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terça-feira, 25 de junho de 2013

ANTÔNIO REBOUÇAS TRABALHANDO PARA DUAS EXPOSIÇÕES

JORNAL A TARDE, SALVADOR,  SÁBADO, 22 DE MARÇO DE 1975

Antônio Rebouças trabalhando em seu atelier em Berlim,
onde passou dois anos
O escultor e pintor Antônio Rebouças está trabalhando sem parar para realização de duas exposições: a primeira na Guanabara, na Galeria Irlandini,e a outra na Galeria  O Cavalete, no Rio Vermelho. Juntamente com Mário Cravo, o artista Antônio Rebouças representa o que existe de mais significativo na escultura.
Personagem de livro de Jorge Amado e integrante daquela geração de grandes e renomados artistas o escultor Rebouças prefere ficar em seu atelier na Rua Princesa Isabel. É um homem criativo e gosta de ficar horas e horas na solidão esculpindo ou pintando. Tem um raciocínio rápido e uma inteligência acima do normal.
Agora ele acaba de colocar uma bela escultura no prédio da Secretaria da Fazenda, no Centro Administrativo. É uma composição rotacional ascendente de 50 elementos independentes que vão se alternando na projeção vertical. Os vazios resultantes da superposição dos elementos em torno do eixo central dá uma bela ondulação rítmica.
Quanto ao aspecto plástico da escultura apresenta três impactos diferentes quando vista a longa distância, a distância média e dentro do lago. Em determinados ângulos parece tratar-se de três esculturas diferentes. É um caso perfeito de deformação da percepção devido às fugas que ocorrem de acordo com a trajetória visual do observador.
Como os elementos são livres e desprovidos de solda, o conjunto poderá ser modificado de forma infinita, girando em torno do eixo central.
Escultura de 50 elementos superpostos,
obra de Antônio Rebouças,na Secretaria
da Fazenda, no Centro Administrativo
Quando da escolha do projeto desta escultura Rebouças apresentou outro que foi abandonado provisoriamente devido a dificuldades técnicas em sua confecção. Trata-se de uma escultura em forma de uma bola gigante que seria confeccionada em acrílico com quatro centímetros de espessura e com uma parte espelhada. Seria oca e dentro dela haveria uma lâmina d’água, onde boiavam dezenas de pequenas esculturas também ocas. Funcionaria em campo eletromagnético que ficaria neutro e quando acionado por um observador entrava em funcionamento. Assim as pequenas esculturas que boiavam na lâmina d’água proporcionaria  a pessoa a feitura de uma escultura. Seria um trabalho, onde o observador participaria fazendo um número infinito de esculturas que acabariam tão logo ele soltasse o interruptor que colocava em funcionamento o campo eletromagnético.
Na conversa que mantive com Rebouças resolvemos apresentar algumas perguntas e respostas.
Vejamos.
P. Sendo você um escultor tipicamente figurativo por que escolheu para seu maior trabalho uma forma abstrata?
R. Logo depois que eu criei esta escultura ela deixou de ter uma forma abstrata passando a ser uma figura do escultor Antônio Rebouças. Está claro que esta resposta irá confundir certos pseudos críticos. A esses eu pergunto: uma tampa de açucareiro é uma forma abstrata?
P. Você considera sua escultura monumental?
R. O verdadeiro sentido do monumental nada tem a ver com o tamanho do trabalho. Eu bem me lembro que foi num tropical dezembro que executei a mais monumental de minhas esculturas. Foi um pequeno busto em miolo de pão de minha primeira namorada. Aquele busto representa uma raridade ou seja o confronto do singelo com o monumental.
P. Por que você demora tanto em fazer exposição?
R.Porque tenho muitos amigos e tenho receio que eles modifiquem o conceito que têm a respeito da minha arte já que ela move-se como as nuvens.
P. Por que você prefere a sua escultura sem pátina?
R. Você deve saber que certas obras de arte são como as mulheres, são mais belas em maquilagem e no vesti-la no decorrer do tempo com uma espécie de pele avermelhada, mimetizante, à maneira das índias.
P. Você não considera aqueles pontos por demais agressivos na sua escultura da Secretaria da Fazenda?
R. Segundo Freud é melhor se agredir com pontas do que com formas arredondadas.
P. Você admite que a mulher, esposa ou amante tenha influência sobre a vida de um artista.
R. Há mulheres que nascem com o poder mágico de transformar homens. Mas nenhuma conseguiria ou conseguirá transformar um verdadeiro artista num mercenário.
P. Entre um artista culto e um ignorante acha que o tipo de arte executada por cada um  apresenta diferenciação em função do nível cultural?
R. O problema deve ser encarado do seguinte modo: somente o artista primitivo tem o privilégio de poder ser ignorante. Um erudito ignorante além de ser um contrasenso, a sua erudição é falsa.
P. Considera o dinheiro como fundamental na vida de uma artista?
R. A História está repleta de artistas que em plena miséria compuseram verdadeiras obras-primas, em compensação encontramos certos artistas com dinheiro que são verdadeiros bolhas. Por outro lado, encontramos alguns com dinheiro e que foram gênios e, também artistas na miséria que são e foram bolhas.
P.Acha que a arte que se distancia do povo está fadada ao fracasso?
R. Não. Compete aos governantes levar o povo a arte e não o artista colocar freios para chegar a um povo despreparado.
P. Como poderia explicar sua escultura?
R. Tudo aquilo que o artista tenta explicar sobre o seu trabalho é exatamente o que não conseguiu dizer através dele. Não tem culpa o artista, quando o trabalho diz tudo, e não foi entendido por alguém.




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