quarta-feira, 29 de novembro de 2023

LEMBRANÇAS 2 - MESTRE RESCÁLA

Rescála ao centro, eu e Ivo Vellame ultimando
o julgamento das obras na AABB.

Estive algumas vezes com o mestre João José Rescála, professor emérito da Escola de Belas Artes, da Universidade Federal da Bahia e um dos fundadores do Grupo Bernadelli. Uma das coisas que mais me chamava atenção além de sua calma, a fleuma semelhante a de um  inglês, é que ele costumava acender um cigarro atrás do outro. Talvez isto tenha contribuído para sua morte. Ele foi um dos grandes restauradores de importantes obras como funcionário do Instituto do Patrimônio Histórico Nacional, na Bahia. A humildade e a coerência são dois fatores importantes para conhecer sua vasta obra. Numa destas vezes que estive com o mestre Rescála foi durante o julgamento de algumas obras do 2º Salão Nacional de Pintura, edição Bahia, promovido pela Federação Nacional de AABBs, em agosto de 1982 ,no Clube Associação Atlética da Bahia, no bairro da Barra,em Salvador.

Rescála  em 1976 , com cigarro na boca 
, pintando para sua exposição numa 
 galeria localizada no Hotel Othon Pálace.
 Nos anos 80 e 90 o movimento de arte na Bahia era  intenso, tinham muitas galerias funcionando e até os clubes sociais, instituições e organizações diversas promoviam exposições e até salões de arte. Lembro que empresas do Polo Petroquímico e de outros setores da economia também apoiavam as artes plásticas baianas. Por uma triste coincidência do ano 2000 para cá houve uma diminuição de galerias, de salões e exposições. Os órgãos oficiais passaram a dar mais importância a música e outros segmentos que trazem mais visibilidade e entretêm o povo enquanto as mazelas são cometidas. Também houve a diminuição da atividade econômica e assim as empresas deixaram de investir nas artes visuais.

 

 


sábado, 25 de novembro de 2023

ANTÔNIO LOBO O DECANO DAS ARTES PLÁSTICAS BAIANO

 Antônio Lobo com algumas aquarelas, aos 96 anos.
Estou diante de um artista que é uma página viva da história das artes na Bahia. É o decano das artes plásticas baianas e hoje no alto de seus noventa e seis anos de idade continua lúcido e ativo criando suas aquarelas e publicando nas redes sociais. Sempre procurou aprender coisas novas e fez muitos cursos tanto de arte como de outros assuntos que lhe interessavam. Atualmente está dedilhando um violão novinho tentando aprender com o seu neto Fernando Tavares que acabou de chegar de Boston, nos Estados Unidos, onde se graduou em música e ficou curioso com a vontade de seu avô em aprender a tocar. Daí lhe presenteou com o violão que o Antônio Lobo dedilha nas horas que deseja. Nasceu no início século passado e conviveu com grandes artistas como Floriano Teixeira, Carybé, Carlos Augusto Bandeira, os alemães Adam Firnekaes,Floriano Teixeira, Hansen Bahia e muitos outros. Aponta para a parede da sala e mostra uma aquarela de autoria de Adam Firnekaes que fez no Rio de Janeiro e lhe presenteou.
Uma bela aquarela onde se
destaca o reflexo na água.
O alemão nasceu em 13/12/1909 veio ao Brasil para tocar fagote na Orquestra Sinfônica Brasileira, no Rio de Janeiro. Chegou a Salvador em 1958 transferindo sua residência ao ser contratado para lecionar fagote, saxofone e música de câmara nos Seminários Livres de Música da Universidade Federal da Bahia. Em 1962 criou o Curso de Pintura Experimental no Instituto Cultural Brasil/Alemanha. Neste curso o Antônio Lobo era um dos alunos e quando Adam Firnekaes morreu em 8/9/1966 foi substituído pelo paranaense Lênio Braga e, posteriormente por Carlos Augusto Bandeira. “O curso do mestre Adam Firnekaes não visava formar pintores, sim apreciadores da arte. Ele ensinava as várias técnicas desde a colagem à pintura a óleo, acrílica e outras técnicas, sempre com muita teoria.” Disse que Carlos Augusto Bandeira “foi o maior desenhista que conheci. Íamos estudar num ateliê que ele tinha na Barra durante a noite. Eu sempre ia com Itamar Espinheira e mostra um quadro a óleo que pintou de um retrato da colega Ana Maria Vilar , e disse que o Bandeira deu algumas pinceladas na tela durante uma aula. Era também amigo de Floriano Teixeira que veio algumas vezes em seu apartamento no Rio Vermelho e ele o visitava. “Depois que ele morreu ofereci em solidariedade à sua esposa um quadro que Floriano tinha me dado para que ela pudesse vender”. Não estudou na Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia, mas era um assíduo frequentador de cursos livres no Instituto Cultural Brasil -Alemanha - ICBA, hoje chamado de
Gravura em metal que fez
nas Oficinas do MAMB.
Instituto Goethe, das oficinas do Museu de Arte Moderna da Bahia, e relembra que fazia um curso de gravura em metal c0m o artista Antonello L'Abbate ministrando as aulas, “mas  infelizmente os novos dirigentes do museu à época acabaram com o curso”. Recentemente participou de um curso com a ceramista Irene Omuro que tem seu ateliê no Litoral Norte. Ao falar do curso de ceramista me exibiu uma bela peça de cerâmica azul esmaltada que fez durante as aulas do curso. 
Relembrou que seu interesse pela arte foi desde cedo, mas se consolidou durante uma amizade que fez com um engenheiro alemão chamado Max Bartl , que veio para a Bahia representando a empresa Siemens e eram vizinhos de apartamento no bairro da Graça onde moravam. Desta amizade passou a apreciar as esculturas e pinturas que o Hans fazia, e assim iniciou a pintar seus primeiros quadros. Perdeu o contato com Hans, mas daí em diante sempre procurou novas maneiras de aperfeiçoar seus desenhos e pinturas e para isto frequentou vários cursos livres. Nos últimos anos abraçou a aquarela porque as tintas a óleo não lhes faziam bem e a aquarela é mais tranquila, além de ser fácil de guardar. Ele gosta de aquarelar usando como suportes papeis com 600 e até 700 gramas “porque suportam mais a água, quando queremos clarear um céu ou o mar.”  Joga xadrez e é apreciador de um bom vinho e de ouvir música clássica. Uma reportagem antiga conta suas façanhas como xadrezista que numa simultânea em Salvador com trinta tabuleiros o famoso jogador internacional o gaúcho
Aquarela do Convento do
Desterro,em Salvador
.
Henrique Costa Mecking, conhecido mestre do xadrez por Mequinho, conseguiu 26 vitórias, e quatro empates, um deles foi com o Lobo. Logo depois o Clube de Xadrez da Bahia promoveu outra simultânea desta vez com o jogador Alexandru Sorin Segal  nascido em Bucareste, em 4 de outubro de 1947 e faleceu em  6 de janeiro de 2015. Foi um economista e enxadrista judeu-romeno naturalizado brasileiro e campeão de enxadrismo em 1974 e 1978. Segal veio jogar uma simultânea em Salvador e novamente Lobo conseguiu empatar. Viúvo de d. Ruth Lobo e pai de três filhos continua com sua disposição de aprender coisas novas. Como somos geminianos do segundo decanato disse brincando “nós geminianos sempre queremos aprender mais”. Foi ai que lembrei daquela famosa frase atribuída a Sócrates: “Só sei que nada sei”. Dizem os estudiosos da Filosofia que “a popular frase só sei que nada sei ou Sei uma coisa: que eu nada sei, por vezes compreendida como um paradoxo socrático, é um dizer muito conhecido, derivado da narrativa de Platão sobre o filósofo Sócrates. No entanto, a frase não é mencionada em nenhum texto grego antigo que nos tenha sido legado.

