sábado, 15 de outubro de 2016

CARTA DOS ARTISTAS SOBRE MUSEUS

Proposta para os Museus de Arte.

Os museus de arte se destacam como instituições facilitadoras do desenvolvimento cultural e educacional, um espaço privilegiado de produção, reprodução e divulgação de conhecimento a serviço do pensamento crítico da sociedade e sua historia. Em particular os museus de arte tratam das artes visuais, como é o caso do Museu de Arte Moderna da Bahia, (MAM-BA) idealizado pela arquiteta Lina Bobardi para também ser um museu escola. Ao conciliar a arquitetura histórica com a intervenção interna, mesclar a preservação do antigo com as exigências contemporâneas indispensáveis a instalação de um museu, a arquiteta criou o que hoje é um espaço para reflexão cultural de reconhecimento nacional e internacional.
O Conceito atual de museu, com suas atividades socioculturais, lhe deu visibilidade, por assumir um importante e poderoso papel na economia e na credibilidade da imagem de uma cidade. Nas palavras de Mário Pedrosa no texto “Arte Experimental e Museus” publicado em 1960, diz ele: “ Diferente do antigo museu, do museu tradicional que guarda em suas salas as obras primas do passado, o de hoje é, sobretudo, uma casa de experiências.  É um para- laboratório . É dentro dele que se pode compreender o que se chama de arte experimental, de invenção”. Ou seja, uma arte que se relacione com a cidade de forma viva.

O MAM-BA faz parte desse novo conceito de museu.
Historicamente, mas, sobretudo pela natureza do objeto a que se dedica, que é o de implementar e difundir as artes visuais, é que  o Museu de Arte Moderna esteve sempre vinculado á fundação Cultural do Estado, instituição  com a qual fez o diálogo pertinente; o diálogo das linguagens Artísticas atuais.
No ano de 2003, no Governo Paulo Souto, os museus foram retirados da estrutura da Fundação Cultural do Estado da Bahia e incorporados ao IPAC (Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia).

Nós Artistas Plásticos, abaixo assinados, em reunião no MAM-BA, (destacamos nessa oportunidade a presença de Chico Liberato, Diretor por 12 anos do museu) para discutirmos uma pauta que contemplava temas como Reforma do museu, Revitalização das Oficinas, Bienal da Bahia, Salões e Projetos Expositivos, sugerimos a discussão de um tema fundamental para a plena realização do MAM-BA, como de resto, dos museus de arte: a volta dos museus ao seu lugar de origem, ou seja, a Fundação Cultural do Estado da Bahia.  Esta reivindicação, há muito tem sido expressa pelos Artistas Visuais, às gestões anteriores do IPAC e da Secretaria Estadual de Cultura.
Depois de exaustiva discussão, nós artistas, pelo já exposto acima, e por compreendermos a natureza da Instituição IPAC como um órgão fundamental na preservação do patrimônio material e imaterial do Estado da Bahia, inclusive do sítio histórico do Solar do Unhão e por  considerarmos que o diálogo das linguagens, carece de uma interlocução que se afeiçoe à natureza dos museus de arte. Decidimos por levar o nosso pleito ao Exmo. Secretario de Cultura, Sr. Jorge Portugal e subsequentemente ao Exmo. Governador do Estado da Bahia, Dr. Rui Costa.

Imbuídos do espírito cooperativo, e do estrito desejo de colaborar com a gestão da cultura na Bahia, ao tempo em que manifestamos o nosso apreço ao IPAC, subescrevemos:

