sábado, 24 de novembro de 2012

A ARTE PRESENTE NUM FESTIVAL QUE PASSOU - 13 DE FEVEREIRO DE 1984

JORNAL A TARDE SALVADOR, 13 DE FEVEREIRO DE 1984.

A ARTE PRESENTE NUM FESTIVAL QUE PASSOU

Arembepe, um lugar próprio para manifestações artísticas integradas com a natureza.
Arembepe, o paraíso dos hippies da década de 70, foi palco, recentemente, de um animado festival que reuniu durante quatro dias centenas de pessoas de todos os cantos do país. Elas curtiram a natureza exuberante do local e dançaram embaladas pelos acordes das bandas e pelas músicas de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Pepeu e Baby Consuelo, Gonzaguinha, Marina e muitas outras estrelas integrantes da constelação da atual música popular brasileira. Além disto, Arembepe foi palco de uma descontração incrível em toda a extensão dos oitos quilômetros onde foi realizado o festival, que ao contrário de outros acontecimentos no Brasil e no exterior, primou pela união de gerações, livres das contestações, dos conflitos, dos preconceitos e da hierarquia repressora.
Acampados à beira-mar em centenas de barracas de todos os tamanhos, os participantes do festival deixaram por quatro dias a comodidade de suas casas e apartamentos e outras vantagens da sociedade de consumo para viver o mais louco e saudável sonho de verão tropical. Enfrentaram com tranqüilidade os banhos coletivos, a poeira causada pelo movimento de veículos, a falta de uma refeição mais transada e as facilidades dos aparelhos domésticos. Mas, é certo que cultuaram seus ídolos, falaram uma linguagem uníssona sobre a necessidade de proteger a natureza, exercitaram seus corpos, cantaram suas canções prediletas e compartilharam de novas emoções.
Jovens pintam seus corpos com composições que
enaltecem a natureza
O Festival de Arembepe foi o oposto de Woodstock, tido como símbolo maior da contestação da juventude da época. Isto porque os tempos são outros, as cabeças mudaram e a maioria que dele participou estava decididamente disposta a curtir um som, derramado numa extensão de três quilômetros pelas 80 possantes caixas e também deixar doirar os seus corpos quase seminus, transar novas idéias e momentos.
Certamente que esses instantes vividos com intensidade em contato com a beleza natural de Arembepe, momentos recheados de novas emoções, experiências e muita liberdade, serão lembrados e relembrados no decorrer da existência de cada um dos participantes. Arembepe será lembrado como um lugar quase sagrado, como um Olinto onde os deuses baixaram e falaram um linguajar descontraído pautado em palavras de paz, de respeito ao homem e á natureza, contra o horror da guerra e também da violência que campeia nos gabinetes oficiais e nas ruas asfaltadas das grandes metrópoles.