                                                                  PROPAGANDISTA /VIAJANTE

Casa na zona rural, aquarela.
Durante algumas décadas o Antônio Lobo de Souza exerceu a profissão de propagandista ou viajante comercial que era o profissional que desbravava o país no final do século XVIII e início do século XIX para vender produtos diversos nos quatro rincões deste Brasil. O transporte coletivo quase não existia, e os poucos carros que existiam não viajavam muito para interior devido a precariedade das estradas que eram carroçáveis. Muitas vezes os viajantes faziam longos percursos de trens e em lombo de burros. Relembrou Antônio Lobo de uma dessas viagens que fez da cidade de Ipiaú até Poções por volta de 1948. “A distância era de quarenta léguas, nos informou o arreeiro a mim e dois colegas viajantes de outras empresas. Alugamos os seus serviços e ele trouxe os animais para a viagem, inclusive um de reserva e ainda outro para carregar a bagagem. Percorremos parte do Vale do rio Gongogi até chegar a Poções onde fomos vender as mercadorias. Eu trabalhava com remédios, e geralmente nestes locais tinha um bazar ou armazém que vendia todo tipo de produto”. O arreeiro que ele fala era uma espécie de tropeiro condutor de animais. Alguns levavam produtos das cidades maiores para os rincões deste país e comercializavam ou serviam de transporte alugando seus serviços.

Aquarela de uma rua da cidade de
Palmeiras, Bahia.
Ele lembrou ainda que certa vez foram para uma localidade que tinha um bazar com o nome de Ponto Chique. Fui pesquisar e encontrei um distrito com este nome no município de Iguaí, na Bahia, não soube precisar se foi este. Mas, a história é que eles foram para este bazar que vendia de tudo e depois de fazer as vendas o proprietário colocou na mesa um litro de cachaça e apareceu um soldado e ficaram ali bebendo. Depois foram para a pensão que tinha acomodações para os viajantes, o arreeiro e um local para soltar os animais.  Noutra viagem que relembrou foi para o município de Palmeira. Desta vez foram de carro e se hospedaram na pensão de d. Olga que lhes ofereceu pequenas porções de farofa de carne de porco quando eles partiram no dia seguinte. Durante o trajeto o carro quebrou na estrada e foi a farofa que os salvou da fome até chegar socorro. Disse que nunca foi assaltado e não soube que algum colega que tenha sido. Eram outros tempos...

Acrílica sobre tela Praia de Guaimbim,Valença,
Bahia,premiada pelo concurso Banco Real.
Morou numa república em Ilhéus e um dos colegas era o jovem Milton Santos, que depois ficou conhecido como um importante geógrafo. Na época o intelectual baiano escrevia uma coluna para o jornal A Tarde chamada de Coluna do Sul, e rindo ele disse que o Milton usava uma tesoura e goma arábica. Ilhéus recebia os jornais do sul do país naquela época bem mais rápido que Salvador, e assim ele recortava o que lhe interessava e encaminhava para o jornal. Lembra que também escrevia sobre a região, e da crise de 1952/1953 quando o preço do cacau despencou e provocou uma imensa crise. As histórias são muitas, mas precisamos voltar a falar de sua arte. Lembrou também que ele e seus colegas da república em Ilhéus frequentaram muito o Bataclan que ficou famoso devido o livro de Jorge Amado e a novela Gabriela interpretada pela atriz Sônia Braga.

                                                                   AQUARELAS

Posso dizer sem medo de errar que Antônio Lobo é um dos melhores aquarelistas
Exposição no centro Caballeros de Santiago
com apresentação de Floriano Teixeira.
que nós temos hoje não apenas na Bahia como também no Brasil. Esta técnica consiste em dissolver os pigmentos em água e aplicar no papel de preferência com uma gramatura alta de 300 a 700 gr. Quanto mais o papel for grosso, ou seja, tenha uma gramatura maior, é melhor para aquarelar. Esta técnica surgiu há mais de dois mil anos na China e na Idade Média em Veneza, Tadeo Gaddi, discípulo de Giotto produziu muitas aquarelas. Mas quem introduziu a aquarela na história da arte ocidental foi Albrecht Dürer que deixou cento e vinte aquarelas hoje de valor inestimável.

