domingo, 19 de agosto de 2012

ARTES VISUAIS - A DESINFORMAÇÃO SULISTA - 13 DE DEZEMBRO DE 1982.a


JORNAL A TARDE, TERÇA-FEIRA, 13 DE DEZEMBRO DE 1982.


             A DESINFORMAÇÃO SULISTA

A arte é universal. O que acontece é que um trabalho artístico pode não emocionar todas as pessoas. Antes de tudo a obra de arte é concebida dentro das informações culturais do seu criador, trazendo portanto em seu conteúdo influências da cultura de cada região. Porém, quando esta obra tem real significado rompe as barreiras geográficas e torna-se universal.
Aqui na Bahia assistimos de braços cruzados a hegemonia do Sul com relação a política cultural. O Salão Nacional de Artes Plásticas é um exemplo grosseiro da presença sulista e da visão de alguns “intelectuais”, feitos à beira de uma mesa de bar nos calçadões cariocas ou nos inferninhos lacrimejantes da paulicéia desvairada, que vomitam suas idéias para o resto do País. Uma visão deturpada e importada,  é bom salientar. Muitos cultuam uma arte que não tem característica de  qualquer lugar. São simples cópias malfeitas de produções americanas e européias. E, infelizmente, é dentro desta visão do tempo das capitanias hereditárias que é encaminhada a política cultural neste País. De vez em quando surge um  lampejo como Aloísio Magalhães que era Nordestino mas infelizmente faleceu.
Lembro,por exemplo, agora que as publicações da Funarte não são vendidas em Salvador, aliás não chegam à Salvador. Isto é um descompasso, uma vergonha para a própria Funarte.
O Salão Nacional de Artes Plásticas continua sendo manobrado pelos sulistas. Entre os artistas baianos, existem alguns imóveis e amadores que enviam os quadros e ficam parados à espera do milagre. Mas, dificilmente acontece porque uma corriola manobra o Salão e os prêmios sempre são enviados para os donos do Sul.
Agora recebo uma comunicação da Associação de Artistas Plásticos rebatendo a infeliz afirmação da gravadora Ana Letycia quando disse que a “ precariedade de material, informação e técnica” prevalece entre os artistas do Norte e do Nordeste.
Portanto, a visão de Ana Letycia é a mesma dos donos da nossa política cultural. Acham que o Nordeste é o lixo e só pensam em nós com relação aos pintores primitivos e no artesanato. O resto eles desconhecem porque são desinformados em termos de Brasil.
De quem é a culpa? De todos nós que assistimos calados e aceitamos este estado de coisas, A culpa principal é da Fundação Cultural do Estado da Bahia, dos diretores de museus, dos governantes e de todas as pessoas ligadas direta ou indiretamente a política cultural. É preciso brigar e trazer as coisas para o Nordeste. O pensamento de Ana Letycia que é comungado por muitos outros, deve ser rechaçado com uma ação política junto aos parlamentares baianos para que possam reivindicar uma maior participação do Norte e Nordeste nas decisões culturais. Do contrário, continuaremos recebendo tratamento discriminatório e injusto sob a alegação que somos desinformados . Se dissessem que somos  de certo modo amadores , em parte eu concordaria, porque muitos de nossos artistas são amadores.
Aliás, lembro que a escolha do júri deste tal de Salão foi uma vergonha! Críticos brigando através de suas colunas nos jornais ou por cartas procurando um lugar no referido júri. Isto não tem qualquer sentido. É a vaidade rompendo as barreiras da lógica e da ética. É preciso que haja uma reformulação de pensamento entre estas pessoas e que o Salão Nacional tenha realmente um cunho de refletir a produção artística deste País continental e não apenas do Sul, entre os limites de Copacabana e a Rua Augusta.

                         PRIMEIRO DOCUMENTO
Atendendo uma solicitação de Denise Pitágoras, Presidente da Associação de Artistas Plásticos da Bahia publico os dois documentos tirados numa assembléia extraordinária, que ela convocou para protestar contra os critérios sulistas. Vejamos:
“Os artistas plásticos baianos, artistas do Nordeste, ao tomarem conhecimento das intempestivas declarações da Senhora Ana Letycia Quadros publicada na Revista Isto É, Edição de 8 de dezembro de 1982, referentes à “precariedade de material, informação e técnica” dos artistas do Norte e Nordeste em comparação com os do eixo Rio-São Paulo, repudiamos veementemente a total falta de conhecimento da citada Senhora e a defasagem em que se encontra em matéria de técnicas e ideologias artísticas. A referida Senhora insiste em expressar o pensamento antigo de uma fase imperialista e aculturada do Salão Nacional de décadas passadas. Depreende-se de suas declarações a total falta de conhecimento do pensamento atual da cultura mundial volvida para a identidade cultural dos países produtores de arte, o que na verdade já se encontra  no Nordeste sedimentado na própria estrutura cultural do seu povo.
As declarações da Senhora Ana Letycia contrariam inclusive a própria diretriz de operacionalização do MEC no que tange à política de identidade cultural”. Denise Pitágoras, Presidente da Associação de Artistas Plásticos da Bahia.