“O melhor lugar do mundo, é aqui e agora”, bradou Gilberto Gil do alto do imenso palco armado em campo aberto, provocando um verdadeiro delírio entre as centenas de jovens que acompanhavam atentamente o seu show cantando e dançando. Realmente esta frase de Gil traduz tudo. O melhor lugar e o mais bonito não apenas pela exuberância natural mas também pela presença de gente bonita, gente jovem com os corpus seminus banhando-se nas lagoas ou na Praia de Arembepe entre um show e outro. Um local adequado para eliminar preconceitos, para transar novas idéias e unir pessoas até de gerações diferentes que antes experimentavam conflitos e discordâncias. Os quatro dias vividos em Arembepe, lugar paraíso, lugar sagrado, serão inesquecíveis. Momentos experimentados sob um sol ardente e noites estreladas, suavizados pela brisa do mar.
O artista Paulo Serra falando de seu personagem Mero,
estampado numa camisa, em defesa da Lagoa do Abaeté
Arembepe foi, sem qualquer dúvida, o melhor lugar do mundo durante quatro dias e não era para menos porque foi abençoado pelos Orixás, pelos deuses da beleza, do prazer e da harmonia e enfeitado pelos corpos jovens que encheram suas praias e seus campos.
Organização falhou.
Uma reclamação ouvida com muita insistência durante a realização do Festival de Arembepe foi quanto à organização. Alegavam alguns participantes de vários shows de que atividades paralelas anunciadas com antecipação não foram realizadas. Outros reclamavam de que o Festival estava muito fechado e centenas de jovens não puderam dele participar porque não conseguiram arrumar os CR$ 15 mil para acampar no local.
Realmente alguns espetáculos e atividades outras não foram cumpridos com presteza, mas isto, segundo outros participantes, é normal neste tipo de promoção e como disse Gerson Pereira Reis, de 21 anos, “acontece com todos os festivais. Já participei de alguns e posso dar meu testemunho que sempre acontecem falhas”.
Ele também alertou que os que reclamavam muito “são os caras que estão acostumados com as coisas muito arrumadinhas. O que a gente tem que fazer num Festival deste é curtir a vida a cada momento”.
É verdade que muitos jovens vindo de vários estados do país atraídos pela propaganda estampada nos vídeos e nos outdoors esperavam participar livremente dos shows e outras atividades culturais. Mas o que encontraram foi toda a área cercada com arame farpado, e um “eficiente” sistema de segurança com jovens portando pedaços de pau, bem maiores que os tradicionais cassetetes dos guardas das policiais militares. Mesmo assim, muita gente conseguiu ludibriar os “seguranças” pulando os nove fios de arame da cerca.
Outros preferiram acampar nas cercanias de onde puderam acompanhar tudo, inclusive os shows que foram vistos à grande distância, porque o palco era alto e o som, tão potente, que se espalhava por mais de três quilômetros.
Também, é verdade que organizadores conseguiram instalar uma relativa infra-estrutura. Vários banheiros coletivos, sanitários, venda de todo o tipo de comida, desde as tradicionais da culinária baiana às pizzas e alimentação natural. Cervejas e refrigerantes foram comercializados por uma única indústria que adquiriu a exclusividade, mas não houve exploração desenfreada nos preços desses produtos. Para os que curtem leite, uma empresa baiana colocou dois grandes caminhões frigoríficos para vender o produto além de iogurtes e outros alimentos derivados do leite. Do lado de fora uma verdadeira feira livre foi instalada com pessoas residentes em Salvador e nas imediações de Arembepe vendendo de tudo. Você podia tomar desde um caldo-de- cana, uma batida de caju e outras a preços acessíveis. Portanto, mesmo aqueles que não trouxeram comida para suas barracas não sentiram grande dificuldade em adquirir. Deixando de lado a alimentação, em várias outras barracas instaladas você podia pintar o seu corpo com desenhos modernos e ao gosto da juventude e exibir cores e formas plásticas bem contemporâneas. A arte viva, que desaparecia com um simples banho na lagoa ou no mar. Vários artistas engajados na política ecológica, tão em moda e tão curtida pelos participantes do festival, estavam lá, entre os quais Paulo Serra, com Mero, seu personagem defensor da natureza.
Vestidos,blusas e bolsas criados com exclusividade foram
também vendidos em Arembepe.
Grupos afro como os integrantes do afoxé Araketu, e outros deram exibições mostrando a força do corpo com danças modernas ritmadas por atabaques e demais instrumentos do candomblé. Realmente o Festival de Verão de Arembepe teve pontos positivos que precisam ser ressaltados. Dos 60 mil participantes esperados compareceram cerca de cinco mil pessoas.
Pelos espetáculos e oportunidade de curtir sons e discutir idéias novas num local paradisíaco, a dose não pode deixar de ser repetida no próximo ano, quando certamente haverá novas atrações e os problemas surgidos nesta primeira experiência podem ser evitados. E, principalmente que não haja arame farpado para que todos possam andar livremente pelos seus campos e suas praias. Arembepe pode ser, todos os anos o paraíso dos jovens que curtem som, a natureza e amam a arte.
Os possíveis abusos que sempre são cometidos por alguns não devem ser tomados como algo definitivo que venha prejudicar uma manifestação tão válida como um festival. A arte necessita sair das galerias, dos museus e dos teatros para uma presença maior nas praias, nos campos e nas praças. É preciso enxergar o lado positivo e incentivar nossas manifestações artísticas em todos os seus segmentos.
(Fotos: Fred Passos).




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