EDVALDO DE ASSIS E SEU MUNDO DE SIMPLICIDADE E GRANDEZA

Edvaldo Assis, hoje com 75 anos, e a beleza de suas obras
 Estamos vivendo num mundo digital de amores e relações fluidas que se dissipam num clic de uma tela de computador. Um mundo onde as relações entre as pessoas se transformam em imagens que nem são guardadas. Elas desaparecem na "nuvem,"como estão desaparecendo as amizades devido a distância, polarização de ideias e posições políticas ou sociais. Mas, longe deste mundo fervilhante e insensível gravitam outras pessoas que carregam em si aquele calor da amizade, aquela chama de criatividade , aquela calma que nos leva a pensar que ainda há salvação. Não a salvação divina, mas a salvação das coisas simples, salvação da amizade sincera, e aquela sensação e emoção quando as encontramos depois de algum tempo .
Este calor humano é uma característica forte neste homem simples de Santo Amaro da Purificação que constrói o seu mundo  em seu imenso atelier, cheio de salões repletos de livros, quadros e esculturas.
Senti que ele está deslocado do tempo e de lugar. Ao olhar os seus quadros onde retrata, dentro de sua visão pictórica impressionista a paisagem baiana, com seus casarios centenários, suas igrejas plantadas no alto dos morros, e outros prédios históricos, como o antigo e já desaparecido Mercado Modelo, Edvaldo de Assis apresenta-se como   um lutador que quer mostrar ao mundo que ele tem uma memória que precisa ser compartilhada e vivenciada por todos aqueles que se dispõem a perder um tempo, e fixar os olhos alguns minutos em uma de suas telas cheias de luz dos trópicos, o romantismo e a saudade do passado. Também  pinta cenas da atualidade com a luz e a mesma intensidade de suas cores bem distribuídas.
Lembro quando ele chegava a redação do Jornal A Tarde com seu jeito simples e envolto numa timidez que era difícil tirar algumas palavras de sua boca. Quando  perguntado mostrava uma tela que acabara de pintar, e a entrevista sempre ficava restrita por falta de maiores informações. 
O antigo ( já desaparecido) Mercado Modelo e os saveiros
Convidado para fazer o prefácio deste livro pelo amigo e colega Otto Freitas, revivi na mente as vezes que estive com Edvaldo Assis na redação do jornal, e também, em algumas vernissages. Sempre daquele seu jeito de interiorano tímido. Isto no meu entender lhe prejudicou de alguma forma, como também a falta de um agente, galerista ou marchand que talvez  pudesse levar com afinco e vigor as suas obras a colecionadores e galeristas de outros lugares. Sim, porque não existe só a arte das performances que se diluem no ar ou a arte contemporânea. dos grandes centros urbanos.
A arte que Edvaldo de Assis realiza é também da mais alta importância, e nós baianos somos pródigos em descartar artistas de valor. Lembro de Ivan Bastos, Reginaldo Bonfim e o próprio Carlos Bastos, Genaro de Carvalho , já falecidos, e outros que precisam ser melhores reconhecidos, lembrados e festejados com exposições retrospectivas, catálogos e livros. 
Em boa hora este livro sobre Edvaldo de Assis é lançado com ele ainda vivo  e produzindo para que fique ai registrado para a História da Arte da Bahia e que futuras gerações possam conhecer quem foi este artista que pintou as ruas , os casarões, as praias e tantos outros lugares de nossa terra.
Foi complicado encontrar o Edvaldo Assis. Primeiro,tive que solicitar a alguns amigos uma pista do seu telefone. Através do seu colega Leonel Mattos soube que ele seu atelier ficava no bairro da Saúde próximo a uma molduraria. Consegui o telefone da molduraria do Edvaldo ( não é o Assis) que me passou para uma filha, que tinha o telefone do Edvaldo Assis.Assim, pude falar com ele e marcar uma data para visitá-lo antes de escrever o prefácio. Queria sentir e saber como andava o personagem sobre quem iria escrever.
O pintor Edvaldo Assis em frente ao seu atelier na Saúde
Finalmente, nos encontramos . Fui recebido na porta do atelier, e após subir uma escada até o primeiro andar,  me vi diante de um imenso salão onde praticamente vive o Edvaldo Assis, transitando entre outros salões que se intercomunicam. Ali  passa o dia inteiro desenhando , pintando e conversando com os poucos amigos que o visitam. O local é na rua Júlio Barbuda, 4, bairro da Saúde, uma ladeira íngreme e tortuosa, onde não existe a possibilidade de você estacionar, porque sempre está completamente tomada de carros. As casas antigas do bairro da Saúde não possuem garagens e as pessoas estacionam onde conseguem uma vaga. 