Aqui nós temos o Antônio Lobo que tem produzido muitas aquarelas de qualidade e já vendeu várias delas para o exterior e mesmo para outros estados brasileiros. A aquarela tem outra vantagem que os preços normalmente são mais acessíveis que uma tela a óleo ou de acrílica. O nosso aquarelista parte muitas vezes do desenho de uma paisagem ou de um ponto qualquer que ele fotografa e depois calmamente em seu ateliê vai construir a sua aquarela quase sempre em cores suaves. As aquarelas de Lobo trazem um lirismo, uma leveza e as formas vão sendo definidas com as tintas avançando lentamente no branco do papel. Enquanto isto, ele vai ouvindo uma música de Bach e as tintas vão sendo conduzidas com o pincel misturadas com água para dar a transparência necessária à sua composição artística.

                                                           APOIO IMPORTANTE

Recebendo o prêmio das mãos de
José Torres de Brito.
Foi fundamental para sua carreira de pintor o apoio que recebeu da Nestlé onde trabalhou muitos anos no setor de remédios. Disse que houve um congresso da companhia e ele emprestou uma tela para ornamentar o local do evento e que o presidente Jean Pierre Brulhart gostou e comprou o quadro. Quando vinha a Bahia sempre tinha encontros com Jorge Amado e Carybé e gostava de visitar outros artistas. “Eu sempre o acompanhava nestas visitas. Ele gostava tanto de arte que abriu uma galeria em São Paulo para que os funcionários da empresa mostrassem sua arte. Promoveu uma exposição de meus quadros e até as molduras, catálogo, tudo foi financiado pela empresa e ainda comprou oito quatros meus para presentear a parentes e amigos que moravam na Suíça. Isto aconteceu na década de 80 e lembro que no coquetel foram servidos champanhes franceses. No III Salão Nestlé de Artes Visuais realizado em 1966, em São Paulo, recebeu o primeiro prêmio com a obra “Praça Colonial” e teve entre os   jurados o famoso pintor Aldo Bonadei. Também participou de um concurso nacional promovido pelo Banco Real chamado 1º Prêmio Banco Real de Talentos da Maturidade e neste evento ele arrebatou o primeiro prêmio no segmento de Artes Plásticas quando recebeu u e ainda passagens para participar da abertura da mostra no sul do país. Este certame constava de cinco categorias Programas Exemplares, Artes Plásticas, Música, Monografia e Literatura.

domingo, 19 de novembro de 2023

LEMBRANÇAS - 1

Carybé, Jenner Augusto e Carlos Bastos,
sentados. Em pé, Calasans Neto , eu e o
Floriano Teixeira.

A CUMPLICIDADE DOS ILUSTRADORES DE JORGE AMADO

Como tenho um acervo considerável de fotos de artistas que venho guardando há mais de trinta anos resolvi criar um quadro aqui na coluna que dei o nome de LEMBRANÇAS. Tomei esta decisão porque sempre procuro dividir com os artistas e as pessoas que gostam de arte tudo que tenho arquivado relacionado com o tema. Na medida do possível vou fazer uma menção às fotos para que não fiquem soltas sem um pequeno texto explicando de que se trata, quando foram feitas, e outras informações possíveis. Também vou numerar cada publicação.

         LEMBRANÇAS 1

O quadro LEMBRANÇAS começa com esta foto icônica que me orgulho de ter conseguido reunir em 1992 os grandes artistas baianos da época que estavam em Salvador, Carybé, Calasans Neto, Jenner Augusto, Carlos Bastos e Floriano Teixeira. Fiz a reportagem intitulada A Cumplicidade dos Ilustradores de Jorge Amado, com fotos de Arestides Baptista, para a revista Manchete, do Rio de Janeiro, a qual depois publiquei no jornal A Tarde, inclusive pode ser lida na íntegra nesta coluna bastando clicar em pesquisar e colocar o título. Na foto os artistas e eu, que aproveitei para sair neste registro fotográfico, estamos todos sérios, mas o clima foi muito descontraído principalmente porque Calá e Carybé sempre descontraiam os ambientes onde estavam.


sábado, 18 de novembro de 2023

LILIAN MORAIS A ARTISTA QUE CRIA E CONTEXTUALIZA

Lilian Morais mostra
 obras de sua autoria.


Vamos falar hoje  da artista paraibana Lilian Morais que desde criança reside na Bahia. Aqui chegou ainda bebê e foi morar na cidade de Vitória da Conquista, no sudeste do Estado, e nos anos 90 veio para Salvador. Já fez marketing político, de shopping e até de produtos quando tinha uma agência de publicidade, pinta, esculpe, faz performances, ilustra livros,  faz tatuagens e atende on-line ou presencialmente pessoas que precisam do trabalho de psicanalista. Diz que estudou Carl Gustav Jung durante muitos anos e atualmente é psicanalista tem ajudado pessoas a enfrentar suas sombras do inconsciente, traumas e aprender a tocar a vida com tranquilidade. Mas, a arte sempre esteve ao  lado de Lilian Morais. Ela disse que com sua arte procura retratar o seu tempo e por isto entende que faz uma arte contemporânea. Lembra Lilian Morais que não foi fácil chegar aonde está porque quando criança sofria de dislexia, e tinha muita dificuldade em ler e escrever, então passou por iniciativa própria a desenhar à medida que os professores iam falando em salas de aulas. Assim conseguia depois decodificar os desenhos e sua significância dentro do assunto de cada aula ministrada. Foi difícil sua família entender que tinha esta doença e sua mãe achando que o problema estava nas escolas passou a mudar de escola, e assim estudou em nove delas entre o primário e o ginásio. Na época o problema não era muito conhecido e o tratamento quase não existia.

