sábado, 22 de setembro de 2012

MIRÓ DESEJA DAR VIDA ÁS FLORES DEPOIS DE MORTO - 2 DE MAIO DE 1983.

JORNAL A TARDE SALVADOR TERÇA-FEIRA, 02 DE MAIO DE 1983.

MIRÓ DESEJA DAR VIDA ÀS FLORES DEPOIS DE MORTO


O rosto iluminado por um sorriso afável que continua com os olhos azuis surpreendentemente jovens, as maçãs do rosto coradas pelo sol das Baleares, o andar vacilante, a silhueta miúda e frágil deste catalão universal, reconhecido como um dos artistas mais notáveis do século, esconde uma vitalidade e um poder de criação que conservaram o seu vigor através das décadas.
Em seu atelier de Son’Abrines, perto de Palma de Majorca, Miro continua a dar vida, na tela ou em bronze, a estes seres que dissimulam sob um candor infantil a angústia íntima do artista e a visão mais dramática dos acontecimentos de sua época.
No dia 12 de janeiro de 1982 ele recebeu um marcapasso e em maio foi operado de catarata. Mas nem por isto, deixou de trabalhar, embora enxergue pouco e confesse que ás vezes se sente cansado.
Para comemorar o seu nonagésimo aniversário, a prefeitura de Barcelona inaugurou numa praça da cidade a sua última monumental escultura em bronze “Dona y Ocell” (Mulher e Pássaro) e montou uma exposição de suas obras dos anos 20, além de outra sobre o tema “Miró, Homem”. Na verdade, estão ocorrendo comemorações alusiva à data em todo o mundo.
“Cartógrafo dos Sonhos”, como o chama o poeta francês Robert Desnos, Miró também soube dar o seu  testemunho dos pesadelos da humanidade.
Nascido em Barcelona no dia 20 de abril de 1983 de uma família de várias gerações de artesãos, só em 1912 ele vencera a resistência de seus pais e se dedicara exclusivamente à pintura.
Influenciado de início pelo Fauvismo e pelo Cubismo, instala-se em Paris em 1919, e lá freqüenta os poetas surrealistas, entre outros André Breton, Paul Eluard e Louis Aragon. Ainda hoje Miró se recorda com saudade daquele período de sua vida em que a miséria e a fome provocavam-lhe alucinações que depois reproduzia em seus quadros. “Minhas refeições eram um punhado de figos secos, e a fome era a  inimiga maior explica lembrando os anos aziagos de 1925-27 que transplantou em sua série de quadros oníricos.
Em 1927, casa-se com Pilar Juncosa que lhe dera uma filha, Dolores.
É a época das “colages”, pelas quais Miró tenta revelar “o sentido mágico das coisas”. Cada dia dou mais importância ao conteúdo de minhas obras”, explicava em 1926. Um material rico e vigoroso parecem-me necessário para atrair o espectador, tão logo ele veja o quadro, como se fosse um golpe entre os olhos que o deixasse aturdido e sem poder pensar em nada.
Assim a poesia expressada visualmente fala sua própria linguagem”.
Mergulhado em seu universo artístico de luzes e de trevas, Miró no entanto, não deixa de ser sensível, a realidade que o cerca. A sua inquietação diante do avanço do fascismo na Europa traduz-se a partir de 1934 pela introdução em seus quadros de formas monstruosas e grotescas: mulheres de cores berrante,metade dragões e metade aves,especialmente na série “Pinturas Selvagens”.
EM 1936 toma partido pela república na Guerra civil Espanhola, pinta um cartaz pedindo um franco francês em solidariedade com o regime constitucional, contra os franquistas.
Simultaneamente, ele incia sua  série das “Constelações” que prosseguira até 1941, recusa-se a ir para o exílio e instala-se em Majorca. Com grande minúcia de detalhes, Miró passa a pintar um microcosmos de vida sobre fundo de cores esvairadas, povoado de silhuetas filiformes, estrelas, círculos, espirais, ziguezagues e triângulos luminosos que aprecem flutuar no espaço, em meio a estranhos rostos que mostram ferozmente os dentes.
Nos anos 1949-50 Miró consagra-se aos seus”Quadros Lentos” e aos “Espontâneos”. Nos primeiros, procura a perfeição do detalhe e consegue expressar uma surpreendente sensação de movimentos e de luz, como em “Mulheres e Pássaros à Luz da Lua” (1949). A meticulosidade e vigorosos arabescos nos quadros espontâneos, as quais amiúde incorpora cordas e arames, como “Pintura” (1950) ou “Mulher ao Sol” (1949).
Com o Grande Prêmio de Gravura da bienal de Veneza, em 1954 e o Grande Prêmio Internacional da Fundação Guggenheim, em 1959, por seus afrescos “O Sol” e a “Lua”, feitos para a Unescop, em Paris, Miró chega à fama mundial. As suas exposições retrospectivas sucedem-se em Paris, Munique,Nova Iorque... ao mesmo tempo em que várias cidades encomendam esculturas monumentais.
Em seu refúgio de Majorca, longe de balbúrdia do mundo, como um místico, Joan Miró continua a trabalhar incansavelmente , afundado em seu roupão azul. Em seu estúdio acumulam-se um número impressionante  de quadros em todas as fases de sua realização e objetos que esperam , talvez há anos, o momento da impossível comunhão...
Catalão e organizado, o artista no entanto se cuida. “Deve-se cuidar da máquina , para que dure o mais possível”, explica. “Tenhoque aproveitar o tempo que me resta, pois ainda tenho muito o que fazer”...
Em seus longos passeios solitários pela praia, a idéia da morte ainda não o assusta. Miró simplesmente gostaria que os seus restos mortais não fossem encerrados num caixão de madeira, mas dessem vida às flores. 