Edvaldo de Assis embora mais velho continua o mesmo. Fala mansa, olhar triste e simples como um típico interiorano. Nascido em 1941, em Santo Amaro da Purificação, morou em Oliveira dos Campinhos e Nazaré do Jacuípe  acompanhando sua avó, com quem sempre tinha uma grande afinidade.Sua mãe claro, teve também um importante papel em sua vida, e fica emocionado quando lembra que ela faleceu há poucos meses.
Este menino pobre e sensível deixava de comprar brinquedos em troca de revistas como a O Cruzeiro, Manchete, gibis, e era fã do famoso caricaturista Péricles, com seu personagem O Amigo da Onça, que tanto sucesso fez nos anos 50 e 60.
Estudou na então Escola Agrícola em São Bento das Lages, em São Francisco do Conde. Depois veio trabalhar no jornal Diário de Notícias, do grupo dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand,  no setor de distribuição.
Uma visão parcial de um dos salões do seu atelier
com estante e quadros.
Lembra que foi o fotógrafo Oscar Freire de Carvalho que ao ver seus desenhos resolveu lhe levar ao Palácio da Aclamação para pedir uma bolsa de estudos para ele ao então governador Juracy Magalhães, que só depois da segunda tentativa conseguiram o contato. O governador Chamou seu auxiliar Josaphat Marinho e deu-lhe a incumbência de providenciar a bolsa de estudos. Foi assim que Edvaldo Assis foi estudar na antiga Escola de Belas Artes, que funcionava na 28 de setembro, no Centro Histórico. Lá ampliou seus horizontes e teve contatos com os mestres da pintura baiana como Réscala, Mendonça Filho dentre outros, o que lhe possibilitou continuar este caminho da pintura expressionista com traços acadêmicos.
Mas, a vida sempre foi muito difícil para Edvaldo Assis, que teve que largar a Escola de Belas Artes.  Lembra que o mestre Réscala reclamou de suas faltas e insistiu para que não largasse o curso. Mas, a situação financeira não permitiu. Como  fazia retratos a carvão para ajudar nas despesas foi observado pelo comerciante português Manoel Pinto, dono da loja Império das Louças, que ficava no Relógio de São Pedro, e iria abrir uma filial no bairro da Calçada. O português ficou tão entusiasmado com ele que foi falar com seu chefe no Diário de Notícias o José Muniz oferecendo vantagem  com salário melhor. Assim lá se vai o Edvaldo Assis trabalhar na filial do Império das Louças, na Calçada, e assim a distância, difícil de ser vencida naquela época, entre a Calçada e o Centro Histórico contribuiu para seu afastamento definitivo da Escola de Belas Artes.  Neste ínterim ele ainda fez uma incursão como desenhista pelos corredores da TV Itapoan, que pertencia ao grupo Diários Associados .
O conjunto do Solar do Unhão fixado na tela por
este artista impregnado de baianidade.
Depois de várias décadas pintando, sua vida ainda continua cheia de dificuldades com sua mulher doente e alguns filhos ainda dependendo do seu ofício de pintor. Também, os tempos mudaram. Os jornais impressos estão encolhendo, e aquele acolhimento que tinha de quando chegavam nas redações sendo recebido com respeito por mim, Aldo Tripodi ( recentemente falecido), e mesmo fora deste ambiente por  outras pessoas que apoiavam os artistas com suas reportagens e textos críticos, a exemplo do meu amigo professor Ivo Vellame, de saudosa memória. Haviam também galeristas como Jacy Brito, de O Cavalete , no Rio Vermelho, grande incentivadora que lançou  vários artistas emergentes , que que hoje estão ai vitoriosos no mercado de arte; Deraldo Lima, da Galeria  13, no Centro Histórico; Rag, na Bôca do Rio; Panorama Galeria de Arte, na Barra,  fundada em 1967, por Euler de Pereira Cardoso, que realizou dezenas de  exposições e contribuiu para a formação de muitos artistas, e antes  a Bazarte, que ficava no Politeama,de José de Almeida Castro que se transformou numa espécie de oficina para os artistas, graças ao espírito de mecenato de seu criador; e mais alguns,que promoviam encontros e exposições desses artistas, inclusive lançando muitos iniciantes no mercado, e os apoiando até que alcançassem voos mais altos.
Guardei para o fechamento deste pequeno texto esta frase de Edvaldo Assis que resume tudo que afirmo sobre o atual ambiente de trabalho e a dificuldade de divulgação das obras desses artistas: "Minha vida difícil, continua". Se você for ouvir outros artistas vai também constatar esta dificuldade.