Nesta obra "Ressonância do Caráter
Humano ", deformando os corpos
questiona alguns comportamentos.
Foi a arte que me ensinou a superar minhas dificuldades. Foi através de meus desenhos que passei a entender o que os professores falavam que a arte entrou na minha vida. Sou uma apaixonada pela simbologia e no estudo do Jung a simbologia também tem muita importância. O problema de saúde que tinha hoje é conhecido como um transtorno específico de aprendizagem que Lilian superou totalmente, e atualmente escreve e verbaliza como muita facilidade, e até ajuda outras pessoas a superarem seus traumas. Lilian passou a estudar a psicanálise de Carl Gustav Jung, o suíço que inventou a psicologia analítica.  Era aluno de Freud e “criou alguns dos mais conhecidos conceitos psicológicos, incluindo a distinção entre personalidade extrovertida e introvertida e as ideias de arquétipo e de inconsciente coletivo”. Depois eles seguiram caminhos diferentes. Quando ela me falou que sofria de dislexia a princípio não entendi por que Lilian Morais é uma mulher articulada, que se expressa bem e rápido, além de trabalhar em várias frentes. Pensei que sofria quando criança de déficit de atenção que é “um transtorno neurobiológico de causas genéticas, caracterizado por sintomas como falta de atenção,
Preparando para trabalhar mais
uma escultura na oficina.
inquietação e impulsividade”, conhecido por Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade - TDAH Ela respondeu que não, e sim que sofria de dislexia e que foi a arte através dos seus desenhos, dos símbolos que criava e depois passava de interpretá-los conforme as explicações que os professores davam nas aulas que assistia nas escolas por onde passou e assim ficou curada. Foi aí que se fortaleceu seu gosto pelos símbolos e hoje usa muito para expressar sua arte e seus sentimentos naquilo que produz como artista. Quando utiliza círculos e anjos essas formas remetem a Mitologia sendo que os círculos “representam a totalidade, a perfeição, evocando uma sensação de harmonia e continuidade como também simbolizam a essência orgânica feminina, enfatizando a união de opostos e a interdependência entre os elementos." E continua “Na Mitologia os anjos assumem papeis diversificados, mas na sua arte são representados como seres celestiais protetores." Aprendemos desde cedo que temos cada um de nós nosso Anjo da Guarda que fica vigilante nos protegendo dos maus. Confesso que demorei a entender que ela teve quando criança esta doença porque além de articulada a Lilian é rápida em suas ações. 

O mural da Sereia Negra na 
Avenida Contorno, em Salvador.
Sempre atenta ao que acontece ao seu redor Lilian Morais decidiu conhecer de perto como é a relação entre os passageiros do transporte coletivo em Salvador, especialmente nos ônibus. Foi assim que realizou durante um período muitas viagens para os mais variados bairros e sempre interagindo com as pessoas. Foi quando constatou que os baianos que tomam aqueles mesmos ônibus todos os dias terminam se conhecendo e fazendo uma relação de amizade. Viu  aniversários, Natal, Ano Novo e outras datas serem comemoradas dentro dos ônibus, inclusive com as pessoas cantando parabéns e os bolos de aniversários cortados e os pedaços distribuídos entre os passageiros, enquanto o veículo percorria as ruas e avenidas do seu itinerário. 

Cena comum nos ônibus.Um assalto 
e a polícia prende os bandidos.
Depois ela fez uma exposição no Palacete das Artes, em Salvador, chamada de Bolo No Buzu, nome que escolheu não apenas por causa dos bolos de aniversários, mas também pelas cenas diárias de gente amontoadas dentro dos ônibus a caminho do trabalho ou de casa. Com isto ela trouxe para o museu uma pequena amostra  da sociedade em que vivemos e questionou o papel e a precariedade do transporte coletivo na metrópole. Ali se encontram diariamente pessoas de várias classes sociais que viajam espremidas objetivando alcançar o local onde moram ou vão realizar e resolver algum problema pessoal. Presenciou abordagens policiais, assaltos, discussões, vários tipos de personagens que diariamente circulam nos ônibus pela nossa cidade.  E ainda nesta exposição  apresentou uma instalação de uma casa destruída parcialmente pelas chuvas baseada num poema de Jorge Carrano chamado “Preta, Bahia Preta”. Ela mostra com sua arte duas realidades do nosso cotidiano de Salvador ou sejam a precariedade do sistema de transporte e das habitações improvisadas que se multiplicam nas inúmeras favelas que cercam a Cidade. Ao olhar uma das telas ou a instalação temos uma crônica visual cheia de cores intensas que nos mostra como sofrem os que precisam do transporte coletivo e de morar nas casas precárias em locais insalubres e inseguros.

                                                   MÚLTIPLAS AÇÕES

Pintando uma  obra 
para o Museu do Kard.
A Lilian Morais Dutra Pugliesi ou Lilian Morais nasceu na cidade de Cajazeiras, na Paraíba, e ainda bebê seus pais José Dutra de Medeiros e a mãe Tânia Morais Dutra decidiram vir morar na cidade baiana de Vitória da Conquista. Sua trajetória pelo ensino primário e médio foi um pouco tumultuada por causa da dislexia . Até que tudo foi esclarecido e hoje é página virada. Ficou por lá até os dezenove anos juntamente com seus seis irmãos. Já aos quinze anos passou a trabalhar numa clínica oftalmológica, porque o casal tinha poucos recursos, seu pai era caminhoneiro, e os filhos cedo passaram a trabalhar para ajudar no sustento da casa. Chegou a estudar Contabilidade “mas não sei se me serve para alguma coisa”, diz brincando. Nos anos 90 concluiu o curso de Publicidade, na Faculdade Hélio Rocha, em Salvador, criou uma agência de publicidade e foi trabalhar com marketing político para prefeitos. Deixou esta atividade segundo me disse a pedido do seu filho, que a via envolvida com esta gente afeita a atividades não muito republicanas. Então decidiu estudar a fundo o Young e hoje exerce sua profissão de psicanalista com atendimento online ou presencial. É pintora, escultora, faz instalações e ações performáticas, além de ser tatuadora. “Atualmente estou ganhando mais dinheiro com as tatuagens que faço que com minha própria arte. Muita gente hoje gosta de se tatuar e tenho sido muito solicitada”, declara Lilian Morais. Ela mesma ostenta algumas tatuagens em seu corpo esguio.