                          SEGUNDO DOCUMENTO

“ À Comissão Nacional  de Artes Plásticas: considerando que a existência da Associação dos Artistas Plásticos da Bahia é fruto de uma longa luta contra o paternalismo, protecionismo e as oligarquias políticas culturais; considerando que a política cultural preconizada pelo Ministério da Educação e Cultura reforça nossas aspirações de organização profissional; considerando que a escolha afetiva ou individualista de artistas , fere frontalmente o direito democrático da classe de escolher seus próprios representantes; considerando a importância do II Simpósio Nacional de Artes Plásticas e a oportunidade de discussão referente a: “Formas de Organização Coletiva dos Artistas Plásticos”; considerando ainda que tal oportunidade deve ser preenchida por artistas que por suas práticas profissionais apresentem um discurso não dissociado da realidade, objetivando assim o verdadeiro relatório crítico-analítico da situação estadual. Vimos manifestar nosso protesto pela inexistência de critérios democráticos explícitos e definidos pela Comissão Nacional”.

                          OS PREMIADOS NO V SNAP

A subcomissão de Seleção e Premiação do V Salão Nacional de Artes Plásticas escolheu os artistas premiados do V SNAP . São dois prêmios de viagem ao exterior, dois de viagem ao País, um prêmio especial, e um prêmio doado pelo Estado de Santa Catarina. Neste ano foram escolhidos nove artistas para prêmios de aquisição e seis referências especiais do júri. O V SNAP, uma promoção MEC/SEC/FUNARTE/ INAP, ficará aberto ao público, no 2º andar do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, de 16 de janeiro de 1983, de terça a sexta, das 12 h às 17;30min e aos sábados e domingos , de 12h às 18 horas. A subcomissão de Seleção e Premiação  do V SNAP é composta por Adriano de Aquino, Anna Letycia Quadros, Fábio Magalhães, Marcelo Nitsche, Vicente Pércia e Walmir Ayala. São os seguintes os artistas premiados pelo V SNAP:
Prêmio Viagem ao Exterior - Cr$1.200.000,00 - Anna Bella Geiger ( gravura), Rio de Janeiro e Cleber Gouveia ( pintura), Goiás; Prêmio Viagem ao País (Cr$1.200.000,00 ) Bernardo Kraniasky ( desenho), São Paulo e Roberto Evanvelista ( proposta), Amazonas. Prêmio Especial \ Gustavo Capanema ( Cr$200.000,00)- Celeida Moraes Tostes ( gravura),Rio de Janeiro;  Prêmio Victor Meireles, doado pelo Governo do Estado de Santana Catarina - Cr$500.000,00)- Manfredo de Souza Neto ( pintura), Rio de Janeiro;Prêmio Aquisição: Adir Sodré ( pintura),Mato Grosso; Alex Gama ( gravura),Rio de Janeiro;Gervane de Paula ( pintura),Mato Grosso; Jacqmont  ( pintura),Amazonas; Luciano Pinheiro ( pintura), Pernambuco;Luis Hermano ( gravura), São Paulo; Paulo Portela ( desenho), São Paulo; Rubem Grilo ( gravura), Rio de Janeiro e Solange Oliveira ( gravura), Rio de Janeiro. Referências Especiais do Júri:
Beth kalache ( Elizabeth Paiva Kalache) (proposta), Rio de Janeiro;Gilberto Salvador ( pintura), São Paulo;José Maurício Vieira ( proposta), Rio de Janeiro;Nelly Gutmacher e Luiz Áquila ( Nelly K. Gutmacher e Luiz Áquila da Rocha); Miranda ( proposta ), Rio de Janeiro;Paulo Paes ( Paulo Guilherme Moura Paes), (instalação),Rio de Janeiro e Sante Scaldaferri ( pintura), Bahia.

