quarta-feira, 22 de agosto de 2012

RESCÁLA TEM EXPOSIÇÃO HOJE EM SUA HOMENAGEM - 27 DE SETEMBRO DE 1982.


JORNAL A TARDE, TERÇA-FEIRA, 27 DE SETEMBRO DE 1982.

RESCÁLA TEM EXPOSIÇÃO HOJE EM SUA HOMENAGEM

O mestre Rescála fundador do Núcleo Bernadelli e professor da Escola de Belas Artes, da Universidade Federal da Bahia está de volta com uma importante exposição em sua homenagem que será aberta, hoje, às 21 horas, No Bahia Othon Pálace Hotel. São setenta e dois anos de idade e cinqüenta e dois anos dedicados à arte. Uma existência pacífica e rica em criatividade. Ninguém pode escrever a história da arte no Brasil sem mencionar sua presença ativa como membro do Núcleo Bernadelli, sem esquecer também que durante anos a fio trabalhou na restauração de importantes obras como funcionário do antigo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan.
Quando completou setenta anos foi realizada uma exposição retrospectiva, em junho de 1980, no Museu Nacional de Belas Artes, m no Rio de Janeiro, a qual dedicou às seus companheiros do Núcleo Bernadelli, que era composto por Milton Dacosta, Takaoka, Edson Mota, Ado Malogoli, Pancetti, dentre outros. Ele se reuniam durante as noites e nos fins de semana nos porões da Escola Nacional de Belas Artes.
A humildade e a coerência de linguagem pictórica são dois fatores importantes para a compreensão de sua obra e de sua pessoa. O mestre Rescála transborda humildade que contrasta com a grandiosidade daquilo que produz. Tem uma linguagem plástica definida e inconfundível, principalmente quando a temática gira em torno do casario e da gente baiana. Esta individualidade estilística como afirma outro mestre e seu contemporâneo Clarival Prado Valadares “é irrecusável reconhecer-se quando a paisagem nativa e humana na Bahia dosaram a sua linguagem, quanto interferiram na formação do seu vocabulário, desde o referencial da pintura de gênero, até as fugas surrealistas, traduzíveis como arte do fantástico, quase sempre esteadas na fabulação mística baiana”.
Na semana passada, numa cerimônia informal, realizada em seu apartamento, no Campo Grande, com a presença de familiares e uns poucos convidados, o mestre Rescála recebeu o título de Cidadão de Salvador, uma homenagem justa e, a meu ver, até tardia, porque ele já deveria ter recebido há muito mais tempo.
No livro Bahia de Todos os Santos, o escritor Jorge Amado admirador de sua arte e de sua pessoa diz: ”Este pintor Rescála, filho de levantinos, herdeiro da cultura do Mediterrâneo, amoroso das igrejas e das baianas de torso e bata, é um benemérito da Cidade do Salvador, que um dia o acolheu e ele se entregou, pois, entre os preferidos, a Bahia conta com os árabes, jamais soube resistir ao Oriente. Não só porque a pintou mil vezes em seus quadros - praias, barcos, velames, igrejas, mulatas, casario – sempre com a mesma emoção e o mesmo amor profundo, mas porque salvou tesouros da arte num trabalho silencioso, não, porém, menos importante”.

         NÚBIA FAZ SUA PRIMEIRA INDIVIDUAL NO MÉRIDIEN

A artista Núbia Cerqueira está expondo vinte e cinco trabalhos na Galeria do Hotel Méridien até o próximo dia 7 de outubro. É a sua primeira exposição individual e ela brinda os baianos com seus casarios, marinhas e paisagens campestres. Conheço Núbia há vários anos e estou acostumado a vê-la sentada em frente à prancheta diagramando as páginas de A Tarde. Muitas vezes trabalhamos juntos quando substituo o editor da primeira página, José Curvelo. Portanto, é uma convivência de colegas. Fiquei feliz em vê-la transportar para as telas suas emoções, seus sentimentos e visões de uma atmosfera calma, bem longe das conturbações do mundo moderno. O seu mundo é outro, certamente, Núbia é uma pessoa quase que ingênua, embora seja mãe. Seus olhos como que estão fechados para as coisas que não nos agradam. E vemos e constatamos isto, quando olhamos esta coleção de quadros onde a figura humana não tem muita importância na composição plástica. Seus velhos casarões, os barcos ancorados em portos desertos ou singrando mares imaginários e até mesmo as paisagens campestres nos dão esta certeza. Esta tela que aparece na foto é uma das poucas onde a figura humana se destaca e aparece em primeiro plano. Repetindo o que escrevi no catálogo de sua exposição reafirmo que sua pintura reflete a sua existência. Uma tranqüilidade muitas vezes não compreendida em sua extensão e agora é revelada de público em toda a sua essência nos volumes e cores de suas telas. Veja como as ruas são semi-desertas, os céus de fins de tarde e o mar calmo!
É verdade que Núbia está iniciando os primeiros passos em busca de uma linguagem plástica mais significativa e que dentro de alguns anos quando olhar para trás verificará quantas etapas já foram consumidas em busca de melhor qualidade e expressão. Tenho certeza que seu andar sem pressa, a sua persistência e a criatividade tão peculiares em sua personalidade, lhes garantirão a vitória!

FIGURAS DE RENATO DA SILVEIRA EM MOVIMENTO

Com o crayon e com afeto, o artista Renato da Silveira está expondo seus últimos trabalhos até o dia 30 na Editora Currupio, que fica na Rua Fraguer Fróes, 63, na Barra. Segundo ele o objetivo da mostra é manter um contato com seus amigos e com o público para tomarem conhecimento do que está produzindo atualmente. Depois de seis anos em Paris “a minha pintura foi se modificando quase que imperceptivelmente, de modo que o que ora apresento na Corrupio surpreende as pessoas que já me conhecem, e não tiveram oportunidade de acompanhar de perto minha transição”.
Explicando as mudanças do rumo de sua arte Renato da Silveira acha que em primeiro lugar, as proporções estão mais reduzidas, por corresponderem melhor ao momento de intimismo que está vivendo. “Mas este – assegura – é também um momento de grande saudade de minha terra, e talvez por isso meus personagens tenham ficado menos africanos e mais brasileiros, baianos. São pessoas que a gente encontra em toda parte, no Porto da Barra, na Liberdade, na Boca do Rio... Em seguida, as figuras que eram estáticas ganharam movimentação e o gesto se animou: os meninos e as meninas dançam, jogam e desabrocham”.
“E continua Renato: “Mas o gesto nunca é inteiramente identificado: mesmo o menino que mata uma bola no peito pode estar” apenas” voando, e a bola pode ser um Sol. Na verdade, o que me interessa não é o que eles estão fazendo,mas a intensidade corresponde a uma alegria de estar aqui e agora, a um prazer de viver o próprio corpo, a uma sexualidade e a uma felicidade sensorial que raramente encontro entre os europeus.
Apesar de atualmente meus trabalhos serem minúsculos, de técnica delicada, cheios de ternura, quase frágeis, eu continuo à procura de uma potência de sentimento e de uma intensidade da expressão artística que vai buscar sua razão de ser na existência descomplicada, na complexidade e na beleza do gesto mais banal. Em uma palavra, na riqueza da vida interior.
Talvez por isso minha sensibilidade permaneça bem próxima do tipo de sensibilidade forjada pela magia afro-brasileira. “Só que antes eu fazia deuses que eram pessoas; agora talvez eu esteja fazendo pessoas que são deuses”.



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