Obra da série "Várias
 Formas de Amar"
Suas obras quase sempre estão relacionadas com o comportamento do ser humano, talvez seja resultado dos anos que se submeteu a terapia e depois passou a estudar psicanálise. Na mostra “Romanceando O Inconsciente: A Estética do Encontro entre Animus e Anima” ela se utiliza de símbolos como os círculos, anjos, instrumentos musicais, elementos da mitologia que são pintados em cores fortes onde Lilian Morais “busca questionar as possibilidades de autotransformação, explorando a liberação emocional por meio do encontro com sua anima e animus”. Portanto anima de alma e animus se refere a um elemento da personalidade de todos: o espírito ou sentimento de franca hostilidade. Portanto, Lilian busca nas suas obras dar-lhes um significado intrínseco do ser humano que tem uma complexidade e variáveis infinitas. Quando lhe falei que as pessoas que fazem psicanálise por muito tempo terminam ficando reféns de seus terapeutas ela disse que isto não deve existir. “O terapeuta tem que mostrar aos poucos sua desimportância, ou seja, não precisa ser um anjo da guarda do paciente. Aos poucos ele tem que deixar que o paciente tome suas próprias decisões e resolva os conflitos e problemas que vão surgindo. Disse Lilian “os que ficam presos aos terapeutas estavam procurando um guru”.

                                          AS EXPOSIÇÕES 

O drama dos que utilizam o transporte
público nas grandes cidades.
Na exposição O Bolo do Buzu que fez no Palacete das Artes, em julho de 2015, em Salvador, a Lilian Morais trouxe para o museu momentos que ela vivenciou nas inúmeras viagens que fez para os quatro cantos da Cidade do Salvador a bordo dos ônibus do transporte coletivo. Procurou vivenciar aquelas dificuldades que diariamente milhares de soteropolitanos passam para chegar ao trabalho ou mesmo a um local de compras ou onde vão resolver algum problema numa repartição pública ou empresa privada. Ela viu e sentiu o aperto dentro dos ônibus na hora do rush e os momentos em que os coletivos estão mais vazios, e quando as pessoas fazem até comemorações no seu interior comemorando aniversário, Natal, Ano Novo e assim por diante. Com isto ela expôs no museu a deficiência do transporte público e todas as suas mazelas, além deste lado fraterno e porque não dizer amoroso, desta relação, desta ligação que a repetição das viagens diariamente cria entre as pessoas que fazem aquele mesmo roteiro pegando o mesmo ônibus no seu dia a dia.

Obra Julieta.
Veja a delicadeza!
Na série Todas As Formas de Amar a artista Lilian Morais apresentou aos que visitaram sua exposição no Museu Kard, em Vitória da Conquista, Bahia  realizada em 8 de maio de 2018 mais de duas dezenas de obras com cores fortes e predominância do branco-preto e vermelhos. Todos nós temos o direito de amar a quem quiser, e a artista apresenta em algumas pinturas personagens com olhares de reprovação ou aprovação quando estão diante de casos de amores que fogem ao padrão que adotam. 
Também considero que elas têm o direito de aceitar ou não, cada um deve ser livre para suas escolhas. O que não se pode é impedir à força ou obrigar a aceitação. Tudo tem que acontecer dentro de um clima humano, respeitoso e democrático.

Diz Lilian Morais em seu texto que “à medida que contemplamos cada tela, somos desafiados a refletir sobre nossas próprias concepções e preconceitos em relação ao amor.” Defende que “todas as formas de amar são válidas e merecem ser celebradas. Elas nos convidam a abrir nossas mentes e corações para a diversidade amorosa, construindo uma sociedade mais inclusiva e acolhedora”. E continua “Através das cores fortes que exaltam a intensidade feminina e dos personagens quadriculados que representam o masculino no mundo patriarcal, somos impulsionados a reconhecer e apoiar a diversidade amorosa, promovendo uma sociedade onde o amor seja verdadeiramente livre, inclusiva e aceita sem restrições”.

Lilian  e sua Pátria Má.
Na instalação Pátria Má que fez no Teatro Raul Seixas, em Salvador , no dia  20 de julho de 2019, colocou no centro um personagem com características femininas e masculinas construída em concreto, aço, cerâmica e resina. Segundo ela a mão posicionada na cabeça significa a manipulação que afeta a nação e as torturas frequentemente utilizadas no país. Ao redor colocou umas caixas brancas e pretas,” representando o vazio e o desespero enfrentados pela população brasileira. Outras esculturas envolvidas em sacos pretos, denunciam a violência e o genocídio dos jovens negros. Esses elementos simbolizam o momento político grave da sociedade brasileira, tornando a obra extremamente atual. No entanto, ela também remete a um caráter atemporal, refletindo o ciclo histórico que se repete”. 
Por exemplo recentemente 1.400 pessoas que protestavam foram presas e agora estão sendo acusadas por crimes que nunca cometeram a até 17 anos de prisão e acusadas de terroristas, comparadas aos integrantes do Hamas que cometeram crimes bárbaros e abomináveis. A visão do artista é sempre uma visão muito particular, dentro de suas convicções políticas, ideológicas e sensoriais. Nem sempre temos que concordar, mas temos a obrigação de defender que se expressem. Eu particularmente, sou um defensor das liberdades de expressão e atualmente estamos sendo vítimas de censura, amedrontamento e até prisão dos que não aceitam estas restrições impostas pelo Judiciário, o pior é que deveria garanti-las.