  YEDAMARIA EXPÕE NO DIA 16 NO SOLAR DO FERRÃO

Yedamaria ressurge depois de horas e horas trabalhando como uma artista que se preza na escolha de material e de uma temática que refletisse o que desejava expressar. É cuidadosa em sua produção. Não faz uma tela ou uma gravura pelo simples fato de lançar espontaneamente a sua criatividade. Ela é, antes de tudo, uma artesã, uma artista cuidadosa e que tem o cunho do profissionalismo. Quer fazer, quer criar, mas bem-feito e dentro da técnica, porque deseja que seu trabalho seja límpido e apreciado através dos anos.
É uma artista que luta com muita garra por um lugar de destaque no cenário artístico baiano. Aliás, como mulher, Yedamaria disputa em igual qualidade com seus colegas do sexo masculino. Ela chega a dar vida à própria temática escolhida que é a natureza-morta. Isto devido à força de expressividade de seus seus quadros que têm cores fortes, como as que povoam este Brasil tropical. Sua arte colorida agrada a todos e tem aquele toque feminino da arrumação, de tudo no seu devido lugar.
Conheço Yedamaria há vários anos e venho acompanhando de perto o seu trabalho e também a sua vontade de transmitir para os mais jovens aquilo que vem captando como profissional.
Sua exposição será na Galeria do Solar do Ferrão, no dia 16 até o fim do mês, mostrando a evolução do seu trabalho durante 25 anos, abrangendo as fases dos barcos, com técnica a óleo e guache; série das sereias, com colagens e monotipias; a fase que desenvolveu nos Estados Unidos, no período de 1977 a 1979 e a fase atual que ela classifica " como a mais ligada à natureza, a todo o processo de alimentação do dia-a-dia de todo mundo".
A artista deverá expor cerca de 80 trabalhos, pertencentes a museus, a colecionadores e do seu próprio acervo.
Essa exposição é comemorativa dos 500 Anos de Fundação da Sociedade Protetora dos Desvalidos, que promove , juntamente com o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia, através de sua Galeria do Solar do Ferrão.

                           SEU DEPOIMENTO

"Em Salvador, nasci na década de 30. Vivi minha infância em São Gonçalo dos Campos, interior do estado, onde estudei as primeiras letras. Cidade calma, ainda em harmonia com a sua orquestra, seus jardins coloridos e igrejas em dias de festa.
Foi através da música - violino - que fiz meus primeiros contatos com a arte. Momentos difíceis viria eu a ´passar durante o ano de 1940 - a morte do meu pai - perda difícil e durante muito tempo irreparável.
Retornando a Salvador , em companhia da minha mãe, vim para ficar e dar vasão à minha sensibilidade. A cidade das viagens de bonde, das lindas praças com fontes luminosas e ruas cheias de clima ainda colonial; vivi os carnavais da época, veraneios em Itapagipe, o mar azul e límpido, ainda com um hidroaeroporto.
Cursei o ginasial e o pedagógico no Instituto Normal da Bahia ( atual ICEIA), onde através da orientação de um grande amigo - Manuel Assunção, comecei a identificar-me com o desenho, o que levou-me a prestar vestibular, ingressando assim, na Escola de Belas Artes da Ufba. Período em que oportunamente, conheci grandes artistas que muito de estimularam, para o desenvolvimento do meu trabalho, foram estes:Mário Cravo Jr., Rescála, Henrique Oswald, Maria Célia,Newton Silva, Emídio Magalhães, entre outros. É importante citar a dedicação que estes emprestavam às suas obras. E que foram e continuam sendo, para mim, um grande exemplo de arte.
Era o início de tudo. Pois, já no ano de 1956, pela primeira vez, eu participava de uma exposição coletiva - O Salão de Arte Bahiano, do qual obtive Menção Honrosa. Em 1960, eu estava com a minha primeira exposição individual elaborada , na Galeria da Biblioteca Pública. No ano de 1964, fiz uma grande exposição, com a temática barcos. Contei, na época , com a orientação e escolha de D. Lina Bardi.
Uma bolsa de estudos para professores da América Latina permitiu-se viver no exterior por quase três anos e, concluir um mestrado na Illinois States University. Onde, apesar das dificuldades de adaptação, procurei inserir nos trabalhos, lá produzidos, aspectos do contexto local e com alegria tenho trabalhos na coleção permanente da universidade.
Em 1980, fiz uma exposição no Museu de Arte da Bahia, onde recebi um voto de louvor do Conselho de Cultura. No mesmo ano, fui escolhida entres as dez mais importantes figuras em arte da Bahia, pelo Jornal Correio da Bahia. Na sede da Sociedade Protetora dos Desvalidos, ano de 1981, lancei um álbum, em cores, de gravura em metal. Durante muitos anos participei de exposições coletivas e individuais em Salvador,São Paulo, Recife, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Washington D.C. e Miami.
No primeiro semestre deste ano, fiz mais uma exposição individual, no Museu de Arte Moderna da Bahia. E pretendo, em breve, fazer mais duas exposições - possivelmente em São Paulo e outra em Washington D.C."


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