que tanto se identifica. Sei que na gravura quase sempre o preto e o branco dominam e que o home4m aparece como elemento principal. Quanto aos quadros a óleo as cores são fortes e são as cabras, pássaros e outros animais alados a sua temática.  A apresentação do catálogo desta exposição é de Sônia Coutinho, ela diz em certo trecho: Quando a ninguém ocorreria cobrar de Calasans Neto alguma coisa além da continuidade desta obra já importante, eis que ele vem de mansinho e explode numa nova fase de descobertas, abrindo perspectivas e caminhos, em pleno pique de crescimento.
Começava para ele uma nova fase, era a fase pintura de Mestre Calá, como é carinhosamente conhecido na Bahia. “Onde além de grande artista, tornou-se uma das grandes figuras humanas da vida da Cidade”.

MURILO NOS APRESENTA OS ASTRONAUTAS NORDESTINOS
Astronautas Nordestinos do pintor alagoano/baiano Murilo
Você já imaginou um astronauta nordestino? Esquálido e ferrenho crente em deuses e santos? Claro que não. O astronauta é um super-homem capaz de vencer a solidão dos espaços infinitamente azuis e chegar sorridente falando a língua dos conquistadores, e trazendo no ombro uma pequena bandeira com muitas estrelinhas ou as figurinhas da foice e martelo. Esta simbologia das bandeirinhas se confunde com os mesmos mecanismos de dominação e opressão traduzidos numa forma mais consistente com as ideologias que provocam tanta desgraça neste mundo conturbado.
Mas os Astronautas Nordestinos não são conquistadores e sim conquistados, espezinhados pelos senhores das cidades e donos da terra. São obrigados a voar porque não tem como sobreviver nem mesmo nos períodos chuvosos e assim partem desorientados sem carregarem a simbologia das ideologias, mas levam consigo as marcas da fome e da miséria e a desorientação do abandono. São viagens sem fim, aliás, são fugas para o desconhecido e muitas vezes ficam pelo meio do caminho por total falta de forças. Não tem apoio logístico dos supercomputadores. Não são heróis e, sim, vítimas de estruturas falidas onde o pode do lucro massacra suas vidas. Também não são ovacionados pelas multidões e não comparecem aos palácios para receberem medalhas e diplomas. Eles habitam os cortiços e as invasões nas grandes cidades, e quando conseguem retornar são recebidos com tristeza e não com alegria.
São estes astronautas que a partir do dia 27, às 21 horas estarão na Galeria O Cavalete, no Salvador Praia Hotel, trazidos por Murilo, que considero um dos mais fortes nomes surgidos ultimamente nas artes plásticas baianas.
“Ele vai nos mostrar os seus mais recentes trabalhos sob o título Astronautas Nordestinos, com apresentação de Wilson Rocha que diz em certo trecho:” Oriundo do espanto de nossa ancestralidade, da força da cultura nordestina, é uma pintura essencialmente espetacular como narração figurativa” e do escritor Claudius Portugal “Sua pintura é um sentimento e a visão do dia a dia, a espinha na garganta, a marca de uma personalidade, a história de cada um de nós vivendo o seu aqui e agora. Estamos a realizar com nossas ações e omissões”.
Murilo nasceu em 1955, em Penedo, Alagoas, transferindo-se no mesmo ano para Salvador, Bahia, e como autodidata começou a pintar em 1970. Cinco anos mais parte ingressa na Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia. De sua vivência atual entre Salvador e Nazaré das Farinhas surgem suas figuras e suas cores, uma pintura de contador de histórias populares, narrativas do povo, o desenvolvimento de um trabalho como uma proposta de vida.
“Minha pintura é o que sinto e vejo. É a minha história num determinado momento. É a história do meu tempo. Meus personagens são embrutecidos pela vida, e sentem medo. O medo do escurecer da tarde, do clarear da manhã, e o medo moderno: medo da violência nas calçadas, medo de ladrão dentro do quarto, medo de se atirar pela janela...”

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