Obra onde discute o ser
humano e sua complexidade.
Na mostra Romanceando o Inconsciente: A Estética do Encontro entre Animus e Anima a artista Lilian Morais depois de abraçar várias formas para expressar sua arte e seus sentimentos procura estabelecer diálogos entre o inconsciente e o consciente individual e a realidade que os cerca. Como me disse que foi através dos símbolos, dos seus desenhos infantis, que conseguiu se livrar da dislexia ela aqui utiliza dos símbolos de anjos, círculos e instrumentos musicais e até mesmo de símbolos conhecidos da mitologia “com cores intensas e vibrantes, explorando a liberação emocional por meio do encontro com sua anima e animus.” Podemos ver que em cada exposição Lilian Morais nos apresenta além das obras em si a sua significância e a relação entre o fazer artístico e o seu inconsciente, o seu processo criativo que vem lá dos seus sentimentos mais profundos e que se materializa nas diversas formas e cores. Evidente que é uma maneira de colocar o observador de sua obra a refletir sobre a condição humana e toda sua complexidade. Ela procura sempre não apenas apresentar obras estáticas numa parede, mas que sejam capazes de provocar nos que a apreciam questionamentos interiores através de suas formas e cores vibrantes.

Cartaz da exposição na França.
Participou da I Bienal de Arte Sacra de Braga, em Portugal, de 3 de agosto a 3 de setembro no Museu Pio XII que fica no Largo de Santiago, 47, na cidade de Braga.  Participaram vários artistas, inclusive alguns convidados especiais, entre estes Lilian Morais. Na Exposition Femmes Dans Le Monde realizada em 31 de março de 2017 no Musée de l’Histoire Vivante Montreuil, na França, juntamente com as artistas Izabel Goes, Kátia Cunha, Guidha Cappelo e Zélia Mendonça. Elas trabalharam com jovens adolescentes filhos de imigrantes em escolas municipais. Lilian ensinou a trabalhar com objetos recicláveis a fazer esculturas, e depois juntamente com os alunos as obras resultado deste trabalho foram expostas. Elas foram para França com tudo custeado pelo governo francês.

Escultura de 3 m A Camponesa do 
Sisal , Conceição do Coité, Bahia
.
Criou e executou uma escultura de três metros de altura na Cidade de Conceição do Coité, na Bahia, representando a mulher sertaneja em sua lida nas roças de sisal trabalhando estendendo   fardos de sisal e no desfibramento chamada A Camponesa do Sisal, que hoje é um dos pontos turísticos da Cidade. Ela relembra que quando começou a trabalhar na escultura foi conversar com o escultor Mário Cravo Junior e ele lhe deu um conselho que evitasse trabalhar com solda porque era muito perigoso e mostrou o olho perdido que teria sido num acidente  soldando.  Ela ressaltou que foi muito bem recebida pelo mestre Mário Cravo e esteve com ele ainda algumas vezes conversando sobre a sua escultura e outros assuntos da arte.

Em Tiradentes , Minas Gerais foi
participar de um Festival de arte.
Fez uma viagem de ônibus que durou dois dias para a Cidade de Tiradentes, em Minas Gerais, para participar de um Festival e durante todo o trajeto distribuiu pedaços de papel e caneta para que os passageiros escrevessem algo sobre a viagem ou alguma coisa que viesse à cabeça. Depois recolheu estes papéis e colocou colados em sua roupa. Isto aconteceu em 2018 , e em seguida se apresentava com esta roupa performática.  
Pintou um mural com mais de três metros na Avenida Contorno, em Salvador, ao lado onde funcionava a famosa Boite Cloc, hoje o terreno é ocupado por um moderno prédio de apartamentos. Com cores fortes e predominância do azul e vermelho ela pintou uma grande Iemanjá negra nadando ao lado de um homem representado em pequenos quadrados. Lilian sempre procura fazer alguma relação entre o masculino e o feminino, e em algumas ocasiões denunciando o machismo e o patriarcalismo. Embora tenha uma aparência frágil ela sobe em andaimes altos, manipula máquinas e ferramentas pesadas com desenvoltura e muita habilidade. Portanto são inúmeras as atividades e ações performáticas de Lilian Morais a qual ainda tem muita estrada pela frente porque vontade de realizar coisas ligadas a arte não lhes falta.


sábado, 11 de novembro de 2023

O ESCULTOR E MURALISTA CELSO CUNHA

Celso desenhando  nova obra.
O meu entrevistado de hoje é o artista , escultor e muralista Celso da Cunha Silva Neto ou Celso Cunha que tem mais de quarenta anos de experiência. Neste período criou importantes esculturas, murais e painéis para empresas, entidades públicas e particulares daqui e de outros estados. Fui encontrá-lo em sua casa no bairro de Stella Maris, em Salvador, onde tem um ateliê e ali realiza seus trabalhos que não exigem grandes espaços. Quando isto acontece a necessidade de mais espaço vai trabalhar no ateliê localizado no litoral Norte apropriado para esculturas e murais de grandes dimensões. Seu temperamento é aparentemente calmo e tem uma relação profissional permanente com o computador para  fazer os projetos e desenhar suas obras com a racionalidade daquelas pessoas que gostam do Desenho e da Matemática. Seu primeiro e grande destaque nas artes plásticas baianas foi quando em 1978 com apenas vinte e cinco anos de idade foi o vencedor do concurso público para criação de um mural de 15m x 3m que foi instalado no foyer do Teatro Iemanjá no então moderno prédio do Centro de Convenções da Bahia, o qual infelizmente nos últimos três governos vinha se deteriorando e recentemente desabou uma de suas áreas, e hoje está abandonado.  Soube que o mural foi retirado e que teria sido embalado, e guardado na Secretaria de Turismo do Estado da Bahia.

O belo painel ficava no foyer do Teatro Yemanjá, no Centro de Convenções,que hoje estaria embalado.  Soube que foi retirado das ruínas do Centro de Convenções, mas não sabemos onde se encontra atualmente.

