sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

A CIDADE DA BAHIA DE MÁRIO CRAVO NETO -08 DE OUTUBRO DE 1984

JORNAL A TARDE, SALVADOR, 08 DE OUTUBRO DE 1984

       A CIDADE DA BAHIA DE MÁRIO CRAVO NETO
Na capa do álbum uma foto onde aparecem uma mulata e um homem negro 

 É de manhã e as águas mansas do Atlântico acalentam com o balançar suave de suas pequenas ondas os barcos e as jangadas dos pescadores. Eles estão em pleno mar entoando as suas canções antigas, chamando os peixes, que trarão em suas embarcações para o banquete aqui na terra. As baianas descem as ladeiras com seus tabuleiros repletos de comidas de “santo” com destino a seus pontos”, onde os fregueses diariamente se multiplicam para um papo rápido e saborear uma acarajé, um abará ou uma cocada preta. Nas feiras de São Joaquim e Sete Portas e nos muitos mercados espalhados pela cidade estão expostos os frutos do mar e da terra que são o sustento de muitos que os comercializam ou os consomem.
Durante a noite sopra um vento gostoso. É hora dos cabarés abrirem suas portas! É hora de movimento no Maciel, na Ladeira da Praça e nas boates mais sofisticadas e agora, mais recentemente, nas danceterias que abrem suas portas para receberem os últimos boêmios, os marinheiros que acabam de desembarcar e os jovens ávidos em busca de emoções.
Esta Cidade do Salvador, ou melhor, esta Cidade da Bahia recebe a todos com carinho e do seu ventre nascem pretos, brancos amarelos e caboclos que são acalentados no mesmo espaço.
Uma convivência fraterna, embora a pobreza esteja espalhada por todos os cantos. Aqui, não só as pessoas se misturam numa miscigenação invejada em todo o mundo. Também as religiões estão mescladas e Deus é Olorum, Senhor do Bonfim é Oxalá, santa Barbara é Iansã e assim por diante.
Mesmo sendo uma cidade pobre e sofrida, sua gente é hospitaleira e acima de tudo festiva.Dança todos os dias e a partir do dia 29 de novembro a cidade ganha um aspecto de festa de São Nicodemos ou do Cachimbo, com os trabalhadores do Porto homenageando seu padroeiro e só vai terminar na Quarta-Feira de Cinzas. Tem festa de largo em Itapuã, Pituba, Rio Vermelho, Pilar, Boa Viagem, Lapinha, Ribeira e no Carnaval é a explosão de alegria!
É nesta cidade da Bahia, mágica e misteriosa, pobre e festiva, alegre e sofrida que o fotógrafo Mário Cravo Neto vive e enaltece com a sua sensibilidade aguçada os detalhes que enriquecem o seu trabalho. Seu novo álbum de fotografia apresenta inicialmente algumas fotos onde o mar reina em toda a sua plenitude. A ligação desta cidade com o mar, desde os tempos ido dos descobridores demonstra sua vocação de marinheiro que tão bem foi destacada por Pancetti ao pintar como ninguém as nossas praias.
Cansado de tanta alegria
Depois de Pierre Verger, que fixou em suas belas fotos em preto e branco a Bahia de anos atrás, agora, o Mário Cravo Neto ou Mariozinho nos apresenta A Cidade da Bahia de hoje, que guarda o seu passado, mas está muito sofrida em seu presente. Mesmo assim sobrevive com a dignidade de alguém predestinado a enfrentar o abandono e maus tratos daqueles que deveriam tratá-la com muito carinho e cuidar bem das suas feridas.Mas, a cada renascer do sol ao longo do horizonte, refletidas nas águas límpidas do seu mar, a Bahia surge com mais força e alegria.
Uma alegria difícil de ser entendida e o visitante só encontra explicação quando conversa com sua gente que abre os dentes ao primeiro contato. Um riso largo, deixando muitas vezes aparecer as marcas de sua pobreza, por total falta de dentes. Esta gente que não acredita muito na promessa dos políticos, que está alheia ao processo sucessório continua á beira da praia comendo caranguejos, tomando sua cervejinha gelada e banhando seus corpos brancos, morenos, mulatos e negros nas águas deste mar azul.
A expressão da dor
Como diz Jorge Amado na apresentação do álbum jade  da Bahia, de Mário Cravo Neto: “No alto da montanha, da Praça Castro Alves, o poeta no monumento estende a mão libertária e aponta o mar embaixo, de um trapaceiro azul subitamente verde,  onde as veias e saveiros se abrem ao vento numa aventura renovada cada manhã.