                    O RESSURGIMENTO DO IMPRESSIONISMO

O Museu do Prieuré, em Saint Germain-em-Laye, cidade dos arredores de Paris, célebre por seu castelo que data do século XVI,abriu suas salas a uma exposição diferente das outras. Com efeito, a finalidade desta exposição é a de fazer redescobrir as obras ( cerca de cem) e os documentos daqueles que foram os protagonistas quase-involuntários do surgimento do impressionismo na origem desta cisão, um acontecimento que marcará a história da arte.
Estamos em 1889. Perto do Campo de Martes, onde a exposição universal comemora o primeiro centenário da Revolução francesa, um pequeno café apresenta obras de oito pintores que não tiveram a sorte de ser admitidos no recinto oficial. E o Sr. Volpon, Jê Volponi, dono do café, não os autoriza a apresentar suas obras senão porque os espelhos que deviam ornar as paredes do seu estabelecimento não foram entregues a tempo para a inauguração.
Nesse grupo de expositores, há Gaugin,Monfried, Emile Bernard, Anquetin e outros o denominaram de Impressionistas e Sintetistas. Uma nova era se anuncia após o aparecimento, alguns meses mais tarde, do Manifesto do Simbolismo publicado pelo poeta Jean Moréas.
Observações feitas por esses inovadores ao Impressionismo: a busca do instante, a preocupação de pegar o efêmero, todas essas pesquisas terminaram no desânimo da forma e uma certa clestabilização da arte pictural.
Cézanne se propõe a restituir a forma, sintetizando-a, o lugar que ela tinha mais ou menos perdido. Outros, ao contrário, vão até o fim das possibilidades que ainda oferece o Impressionismo.
Organizadora desta exposição, Jeannie Warnod verifica, com justeza,que a grande ambição que anima uns e outros é a preocupação de passar da análise à síntese. Alguns tentam chegar a isso individualizando formas e objetos, isso é, em suprimindo, como o declara Paulo Signac ( 1863-1935 toda mistura suja pelo emprego exclusivo de cores puras de que o olho age sozinho para a mistura a fim de obter o máximo de luminosidade. Outros pintores optam pelo sistema de limite das cores puras por aplats. Outros ainda se referem ao grafismo japonês ou à composição do vitral g´potico. No grupo dos Neoimpressionistas, Seurat, de que um esboço do célebre crico é apresentado ao Museu de Prieuré, faz muito cedo figura de proa, porém ele morre infelizmente em 1891, com apenas 32 anos .Ao alto a obra Bretons Gardant Des Porcs. de Emile Bernard ( 1892).

Henri Edmond Delacoix, que se fez apelidar de Crosss, o comandante de uma unidade da gendarmeria Dubois-Pillet, Maximillien Luce e Henri Matisse, que será destinado a uma fama considerável, se converteram por sua vez ao divisionismo dirigido por Signac. Na Pont-Aven, Gauguin forma seu grupo. Um grupo por que os Impressionistas não prosseguiram as suas buscas senão em torno do olho e não ao centro misterioso do pensamento. Daí por diante, o processo pictural cede o passo à supremacia da idéia. Em uma palavra, a expressão formal desta será simb´´olica, o objeto não sendo admitido senão em qualidade de sinal ideológico.
É a Maurice Denis, pintor e escritor ( 1870-1943) que caberá fazer a junção do grupo de Pont-Aven e o dos nabis, de que ele é, aliás, um teórico ( Nabis quer dizer profetas em árabe). Este último grupo,m em que se distinguem talentos como Bonnard, Sérusler,Verkade, é próximo dos movimentos literários e doutrinas espiritualistas da época Em resumo, são as divergências de uns e de outros e sua própria visão da pintura que são apresentadas no Museu do Prieuré, em Saint Germain-En-Laye.



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