Aliás a Bahia é pródiga na destruição de obras de arte. O artista Carlos Bastos que pintou muitos murais em Salvador, já teve vários deles destruídos e outros sofreram intervenções.Conta Celso Cunha que recebeu um telefonema de um homem, que não lembra o nome, dizendo que tinha arrematado um mural de sua autoria numa demolição, e queria lhe vender. Essa pessoa afirmou que era o painel da Petrobrás Distribuidora localizada na Av. Tancredo Neves. Na hora do telefonema foi pego de surpresa e não perguntou o nome do vendedor  e qual era o mural. Também um arquiteto amigo lhe informou que foi a um antiquário daqui e que lhe ofereceram uma escultura por um preço exorbitante. Inclusive o antiquário disse ao arquiteto que o artista já tinha falecido, e por isto valia mais.

Bailarina, feita em mármore reconstituído pintada  
com tinta automotiva. Tem 2,0 m,datada de 1995.
Celso Cunha É formado em Licenciatura em Desenho e Plástica pela Universidade Federal da Bahia e em  Arquitetura/urbanismo pela Unifacs. Foi durante dois anos professor concursado, ministrou  aulas de Xilogravura, Gravura em Metal, Técnicas de Processos Artísticos, Desenho II e Técnica de Utilização de Materiais Especiais e Técnicas de Escultura Contemporânea. Através a Fapex  realizou vários cursos
e oficinas na EBA/UFBA. Mas, sua atividade de professor conflitava com os trabalhos que tinha que fazer. Lembra que certa vez recebeu uma encomenda para criar uma gruta na cidade de Curaçá, no interior da Bahia, e tinha que viajar nos finais de semana. Era complicado.   Atualmente está voltado para sua arte sempre estudando e realizando seus projetos para apresentar a possíveis interessados. Perguntei como acontece as encomendas de suas esculturas e murais, ele disse que na maioria das vezes é procurado por arquitetos, construtores e mesmo por colecionadores. Também quando ele observa a possibilidade de ver instalada uma obra num novo empreendimento entra em contato para saber se há interesse. Assim o diálogo é estabelecido e que pode prosperar ou não a depender das conversas e circunstâncias. Como muito de suas obras estão em locais públicos e já tem uma longa estrada percorrida sempre surgem as encomendas.

                                                   CRIATIVIDADE

Várias esculturas de animais  criadas por Celso
 no projeto de humanização do centro pediátrico
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Na conversa que tivemos Celso Cunha lembrou que nasceu no Hospital Manoel Vitorino, no Largo de Nazaré, em Salvador, e logo depois foram morar na cidade de Itambé porque seu pai havia sido transferido pelo Banco do Brasil do qual era funcionário. Posteriormente moraram na cidade de Três Lagoas-Mato Grosso do Sul, retornando definitivamente a Salvador quando ele já estava com cinco anos de idade. Ao chegarem foram morar, no Largo de Roma, próximo a empresa de prestação de serviço em eletrotécnica de propriedade do seu pai. Cursou o antigo primário no Convento da Soledade. Sua casa ficava defronte    do complexo de hospital e outras entidades criadas por Irmã Dulce. Isto nos anos 1950 e tudo ainda estava começando, e quando a irmã Dulce não dava conta da demanda apelava geralmente para pessoas ligadas a ela e que sabia serem católicas e caridosas.  Foi assim que certo dia uma família inteira bateu na porta da casa e sua mãe a recebeu, mandou entrar, tomaram banho, ganharam novas roupas e foram embora. “Hoje, isto seria impossível”, diz o Celso Cunha e dá uma risada.  Ele foi criado neste ambiente de escola e teve uma sólida formação católica chegando quando jovem a ser da Congregação Mariana.  Depois foram morar na Lapinha, cursou o antigo primário no Convento da Soledade onde a maioria de seus familiares morava e lá lembra da animação dos Ternos de Reis todo 1o. de janeiro e da saída dos carros do Caboclo e da Cabocla no 2 de julho.
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Escultura do orixá Iyami Oxorangá,
mistura de mulher e pássaro.  
Mas, o que mais lhe marcou foi a presença na igreja de sua avó que tinha uma relação muito forte e sempre lhe levava. Estava com cerca de 14 para 15 anos de idade. Estudou na Escola Técnica Federal, no bairro do Barbalho, e foi muito importante para ele porque a cada 15 dias o aluno era obrigado a frequentar por rodízio aulas de marcenaria, mecânica, serralharia, desenho, mecânico, artístico e técnico, tornearia de madeira e metal, alfaiataria dentre outras especialidades, até no segundo ano de ginásio descobrir qual seria a sua preferência e tendências. Lá teve contato com vários tipos de ferramentas e materiais o que foi muito importante para o seu trabalho escultórico e artístico de maneira geral. Porém, quando foram morar em Roma e teve que deixar a Escola Técnica no terceiro ano, e concluiu o ginásio no Colégio Luiz Tarquinio. Sua fase de estudos no ginásio e colegial foi muito recortada por causa das mudanças que seu pai era obrigado a fazer devido as transferências que ocorriam no Banco do Brasil onde trabalhava.

Escultura em fibra de vidro na
Rodoviária de Salvador, com 6 m .
Aí começa a busca por uma profissão definitiva e foi prestar vestibular para Análise de Sistemas, chegou a fazer um pequeno estágio na IBM, na Escola Superior para o Trabalho - ESUTRA, mas terminou deixando com receio da escola não ser reconhecida e perder seu tempo. Trabalhou alguns anos como desenhista em alguns escritórios de Arquitetura em Salvador, isto nos anos 1970. Foi quando conheceu o saudoso Ivo Vellame que era da Escola de Belas Artes. Tinha feito alguns cursos livres por lá e recebi o seu incentivo para estudar na EBA. “Por insistência dele fiz o vestibular e passei. Já no terceiro ano estudando fui aprovado no vestibular para Arquitetura e e resolvi cursar em 1983. Fiz uns trabalhos ou sejam murais e o painel dos 150 anos do Banco Econômico e tive que viajar para São Paulo. O arquiteto era Durval Lelis, hoje um famoso cantor, que é meu amigo. Fui assim fazer dois painéis em épocas diferentes. Também criei e executei outros painéis e murais no interior do Estado. Foi aí que tive dificuldade em continuar o curso de Arquitetura. Depois vi que precisava ter uma profissão que me desse alguma segurança e então decidi fazer Licenciatura em Desenho, o que me permitiu ensinar na Eba”, diz Celso Cunha. Até que um dia resolveu que deveria concluir o curso de Arquitetura e assim se matriculou na UNIFACS e se formou. Chegou a começar o Mestrado, mas largou e passou a trabalhar com mais intensidade.