Noutro trecho afirma Jorge:
“Essa é a minha cidade, e em todas as muitas cidades que andei eu a revi num detalhe de beleza.Nenhuma assim, tão densa e oleosa. Nenhuma assim para viver.Nela quero morrer, quando chegar o dia. Para sentir a brisa que vem do mar, ouvi á noite os atabaques e as canções dos marinheiros. A Cidade da Bahia, plantada sobre a montanha, penetrada no mar”.
O lançamento do álbum A Cidade da Bahia, de Mário Cravo neto, será no próximo dia 10, ás 18h30min, no Desenbanco. Também haverá o lançamento em São Paulo, numa livraria da capital paulista.

A UNIÃO ENRIQUECE O FOTOBAHIA

Agora, Fotobahia não significa somente uma exposição anual, que vem se realizando ininterruptamente, desde 1978. Daqui está nascendo uma proposta inédita e única, em todo o País. O Grupo de Fotógrafos da Bahia é o Fotobahia que se transforma em uma ação permanente, profissional, cultural, experimental e humana, onde a fotografia é o princípio de tudo. O homem é o objetivo maior e todo o trabalho começa na Casa Fotoviva, em Ubaranas de Amaralina, onde a idéia nova do Fotobahia está frutificando agora, todos os dias do ano.
Projetando um trabalho de ação política, social e, principalmente, de educação, o Fotobahia realiza, além da exposição e seminário em novembro, um grande número de atividades permanentes na Casa Fotovia, como as oficinas de aprimoramento técnico e profissional, reuniões de debate, experiências no laboratório, estudos e pesquisas, além de uma ação em defesa do fotógrafo, especialmente no que diz respeito á regulamentação profissional, direito autoral e outros. E tudo é aberto para quem quiser participar, seja amador ou profissional.
O rádio de pilha e a máquina fotográfica,
irresistíveis. Foto de  Carlos Santana
A idéia de avançar além da exposição anual vem amadurecendo ao longo do tempo. As pessoas começaram a se unir, a descobrir que juntas poderiam fazer muito mais. Depois, veio a constatação de que a exposição começava a se esgotar nela mesma. Por isso, a mostra desse ano será a última de um tempo antigo, ou a primeira de uma nova fase.
Então, está acabando, entre os fotógrafos da Bahia, o tempo das estrelas. “Nas oficinas, fazendo um trabalho conjunto dentro do laboratório, aprimorando técnicas, discutindo outras novas, descobrimos que a união brilhava mais que as estrelas individualmente” observa Adenor Gondim.
Foi a partir dessa união que o Grupo de Fotógrafos da Bahia, Fotobahia conseguiu gerar o fortalecimento do projeto, tornando a Casa Fotovia um espaço aberto para quem quiser chegar e sair, a qualquer tempo
“Antes”, como lembra Manu, “não havia consciência entre nós de que podíamos fazer isso. Nos reunimos aqui, trabalhamos, discutimos, estamos aqui todos os dias e descobrimos que o que era impossível antes agora é real. Fazemos a participação com liberdade”.
Rino Marconi explica que se desenvolve uma relação entre a ação profissional e o papel de cada um como homem, buscando-se sempre estabelecer, através da discussão e de análise, a igualdade humana e profissional. “Com a exposição, tínhamos apenas a nossa reafirmação como artista. Aqui, podemos transformar o processo de educação, desenvolvendo-o através do trabalho. Com uma relação mais interior, podemos aproximar mais a fotografia do público, que receberá um produto mais útil, mais limpo”.

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