                                                   QUEM É

Projeto de sinagoga em Toronto, no Canadá.
O artista Celso Cunha nasceu em Salvador em 7 de junho de 1953 e foi batizado com o nome de Celso da Cunha Silva Neto, seus pais Celso da Cunha Silva Filho e sua mãe Amélia Cabral Cunha. “Cresci numa família de artistas. O meu avô escrevia e quando não estava trabalhando, naquela época era no Tesouro, ele desenhava e quando chegava a época de Natal gostava de armar um grande presépio e desenhava paisagens e as cidades por onde Jesus passou. Umas tias estudaram pintura na Panorama Galeria de Arte, e até minha avó gostava de pintar.  Na realidade eu adoro a Matemática, a marcenaria e passa a me mostrar vários móveis de sua casa feitos em grossas tábuas de pinho. Os móveis além da praticidade se mostram bem-acabados e robustos. “Quase não chamo ninguém para fazer serviços de marcenaria, eletricidade, mecânica etc. Eu mesmo dou meu jeito", diz orgulhoso o artista Celso Cunha acostumado que está a mexer com vários tipos de ferramentas para criar seus murais, painéis e esculturas.

“Adoro trabalhar com as mãos hoje praticamente não tenho mais ajudantes porque a dificuldade de encontrar uma pessoa interessada a se dedicar é muito difícil. Então faço minhas esculturas geométricas e meus murais e painéis trabalhando a madeira, os metais e outros materiais que integram as obras. Tudo começa com o desenho que faço geralmente no computador por ser mais prático e você pode rotacionar para ter uma ideia de como será vista por vários ângulos. Passei uma boa temporada, quase dez anos no Hospital Aliança fazendo a humanização do ambiente. Então eu fiz várias esculturas de animais entre os quais camaleão, ema, e mesmo um mural c0m elementos infantis.", adiantada o Celso Cunha.

Celso com sua escultura de Antônio do
Garanguejo, Itinga, Lauro de Freitas.
“Basicamente sou desenhista, faço as esculturas em escala, e apresento ao cliente. Quando é feito o contrato parto para a execução e sempre procuro cumprir os prazos”, disse Celso Cunha.” Faz poucas esculturas figurativas, geralmente são geométricas com forte influência dos triângulos e retângulos. Algumas delas são inspiradas no guardanapo que ele dobra e dão várias formas de movimento apontado para o céu.

Noto que sua produção escultórica é sintonizada e integrada à arquitetura, inclusive trabalhando em parceria com os arquitetos Fernando Peixoto, Ivan Smarcewski, Neilton Dórea, Luiz Humberto Carvalho, André Sá, Francisco Motta, Ricardo D’Albuquerque, Sérgio Doria, Alberto Fiuza e no início com Durval Lelis, além de vários construtores. De 1996 a 2010 projetou e executou as esculturais de vários animais que povoam os jardins do Centro Pediatria do Hospital Aliança, assim como a gruta de meditação em seu interior, trabalhos que fazem parte do projeto de humanização do hospital.

Painel dos 150 Anos do Banco
Econômico com 3m x 3m, Salvador.
Projetou e executou em 2009 a reprodução da gruta religiosa de Patamuté, na cidade de Curaçá, interior da Bahia, patrocinado pelo Ministério do Turismo. Uma obra de arte urbana que provavelmente é uma das maiores em estrutura em fibra de vibro do Brasil, com uma cúpula de 15m x6m de altura. Também é autor da bela escultura geométrica de cor vermelha feita em fibra de vidro na entrada do Terminal Rodoviário de Salvador, e do monumento em homenagem a Antônio Caranguejo, na Praça do Caranguejo, em Itinga, no município de Lauro de Freitas, em 2011. O Celso Cunha também já executou esculturas para outros artistas.

Tem murais em agência do Bradesco, no Rio de Janeiro; Centro Empresarial Itaigara, Salvador; Edifício Oscar Pontes, Salvador; Hotel Arcobaleno, em Porto Seguro, Bahia; Hotel Monte Pascoal, Porto Seguro, Bahia; Grande hotel de Caldas de Cipó, Bahia, e Bradesco, em Itabuna, Bahia. Esculturas: no edifício Mansão Wildberger, Salvador; residência de Paulo Sérgio Tourinho, Salvador; busto de Maria Felipa; e busto de Paulo Sérgio Tourinho, no Hospital Aliança; de Smith Kline, na Irlanda; Hotel Fiesta, Salvador, edifício Palácio Itaigara, Salvador, no Centro Empresarial Caminho da Redenção, Salvador, esculturas no Condomínio Le Parc, Salvador.

Fez sua primeira exposição individual na Galeria Cañizares, em 1979 e participou da exposição coletiva em 2023 sobre a Independência da Bahia, também na Cañizares; Exposição Proposta e Cadastro e do Salão Universitário, em 1980, no foyer do Teatro Castro Alves; exposições no Hotel Meridien, no Hotel Sofitel Quatro Rodas, na Loja Alufil, Hotel Quatro Rodas novamente, Galeria Prova do Artista e no Restaurante Porcão, exposição no SINAPEV-Ba.todas em Salvador. Fez intervenções artísticas na Feira de São Joaquim , em 2010 e no Centro de Abastecimento de Feira de Santana, também em 2010. Preside atualmente a Associação Baiana de Artistas Visuais - ABARVI.